30 junho, 2010

Clarice Lispector: três fragmentos abordando a identidade



Eu antes tinha querido
ser os outros para conhecer
o que eu não era.
Entendi então que eu já
tinha sido os outros
e isso era fácil.
Minha experiência maior
seria ser o outro dos outros:
e o outro dos outros era eu!


"...estou
procurando, estou
procurando.
Estou tentando me
entender. Tentando
dar a alguém o que
vivi e não sei a quem,
mas não quero ficar com
o que vivi. Não sei o
que fazer do que vivi, tenho
medo dessa desorganização
profunda."


Continuo sempre me inaugurando,
abrindo e fechando círculos de vida,
jogando-os de lado, murchos,
cheios de passado.
Por que tão independentes,
por que não se fundem num só bloco,
servindo-me de lastro?
É que eram demasiado integrais.
Momentos tão intensos, vermelhos,
condensados neles mesmos
que não precisavam de passado
nem de futuro para existir.


Clarice Lispector



28 junho, 2010

"Minha Esquerda", por Juremir Machado da Silva... sobre o novo livro de Edgar Morin


"Minha esquerda'' 


Edgar Morin completará 89 anos de idade neste mês de julho. Estive com ele, em Paris, há cinco dias. Senti que ficou mais frágil em pouco meses. A voz agora é quase um fio. As ideias, porém, continuam muito claras. Morin é um dos maiores intelectuais do mundo atual. Ele acaba de publicar um belo livro intitulado "Minha esquerda". A epígrafe já diz tudo: "Eu sou um direitista de esquerda. Direitista porque valorizo muito as liberdades, mas, ao mesmo tempo, sou muito esquerdista, pois tenho a convicção de que nossa sociedade precisa de transformações profundas e radicais. Tornei-me um conservador revolucionário. Precisamos revolucionar tudo, mas conservando os tesouros da nossa cultura". É isso.


Esquerda e direita continuam existindo e orientando as políticas de cada lugar. Morin começa recusando o artigo definido de "a" esquerda, pois ele "oculta as diferenças, as oposições e os conflitos". Em contrapartida, com seu estilo complexo, destaca nas esquerdas unidade, concorrência e antagonismos. A unidade das esquerdas está na eterna aspiração a um mundo melhor, à emancipação dos oprimidos, explorados, humilhados e ofendidos, e no desejo de universalização dos direitos humanos. Os antagonismos aparecem na existência de correntes diversas, que competem entre elas, em função de posturas, leituras e métodos de ação diferentes. Morin não encobre um só erro ou crime do esquerdismo. Tampouco justifica ou apaga um só erro ou crime das direitas.


Ser de esquerda hoje para esse jovem de quase 90 anos de idade não significa ser comunista nem defensor dos regimes stalinistas que dominaram o Leste europeu ao longo do século XX. Ser de esquerda, em 2010, significa, antes de tudo, opor-se à ideia de que a história chegou ao fim e de que o egoísmo deve prevalecer com a redução do Estado ao mínimo insuportável. Tecnologia, ciência e globalização trouxeram, segundo Morin, modernidade, progresso e desenvolvimento, mas trouxeram também novas exclusões, retrocessos e destruições. Compreender essa ambivalência é o papel dos intelectuais e dos políticos. Quem acha que o capitalismo venceu e ponto final, simplifica. Quem defende a utopia do Estado total, também simplifica. Ser de esquerda implica levar em consideração essas contradições para construir uma "utopia possível".


Inspirado, o jovem Morin provoca: "Retornemos às fontes de esquerda, que são, ao mesmo tempo, revolta e aspiração. Revolta contra tudo o que degrada o homem pelo homem, revolta contra o que submete o homem, desprezo e humilhações. Aspiração não ao melhor dos mundos, mas a um mundo melhor. Essa aspiração, que nunca parou de nascer e renascer ao longo da história humana, continuará a renascer. Mas necessitará de um pensamento político regenerado para fazer renascer a vontade e a esperança". Ninguém se contentará com a lei do mais forte. Os homens precisam de competição, mas vivem melhor quando conseguem associar concorrência e cooperação. Lições de um sábio.


JUREMIR MACHADO DA SILVA > correio@correiodopovo.com.br 


Fonte: Jornal Correio do Povo edição de 28 de junho de 2010

II Congresso Internacional Esquizoanálise e Esquizodrama





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27 junho, 2010

Entre a Razão e o Impulso, por Hugo Mund Júnior e Entre a Emoção e o Ato



ENTRE A RAZÃO E O IMPULSO

Entre a razão e o impulso
fica a brandura.
A graça é dada
para que tudo seja gracioso:
sorriso, pomar,veneno.
Prova-se o fruto açucarado
da paixão, o tóxico
de permeio com o mel.
Os lábios permanecem doces
e não cessam de prometer
embriaguez - mesmo amarga.

