15 setembro, 2014





Foi por um crepúsculo de vago outono que eu parti para
essa viagem que nunca fiz.
O céu - impossivelmente me recordo - era dum resto roxo
de ouro triste, e a linha agónica dos montes, lúcida, tinha
uma auréola cujos tons de morte lhe penetravam amaciadores,
na astúcia do seu contorno.
Eu não parti de um porto conhecido.
Nem hoje sei que porto era, porque ainda nunca lá estive.
Também, igualmente, o propósito ritual da minha viagem
era ir em demanda de portos inexistentes - portos que
fossem apenas o entrar-para-portos; enseadas esquecidas
de rios estreitos entre cidades irrepreensivelmente irreais.
Julgais, sem dúvida, ao ler-me, que as minhas palavras
são absurdas.
É que nunca viajastes como eu.

FERNANDO PESSOA 


Dama do Lago


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