13 fevereiro, 2011

Ode ao ser humano, por Juremir Machado da Silva

Ode ao ser humano    



Nestes tempos em que se tornou moda falar mal dos homens, quero fazer uma ode ao ser humano. Não apenas uma ode ao homem, mas uma ode ao comportar-se humanamente, ser humano, no sentido nobre que essa palavra já teve. O ser humano, como sabemos, é capaz de tudo, do pior e do melhor, de produzir as pirâmides do Egito e a ditadura do Hosni Mubarak. É a sua complexidade que fascina. Vejamos o caso do amor entre seres humanos. O amor que realmente conta é aquele que impõe condições, que faz exigências, que se manifesta, cobra, provoca e, até, rompe. Um amor incondicional não é humano ou é doentio. Trata-se de submissão, de subordinação ou controle sobre um objeto. Quem precisa de amor incondicional quer dominar alguém.

O ser humano não é o centro do mundo, mas é o único que pode, por enquanto, pensar sobre a ideia de centro do mundo. É também a única espécie que pode contestar a existência de espécies em favor de uma relação mais equilibrada e justa com outras espécies. A humanidade já produziu Shakespeare, Mozart e Hitler, o que nos faz desacreditar e acreditar nela ao mesmo tempo. Carregamos a possibilidade do bem e do mal. Somos os únicos a poder viver o dilema dessa escolha ou o sofrimento de ser arrastado por uma força maior do que nossa consciência. A espécie humana não é a única a comer outros animais. Nesse quesito, vacas e cavalos continuam superiores a nós, pois são vegetarianos, embora não por virtude, apenas por imposição da natureza. Somos os únicos a poder pensar na possibilidade de mudar de hábitos alimentares.

Assim como o conceito de etnocentrismo, inventado pelos antropólogos ocidentais para combater o preconceito em relação a outras culturas, não pode se converter em ódio a totalidade da cultura ocidental, a certeza de que o homem não é o centro de tudo, mas parte do universo natural, não pode se transformar em desprezo ao humano. A criminalidade humana continua maior em lugares onde há menos desenvolvimento humano, ou seja, social, econômico e cultural. Há mais violência em El Salvador do que na Inglaterra, mais no Rio de Janeiro do que em Londres, mais em Alagoas do que na Bretanha. Há outra parte da violência que vai além disso e faz parte do mistério animal humano. O humano é um ser estranhamente genial.

Especialistas dizem que estamos no pós-humano, entendendo que passou o tempo de nos considerarmos o centro de tudo e, especialmente, que vamos nos transformando em ciborgues, com próteses como marca-passos, órgãos transplantados, óculos e outros elementos artificiais incorporados ao organismo natural. O pós-humano é mais uma invenção da humanidade. Só a humanidade pode tomar a decisão de destruir o planeta ou de tentar salvá-lo. Só ela pode optar pela proteção das outras espécies ou devastá-las. Toda vez que ouço as sonatas de Beethoven, o que faço com frequência, tenho certeza de que a humanidade vale a pena. Desacreditar nela é um clichê tratado com ironia por alguns filósofos deliciosamente rabugentos e com rabugice por algumas pessoas com preguiça de pensar na complexidade do ser.

Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br

Matéria na edição de DOMINGO, 13 DE FEVEREIRO DE 2011 do Jornal Correio do Povo de Porto Alegre.

......................................

Achei mesmo muito legal esse texto do Juremir.
Sobre o amor universal... uma questão igualmente complexa e altamente paradigmática, já que
o tal amor universal surge, pelo que sei, de uma apropriação condensada e híbrida feita pelo ''mundo ocidental' de muitos conceitos, idéias e filosofias religiosas orientais.
Também nos textos espíritas ouve-se e escreve-se muito essa expressão.

Será esse sentimento também uma produção humana? 
Do humanismo? 
Da humanidade?

Se, como diz Juremir (no meu entender, brilhantemente) "quem precisa de amor incondicional quer dominar alguém", também estaria 'correto' dizer que quem o sente e oferece, "abriu mão" de todo e qualquer desejo ou tentativa de controle e domínio?

É possível sentir amor incondicional 'todo o tempo'? Ou "só de vez em quando"?
Quem chega (atinge?) nessa/essa condição, tornou-se um passivo e acomodado que fecha os olhos e os pensamentos ao seu destino e a ele submete tudo?
Ou, ainda, é um ser "evoluído" que a tudo entende e respeita?

Se, ao invés de precisar, usarmos a palavra querer, experimentar, vivenciar... o amor incondicional...
estamos falando de outra coisa que não a vontade de poder, controle, domínio? 
Se sim, sobre o quê estamos falando, então?

Esse "amor incondicional é uma falácia, uma possibilidade buscável e possível, uma realidade experimentada ou uma terminologia inventada para oprimir espíritos livres?

Será o 'espírito livre' alguém que já passou pelas provações e está pleno de amor universal?
É preciso passar pelas provações para conhecê-lo?
Ou ele é possível e passível de ser alcançado pelo desejo, vontade, motivação, treino, rito?

Será esse amor uma condição religiosa? 
Filosófica?
Existencial?
Pessoal? 
Coletiva?
Individual?
Transcendental?
Espiritual?
Ambas?
Todas as acima?
Será outra coisa?

Estará ele 'disponível' para todos os seres humanos?
Somente para alguns?

O que é o amor universal?
O que é como sentimento? Sensação? 

Enfim, essas perguntas são condição de "pensar na complexidade do ser?

Em português, "amor" é um substantivo masculino e "incondicional" é um adjetivo.

Um comentário:

Kátia disse...

A mistura do substantivo com o adjetivo resulta na mais surpreendente beleza, na mais pura das energias: o amor original porque o restante são meras imitações imperfeitas.

Concordo que o amor impõe condições, faz exigências, se manifesta, cobra, provoca e, até, rompe... quando motivados por nossos egos. Caso contrário, abraçaríamos a energia pura que é um amor de aceitação, de bem querer, harmonioso, equilibrado.

"Um amor incondicional não é humano ou é doentio. Trata-se de submissão, de subordinação ou controle sobre um objeto. Quem precisa de amor incondicional quer dominar alguém." ---> Que coisa! Nem sempre o que se sente é AMOR de verdade. Pode ser apego. Pode ser aquele quero-porque-quero, com os pés batendo no chão. E pode ser o tal 'amor' romântico com visões irreais, com uma certa sensação de preenchimento... Nada disso se sustenta.

Adulteram esse sentimento pelas ideias fabricadas no ego. O ego é que quer dominar. Quer que os outros façam as coisas à sua maneira, que os outros sejam, no fundo, quem não são. Ora bolas, o doentio reside é no amor inventado.

To séria. Viu que não dei nenhuma risada? E de cara feia... hahahahahahahahaha, não me aguento. Bem que tento... Quem sabe com o novo conceito de pós-humano, eu coloco em cheque tudo o que penso sobre minha condição humana e mudo.

Um beijo, dearrrrrrrrrrrr!
.