Hugo Mund Júnior
In Grifos e Emblemas


ENTRE A EMOÇÃO E O ATO

Entre a emoção e o ato
fica a suavidade.
A beleza contida é dada
para que sejamos castos:
sorriso, luar, veneno, sedução.
Prova-se o doce toque
do olhar na paixão,
o tóxico ardor do desejo
no arrepio de emoção.
Os lábio - e os olhos -
não cessam de prometer
lucidez, mesmo amarga.
Olhar você é minha carga.

(CRK - Cerriky)

26 junho, 2010

Destino, por Marise Ribeiro






Destino
Marise Ribeiro
 (ao meu amor Gilberto)

Só podia ser você...
A inspiração a me governar,
deixando-me comover,
na grandeza do seu abraçar.

Só podia ser você...
A árvore a me sombrear
das dores que teimam em arder,
quando a vida quer castigar.

Só podia ser você...
O colo para onde eu corro,
quando me sinto tão aflita
e, em devaneios, minha alma grita.

Só podia ser você...
O homem que o meu imaginário
evocou para escoltar os meus sonhos
que à noite vagavam solitários.

Benditas forças do universo
que conspiraram em comunhão
e traçaram, em prosa e verso,
a nossa abençoada união!

 Marise Ribeiro





Sobre a elegância (e a beleza embutida)





A elegância está no uso das roupas.
Na escolha e na harmonia das cores.

Também está no olhar, no uso
das palavras, no tom da voz...

Pode ser o movimento do corpo,
um certo jeito de andar - isto que
tanto me fascina - e de mexer a cabeça.

Pode ser aquela aura de diferença
que irradia aquela estranha luz 
quando você chega e muda a atmosfera
e também o ar que respiramos, juntos.

Pode estar no sorriso e na expressão
séria, contemplativa, distante, alheia,
que você assume as vezes e não faz 
questão de esconder nem dissimular.

Enfim... 
Pode estar em tantos lugares... 
em se tratando de você!




IX Congresso Internacional de Saúde Mental e Direitos Humanos: divulgação












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25 junho, 2010

Fernando Pessoa: Sou um evadido






Sou um evadido.

Sou um evadido.
Logo que nasci
Fecharam-me em mim,
Ah, mas eu fugi.

Se a gente se cansa
Do mesmo lugar,
Do mesmo ser
Por que não se cansar?

Minha alma procura-me
Mas eu ando a monte,
Oxalá que ela
Nunca me encontre.

Ser um é cadeia,
Ser eu é não ser.
Viverei fugindo
Mas vivo a valer.

- Fernando Pessoa -


24 junho, 2010

D de Desejo, por Gilles Deleuze






D de Desejo


CP: D de Desejo. Tudo o que sempre quiseram saber sobre o desejo. Primeira lição: Só se
pode desejar em um conjunto. Então, sempre se deseja um todo. Vamos passar a D. Para D,
preciso de meus papéis, pois vou ler o que há no Petit Larousse Illustré, em “Deleuze”, que
também se escreve com D. Lê-se: "Deleuze, Gilles, filósofo francês, nascido em Paris, em
1925".


GD: Talvez hoje esteja no Larousse.


CP: Hoje, estamos em 1988.


GD: Eles mudam todo ano.


CP: “Com Félix Guattari, ele mostra a importância do desejo e seu aspecto revolucionário
frente a toda instituição, até mesmo psicanalítica”. E indicam a obra que demonstra tudo
isso: O anti-Édipo, em 1972. Como você é, aos olhos de todos, o filósofo do desejo, eu
gostaria que falássemos do desejo. O que era o desejo? Vamos colocar a questão do modo
mais simples: quando O anti-Édipo...


GD: Não era o que se pensou, em todo caso. Estou certo disso, mesmo naquele momento,
ou seja, as pessoas mais encantadoras que eram... foi uma grande ambigüidade, um grande
mal-entendido, um pequeno mal-entendido. Queríamos dizer uma coisa bem simples.
Tínhamos uma grande ambição, a saber, que até esse livro, quando se faz um livro é porque
se pretende dizer algo novo. Achávamos que as pessoas antes de nós não tinham entendido
bem o que era o desejo, ou seja, fazíamos nossa tarefa de filósofo, pretendíamos propor um
novo conceito de desejo. As pessoas, quando não fazem filosofia, não devem crer que é um
conceito muito abstrato, ao contrário, ele remete a coisas bem simples, concretas. Veremos
isso. Não há conceito filosófico que não remeta a determinações não filosóficas, é simples,
é bem concreto. Queríamos dizer a coisa mais simples do mundo: que até agora vocês
falaram abstratamente do desejo, pois extraem um objeto que é, supostamente, objeto de
seu desejo. Então podem dizer: desejo uma mulher, desejo partir, viajar, desejo isso e
aquilo. E nós dizíamos algo realmente simples: vocês nunca desejam alguém ou algo,
desejam sempre um conjunto. Não é complicado. Nossa questão era: qual é a natureza das
relações entre elementos para que haja desejo, para que eles se tornem desejáveis? Quero
dizer, não desejo uma mulher, tenho vergonha de dizer uma coisa dessas. Proust disse, e é
bonito em Proust: não desejo uma mulher, desejo também uma paisagem envolta nessa
mulher, paisagem que posso não conhecer, que pressinto e enquanto não tiver desenrolado
a paisagem que a envolve, não ficarei contente, ou seja, meu desejo não terminará, ficará
insatisfeito. Aqui considero um conjunto com dois termos, mulher, paisagem, mas é algo
bem diferente. Quando uma mulher diz: desejo um vestido, desejo tal vestido, tal chemisier,
é evidente que não deseja tal vestido em abstrato. Ela o deseja em um contexto de vida
dela, que ela vai organizar o desejo em relação não apenas com uma paisagem, mas com
pessoas que são suas amigas, ou que não são suas amigas, com sua profissão, etc. Nunca
desejo algo sozinho, desejo bem mais, também não desejo um conjunto, desejo em um
conjunto. Podemos voltar, são fatos, ao que dizíamos há pouco sobre o álcool, beber. Beber
nunca quis dizer: desejo beber e pronto. Quer dizer: ou desejo beber sozinho, trabalhando,
ou beber sozinho, repousando, ou ir encontrar os amigos para beber, ir a um certo bar. Não
há desejo que não corra para um agenciamento. O desejo sempre foi, para mim, se procuro
o termo abstrato que corresponde a desejo, diria: é construtivismo. Desejar é construir um
agenciamento, construir um conjunto, conjunto de uma saia, de um raio de sol...




CP: De uma mulher.
GD: De uma rua. É isso. O agenciamento de uma mulher, de uma paisagem.


CP: De uma cor...


GD: De uma cor, é isso um desejo. É construir um agenciamento, construir uma região, é
realmente agenciar. O desejo é construtivismo. O anti-Édipo, que tentava...


CP: Espere, eu queria...


GD: Sim?


CP: É por ser um agenciamento, que você precisou, naquele momento, ser dois para
escrever por ser em um conjunto, que precisou de Félix, que surgiu em sua vida de escritor?


GD: Félix faria parte do que diremos, talvez, sobre a amizade, sobre a relação da filosofia
com algo que concerne à amizade, mas, com certeza, com Félix, fizemos um agenciamento.
Há agenciamentos solitários, e há agenciamentos a dois. O que fizemos com Félix foi um
agenciamento a dois, onde algo passava entre os dois, ou seja, são fenômenos físicos, é
como uma diferença, para que um acontecimento aconteça, é preciso uma diferença de
potencial, para que haja uma diferença de potencial precisa-se de dois níveis. Então algo se
passa, um raio passa, ou não, um riachinho... É do campo do desejo. Mas um desejo é isso,
é construir. Ora, cada um de nós passa seu tempo construindo, cada vez que alguém diz:
desejo isso, quer dizer que ele está construindo um agenciamento, nada mais, o desejo não é
nada mais.


CP: É um acaso se... porque o desejo é sentido, enfim, existe em um conjunto ou em um
agenciamento, que O anti-Édipo, onde você começa a falar do desejo, é o primeiro livro
que você escreve com outra pessoa, com Félix Guattari?


GD: Não, você tem razão, era preciso entrar nesse agenciamento novo para nós, escrever a
dois, que nós dois não vivíamos da mesma maneira, para que algo acontecesse, ou seja, e
esse algo era, finalmente, uma hostilidade, uma reação contra as concepções dominantes do
desejo, as concepções psicanalíticas. Era preciso ser dois, foi preciso Félix, vindo da
psicanálise, eu me interessando por esses temas, era preciso tudo isso para dizermos que
havia lugar para fazer uma concepção construtiva, construtivista do desejo.


CP: Você poderia definir, de modo sucinto, como vê a diferença entre o construtivismo e a
interpretação analítica?


GD: Acho que é bem simples. Nossa oposição à psicanálise é múltipla, mas quanto ao
problema do desejo, é... é que os psicanalistas falam do desejo como os padres. Não é a
única aproximação, os psicanalistas são padres. De que forma falam do desejo? Falam
como um grande lamento da castração. A castração é pior que o pecado original. É uma
espécie de maledicência sobre o desejo, que é assustadora. O que tentamos fazer em O antiÉdipo?
Acho que há três pontos, que se opõem diretamente à psicanálise. Esses três pontos
são... isso por meu lado, acho que Félix Guattari também não, não temos nada para mudar
nesses três pontos. Estamos persuadidos, achamos em todo caso, que o inconsciente não é
um teatro, não é um lugar onde há Édipo e Hamlet que representam sempre suas cenas. Não
é um teatro, é uma fábrica, é produção. O inconsciente produz. Não pára de produzir.
Funciona como uma fábrica. É o contrário da visão psicanalítica do inconsciente como
teatro, onde sempre se agita um Hamlet, ou um Édipo, ao infinito. Nosso segundo tema é
que o delírio, que é muito ligado ao desejo, desejar é delirar, de certa forma, mas se olhar
um delírio, qualquer que seja ele, se olhar de perto, se ouvir o delírio que for, não tem nada
a ver com o que a psicanálise reteve dele, ou seja, não se delira sobre seu pai e sua mãe,
delira-se sobre algo bem diferente, é aí que está o segredo do delírio, delira-se sobre o
mundo inteiro, delira-se sobre a história, a geografia, as tribos, os desertos, os povos...


CP: ... o clima.


GD: ... as raças, os climas, é em cima disso que se delira. O mundo do delírio é: “Sou um
bicho, um negro!”, Rimbaud. É: onde estão minhas tribos? Como dispor minhas tribos?
Sobreviver no deserto, etc. O deserto é... O delírio é geográfico-político. E a psicanálise
reduz isso a determinações familiares. Posso dizer, sinto isso, mesmo depois de tantos anos,
depois de O anti-Édipo, digo: a psicanálise nunca entendeu nada do fenômeno do delírio.
Delira-se o mundo, e não sua pequena família. Por isso que... Tudo isso se mistura. Eu
dizia: a literatura não é um caso privado de alguém, é a mesma coisa, o delírio não é sobre
o pai e a mãe. O terceiro ponto... Significa isso, o desejo se estabelece sempre, constrói
agenciamentos, se estabelece em agenciamentos, põe sempre em jogo vários fatores. E a
psicanálise nos reduz sempre a um único fator, e sempre o mesmo, ora o pai, ora a mãe, ora
não sei o que, ora o falo, etc. Ela ignora tudo o que é múltiplo, ignora o construtivismo, ou
seja, agenciamentos. Dou um exemplo: falávamos de animal, há pouco. Para a psicanálise,
o animal é uma imagem do pai. Um cavalo é uma imagem do pai. É ignorar o mundo!
Penso no pequeno Hans. O pequeno Hans é uma criança sobre a qual Freud dá sua opinião,
ele assiste um cavalo que cai na rua, e o charreteiro que lhe dá chicotadas, e o cavalo que dá
coices para todos os lados. Antes do carro, era um espetáculo comum nas ruas, devia ser
uma grande coisa para uma criança. A primeira vez que um garoto via um cavalo caído na
rua e que um cocheiro meio bêbado tentava levantá-lo com chicotadas, devia ser uma
emoção, era a chegada da rua, a chegada na rua, o acontecimento da rua, sangrento, tudo
isso... E então ouvem-se os psicanalistas, falar, enfim, imagem de pai, etc., mas é na cabeça
deles que a coisa não vai bem. O desejo foi movido por um cavalo que cai e é batido na rua,
um cavalo morre na rua, etc. É um agenciamento fantástico para um garoto, é perturbador
até o fundo. Outro exemplo, posso dizer... Falávamos de animal. O que é um animal? Mas
não há um animal que seria a imagem do pai. Os animais, em geral, andam em matilhas,
são matilhas. Há um caso que me alegra muito. É um texto que adoro, de Jung, que rompeu
com Freud, depois de uma longa colaboração. Jung conta a Freud que teve um sonho, um
sonho de ossuário, sonhou com um ossuário. E Freud não compreende nada, literalmente,
ele diz o tempo todo: se sonhou com um osso, é a morte de alguém, quer dizer a morte de
alguém. E Jung não pára de lhe dizer: não estou falando de um osso, sonhei com um
ossuário... Freud não compreende. Não vê a diferença entre um ossuário e um osso, ou seja,
um ossuário são centenas de ossos, são mil, dez mil ossos. Isso é uma multiplicidade, é um
agenciamento, é... passeio em um ossuário, o que significa isso? Por onde o desejo passa?
Em um agenciamento é sempre um coletivo. Coletivo, construtivismo, etc. É isso o desejo.
Onde passa meu desejo entre os mil crânios, os mil ossos? Onde passa meu desejo na
matilha? Qual é minha posição na matilha? Sou exterior à matilha? Estou ao lado, dentro,
no centro dela? Tudo isso são fenômenos de desejo. É isso o desejo.
CP: Como o O anti-Édipo foi escrito em 72, esse agenciamento coletivo vinha a calhar
depois de 68, era toda uma reflexão... daqueles anos e contra a psicanálise, que continuava
seu negócio de pequena loja...


GD: Só o fato de dizer: o delírio delira as raças e as tribos, delira os povos, delira a história
e a geografia, me parece ter estado de acordo com 68. Ou seja, parece-me ter trazido um
pouco de ar são a todo esse ar fechado e malsão dos delírios pseudo-familiais. Vimos que
era isso, o desejo. Se começo a delirar, não é para delirar sobre minha infância, aí também,
sobre minha história privada. Delira-se... O delírio é cósmico... Delira-se sobre o fim do
mundo, delira-se sobre as partículas, os elétrons e não sobre papai-mamãe... é evidente.


CP: Sobre esse agenciamento coletivo do desejo, penso em certos contra-sensos. Lembrome
que em Vincennes, em 72, na faculdade, havia pessoas que punham em prática esse
desejo e isso acabava em amores coletivos, não tinham compreendido bem. Houve muitos
loucos em Vincennes, como vocês partiam de uma esquizo-análise para combater a
psicanálise, todo mundo achava que era legal ser louco, ser esquizo. Víamos cenas
inverossímeis entre os estudantes. Queria que contasse casos engraçados ou não desses
contra-sensos sobre o desejo.


GD: Eu poderia falar dos contra-sensos abstratamente. Consistiam em duas coisas, havia
dois casos, que dá no mesmo. Havia os que pensavam que o desejo era o espontaneísmo, e
havia todo tipo de movimentos espontâneos, o espontaneísmo.


CP: Os célebres maos-spontex...


GD: E os outros que pensavam que o desejo era a festa. Para nós, não era nem um nem
outro, mas não tinha importância, pois, de qualquer modo, havia agenciamentos que
aconteciam, havia coisas que mesmo os loucos... havia tantos, de todos os tipos. Fazia parte
do que acontecia naquele momento, em Vincennes. Mas os loucos tinham sua disciplina,
tinham sua maneira de... faziam seus discursos, suas intervenções, entravam em um
agenciamento, tinham seu agenciamento, mas entravam em agenciamentos. Tinham uma
espécie de astúcia, de compreensão, de grande benevolência, os loucos. Se quiser, na
prática, eram séries de agenciamentos que se faziam e desfaziam. Na teoria, o contra-senso
era dizer: o desejo é a espontaneidade. De modo que éramos chamados de espontaneístas,
ou então era a festa, mas não era isso. Era... a filosofia dita do desejo consistia, unicamente,
em dizer para as pessoas: não vão ser psicanalizados, nunca interpretem, experimentem
agenciamentos, procurem agenciamentos que lhes convenham. O que era um
agenciamento? Um agenciamento, para mim, e Félix, não que ele pensasse diferentemente,
pois era, talvez... não sei. Para mim, eu manteria que havia quatro componentes de
agenciamento. Por alto, quatro, não prefiro quatro a seis... Um agenciamento remetia a
estados de coisas, que cada um encontre estados de coisas que lhe convenha. Há pouco,
para beber... gosto de um bar, não gosto de outro, alguns preferem certo bar, etc... Isso é um
estado de coisas. Nas dimensões do agenciamento, enunciados, tipos de enunciados, e cada
um tem seu estilo, há um certo modo de falar, andam juntos, no bar, por exemplo, há
amigos, e há uma certa maneira de falar com os amigos, cada bar tem seu estilo. Digo bar,
mas vale para qualquer coisa. Um agenciamento comporta estados de coisas e enunciados,
estilos de enunciação. É interessante, a História é feita disto, quando aparece um novo tipo
de enunciado? Por exemplo, na revolução russa, os enunciados do tipo leninista, quando
eles aparecem, como, em que forma? Em 68, quando apareceram os primeiros enunciados
ditos de 68? É bem complexo. Todo agenciamento implica estilos de enunciação. Implica
territórios, cada um com seu território, há territórios. Mesmo numa sala, escolhemos um
território. Entro numa sala que não conheço, procuro o território, lugar onde me sentirei
melhor. E há processos que devemos chamar de desterritorialização, o modo como saímos
do território. Um agenciamento tem quatro dimensões: estados de coisas, enunciações,
territórios, movimentos de desterritorialização. E é aí que o desejo corre...


CP: Você não se sente responsável pelas pessoas que tomaram drogas? Ou, lendo muito ao
pé da letra O anti-Édipo, não é como Catão, que incita os jovens a fazer bobagens?


GD: Sentimo-nos responsáveis por tudo, se algo dá errado.


CP: E os efeitos de O anti-Édipo?


GD: Sempre me esforcei para que desse certo. Em todo caso, nunca, acho, é minha única
honra, nunca me fiz de esperto com essas coisas, nunca disse a um estudante: é isso,
drogue-se você tem razão. Sempre fiz o que pude para que ele saísse dessa, porque sou
muito sensível à coisa minúscula que de repente faz com que tudo vire trapo. Que ele beba,
muito bem... Ao mesmo tempo, nunca pude criticar as pessoas, não gosto de criticá-las.
Acho que se deve ficar atento para o ponto em que a coisa não funciona mais. Que bebam,
se droguem, o que quiserem, não somos policiais, nem pais, não sou eu quem deve impedilos
ou ... mas fazer tudo para que não virem trapos. No momento em que há risco, eu não
suporto. Suporto bem alguém que se droga, mas alguém que se droga de tal modo que, não
sei, de modo selvagem, de modo que digo para mim: pronto, ele vai se ferrar, não suporto.
Sobretudo o caso de um jovem, não suporto um jovem que se ferra, não é suportável. Um
velho que se ferra, que se suicida, ele teve sua vida, mas um jovem que se ferra por
besteira, por imprudência, porque bebeu demais... Sempre fiquei dividido entre a
impossibilidade de criticar alguém e o desejo absoluto, a recusa absoluta de que ele vire
trapo. É um desfiladeiro estreito, não posso dizer que há princípios, a gente sai fora como
pode, a cada vez. É verdade que o papel das pessoas, nesse momento, é de tentar salvar os
garotos, o quanto se pode. E salvá-los não significa fazer com que sigam o caminho certo,
mas impedi-los de virar trapo. É só o que quero.


CP: Mas sobre os efeitos de O anti-Édipo, houve efeitos?


GD: Foi impedir que eles virassem trapos, que naquele momento... que um cara que
desenvolvia... um início de esquizofrenia fosse colocado em boas condições, não fosse
jogado num hospital repressivo, tudo isso... Ou então que alguém que não suportava mais,
um alcoólatra, onde ia mal, fazer com que ele parasse...


CP: Porque era um livro revolucionário, na medida em que parecia, para os inimigos desse
livro, e para os psicanalistas, uma apologia da permissividade, e dizer que tudo era desejo...


GD: De forma alguma... Esse livro, ou seja, quando se lê esse livro, ele sempre teve uma
prudência, me parece, extrema. A lição era: não se tornem trapos. Quando nos
opúnhamos..., não paramos de nos opor ao processo esquizofrênico como o que ocorre num
hospital, e para nós, o terror era produzir uma criatura de hospital. Tudo, menos isso! E
quase diria que louvar o aspecto de valor da “viagem”, daquilo que, naquele momento, os
anti-psiquiatras chamavam de viagem ou processo esquizofrênico, era um modo de evitar,
de conjurar a produção de trapos de hospital, a produção dos esquizofrênicos, a fabricação
de esquizofrênicos.


CP: Você acha, para terminar com O anti-Édipo, que há ainda efeitos desse livro, 16 anos
depois?


GD: Sim, pois é um bom livro, pois há uma concepção do inconsciente. É o único caso em
que houve uma concepção do inconsciente desse tipo, sobre os dois ou três pontos: as
multiplicidades do inconsciente, o delírio como delírio-mundo, e não delírio-família, o
delírio cósmico, das raças, das tribos, isso é bom. O inconsciente como máquina, como
fábrica e não como teatro. Não tenho nada a mudar nesses três pontos, que continuam
absolutamente novos, pois toda a psicanálise se reconstituiu. Para mim, espero, é um livro
que será redescoberto, talvez. Rezo para que o redescubram.





22 junho, 2010

Proust, Borges, Begiato e Pessoa... sobre "o olhar" e o tempo!




Estar contigo 
ou não estar contigo 
é a medida de meu tempo. 
- Jorge Luis Borges -

Não é a mim que vejo 
quando me vasculho. 
É a ti! 
- Oswaldo Antônio Begiato -

Pousa um momento. 
Um só momento em mim.
Não só o olhar, 
também o pensamento. 
Que a vida tenha fim. 
Nesse momento! 
- Fernando Pessoa -


Beijo e abraço, meus!



Fernando Pessoa... sobre saber não ter ilusões




Saber não ter ilusões é absolutamente 
necessário para se poder ter sonhos. 
Atingirás assim o ponto supremo da 
abstenção sonhadora, onde os sentimentos 
se mesclam, os sentimentos se extravasam, 
as ideias se interpenetram. 

Assim como as cores e os sons sabem uns 
a outros, os ódios sabem a amores, e as 
coisas concretas a abstractas, 
e as abstractas a concretas. 

Quebram-se os laços que, ao mesmo tempo 
que ligavam tudo, separavam tudo, isolando 
cada elemento. 
Tudo se funde e confunde. 

Fernando Pessoa
In O Livro do Desassossego




Clarice Lispector sobre a alma, o perdão, a cólera dos pacientes e a grandeza...




Toda a parte mais inatingível de minha alma e que não me pertence - é
aquela que toca na minha fronteira com o que já não é eu, e à qual me dou. 
Toda a minha ânsia tem sido esta proximidade inultrapassável e excessivamente
próxima. Sou mais aquilo que em mim não é.
E eis que a mão que eu segurava me abandonou. Não, não. Eu é que
larguei a mão porque agora tenho que ir sozinha.
Se eu conseguir voltar do reino da vida tornarei a pegar a tua mão, e a
beijarei grata porque ela me esperou, e esperou que meu caminho passasse, e
que eu voltasse magra, faminta e humilde: com fome apenas do pouco, com fome
apenas do menos.

In A Paixão Segundo GH




"Tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras; sou irritável e piro facilmente; também sou muito calma e perdôo logo; não esqueço nunca; mas há poucas coisas de que eu me lembre; sou paciente, mas profundamente colérica, como a maioria dos pacientes; as pessoas nunca me irritam mesmo, certamente porque eu as perdôo de antemão; gosto muito das pessoas por egoísmo: é que elas se parecem no fundo comigo; nunca esqueço uma ofensa, o que é uma verdade, mas como pode ser verdade, se as ofensas saem de minha cabeça como se nunca nela tivessem entrando? 

Tenho uma paz profunda, somente porque ela é profunda e não pode ser sequer atingida por mim mesmo; se fosse alcançável por mim, eu não teria um minuto de paz; quanto a minha paz superficial, ela é uma alusão à verdadeira paz; outra coisa que esqueci é que há outra alusão em mim - a do mundo grande e aberto; apesar do meu ar duro, sou cheia de muito amor e é isso o que certamente me dá uma grandeza...”


21 junho, 2010

O inverno chegou.




O outono se despede.
Chega o inverno.
Até o ano que vem, meu amado.


Bem vindo, meu (outro) amado amante.


Oficialmente ele chega amanhã.
Oficiosamente, e de fato,
como quase sempre acontece,
ele já chegou:
Aqui 9 graus centígrados
e des-cen-do.




20 junho, 2010

Uma certa magia no ar...




Há uma certa
magia
no ar.

Será que é
por que
o signo
de câncer
vai entrar?

E fazer
as emoções
aflorar?





Relendo Saramago, por Gaiô




Minha amiga Cida, 
com seu "Relendo Saramago" 
faz o convite incessante 
à renovação do social.
Um social que passa pelo íntimo e que é coletivo.
Também é espiritual e afetivo.
Um "transformar" que já se vê 
em fragmentos de eletivo, reflexivo: 
meditativo, contemplativoativo e efetivo.




Outra leitura para a crise
Abril 7, 2009. José Saramago

A mentalidade antiga formou-se numa grande superfície 

que se chamava catedral; agora forma-se noutra grande 
superfície que se chama centro comercial. 

O centro comercial não é apenas a nova igreja, a nova catedral, 
é também a nova universidade. 

O centro comercial ocupa um espaço importante na formação 
da mentalidade humana. Acabou-se a praça, o jardim 
ou a rua como espaço público e de intercâmbio. 
O centro comercial é o único espaço seguro e o que cria
 a nova mentalidade. 
Uma nova mentalidade temerosa de ser excluída, temerosa da expulsão 

 do paraíso do consumo e por extensão da catedral das compras.
E agora, que temos? A crise.
Será que vamos voltar à praça ou à universidade? À filosofia?


Relendo Saramago

O espaço da praça, bem que de volta eu queria
onde a vida acontecia à volta da catedral.

Os jardins, toda gente circulando tão normal,
ocupando espaço público, em bancos de contemplar,
o azul, o verde, a brisa, a mente, a prosa,
os pássaros, o sorriso, intercâmbio da alegria,
com pessoas se encontrando no prazer
de relaxar, viver e conviver...

No lugar da catedral, onde tudo acontecia,
algo estranho aconteceu,
novo perfil se estendeu.

Desse espaço de humanismo,
nova mente compulsão formatada no consumo,
se estendeu. Virou centro comercial o coração.
Tudo se aprisionou.

Tomou conta do espaço, o consumo tentação,
Foi entrando pelos olhos, nos ouvidos e nariz,
tomou conta dos sentidos, toda a mente do indivíduo,
temeroso de exclusão, de expulsão do paraíso
de comprar, consumir, de ter mais por mais não ser.

Tendo em vista a nova crise, o consumo perde espaço,
novo risco a arriscar interroga o mercado que desaba em aflição.

Há no ar acontecendo novos jeitos, que não quero especular.

Quero a crise que questione, desinstale, que coloque no lugar,
o que é justo a cada ser no espaço da catedral,
Cada qual com seu espaço alternativo de viver...

Nova praça, nova escola, novo tempo em saber me quero ver.
Quero sonhos, quero amar com todo o mundo ser feliz,
filosofo em meu querer...Novo jeito de entender,
Transformar.

Gaiô.


Publicado no Recanto das Letras em 20/06/2010
Código do texto: T2330988

19 junho, 2010

Os fractais, arte e beleza e as perguntas...




Porque


Eu gosto


Dos fractais


E da


Teoria do Kaus.


Boa Noite...


Ou então...


Boooommmmm dia!


Uma complexidade em ação:
A dos fractais 
E a da passagem do tempo.

Como você passa o seu tempo?
O tempo passa por você?

Estuda?
Cria?
Faz arte ou a arte faz você?
Se droga?
Trabalha?
Ama?
Acredita?
Faz algo para tornar sua vida melhor e mais digna?
Mesmo?


17 junho, 2010

Os aprendizes falam sobre o "Estado fugaz de plenitude"...





- Reger a sinfonia da própria existência!
Eis um estado fugaz de plenitude.

- Um estado fugaz de onipotência infantil!
Nem tão fugaz!

- Sentir que tudo pode, vê e entende!

- Bipolar. Maníaco. Louco.

- Fruto de longas aprendizagens.

- Frutos da sua mania de perfeição!

- Só posso supor, pelas sua palavras, 
que você nunca sentiu nada disso!

- (Silêncio). Imagino que ainda queira mais!

- Claro. Mais tempo... sentindo isso tudo. 
Assim!

- Você fala com as palavras grandiloquentes 
do mago. E... com desejo de absoluto.

- Você fala com as palavras do cético acólito,
que tudo enquadra nas referências dominantes.
Preste atenção: eu usei a palavra fugaz.

- Só por que disse que você é louco?

- Não. Porque considera que a sua é a única verdade.
E porque acha que magia e saber comum não podem 
andar juntos. Porque considera que não pode haver
momentos mágicos na e a propósito da ciência.

- Não me venha com aquele papo de que existe magia
na descoberta e no fazer científico.

- A magia existe, quer você acredite nela ou não. 
Como acha que foram descobertas as estrelas e 
o movimento dos planetas?  Pela simples observação!
Uma curiosidade infantil a proporcionou.
E não era onipotência infantil do cientista observador!

- Sim, eu sei.  Agora podemos encerrar esse primeiro ato.
Pausa e intervalo. Só me diga: Você desacredita na onipotência 
infantil que atravessa os adultos? E os faz ficar "cheios de si"?

- Ohh, claro que não. Ela existe e não tem vinculação nenhuma 
com a magia. E a magia da qual falo não é essa que você aprende 
nos rituais e manuais.... com o nosso mago-mor...

- Eu aprendo!?!

- Ok. Nós aprendemos.
Estou falando na magia da vida, aquela em que sentimos 
e percebemos coisas que, nem sempre podemos explicar e entender.
Embora, passado o momento fugaz, possamos fazê-lo... e bem!

- Acho que você está muito metafísico.

- Estou feliz e em paz. É diferente.

- Não concebo como a paz pode trazer experiência de delírio e idéias tão... 
megalomaníacas de reger a existência.

- Para um aprendiz de mago, você está muito fixado na idéia de destino!

- Nem falei em destino.

- E precisa? Usar a palavra?

- Você não quer parar com essa discussão.

- Você me provoca. E sua provocação me soa tão doce que 
parece mel com cerejas! Uma delícia.

- Horrível.  Doce demais.
Uuiii, chega a me dar arrepios!

- De prazer?

- Não me provoque. Você sempre teve gosto pela polêmica.

- Sim, e você sempre a desperta e acirra... com esse seu estado 
de ceticismo generalizado. Com essa sua mania de duvidar de tudo que ...
foge aos seus quadradinhos!

- Acha mesmo que eu sou tão enfadonho? Formal? Cético?

- Só quando o deseja. E nisso, você é um belo sparring.

- O seu atrevimento não conhece limites. 

- E a sua capacidade de assumir esse papel, também não!

- Que papel?

- O de sparring!

- Isso está parecendo uma conversa entre a esfinge e a pirâmide.

- Sim,  mas elas são muito onipotentes. Cada uma a seu modo!

- Infantis também?

- Acho que não. São... contundentes e antagonistas.

- Não é esse o papel do sparring?

- Agora você me lembrou a Bellonda, de Duna.

- Aquela chata. É mesmo. Está certo. Sou mesmo um sparring 
à altura da nossa busca de aprendizado. Até mesmo a Reverenda Madre
sabia que Bellonda teria algo a contribuir.

- Bellonda era fascinante no seu ceticismo cínico e questionador.
Tinha muito de aparência, nisso.
Tal como você!

- Seu humor é contagiante! Vamos rever a conversa daquelas anciãs?

- As de Duna?

- Não. A Esfinge e a Pirâmide!

- Sim, vamos. Mas não esqueça... é o intervalo. Retomaremos.

- Certamente.


(De "Conversa entre aprendizes 
do grau sétimo da cor azulada." p. 627)