31 julho, 2009

Poesia fragmentos: Clarice Lispector





Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado:
pensava que, somando as compreensões, eu amava.
Não sabia que, somando as incompreensões
é que se ama verdadeiramente

.........................................


Há momentos na vida em que sentimos tanto

a falta de alguém que o que mais queremos
é tirar esta pessoa de nossos sonhos
e abraçá-la.

Sonhe com aquilo que você quiser.
Seja o que você quer ser,
... fazer aquilo que se quer.

Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte.
Tristeza para fazê-la humana.
E esperança suficiente para fazê-la feliz"."

......................................

Sou composta por urgências:
minhas alegrias são intensas,
minhas tristezas são absolutas.
Me entupo de ausências,
me esvazio de excessos
Eu não caibo no estreito,
eu só vivo nos extremos.

............................................


Já entrei contigo em comunicação tão forte que deixei de existir sendo.
Tu tornas-te um eu.
É tão difícil falar e dizer coisas que nunca podem ser ditas.
É tão silencioso.
Como traduzir o silêncio do encontro real, entre nós dois?
Dificílimo contar: olhei para você fixamente por uns instantes.
Tais momentos são meu segredo.
Houve o que se chama de comunhão perfeita.
Eu chamo isso de estado agudo de felicidade."

.......................................................


Ser um ser permissível a si mesmo é a glória de existir ...


30 julho, 2009

Boa noite meu filho

*
*
*
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Ele estava deitado na cama do seu quarto. Estava virado de lado e apoiando-se no lado direito do seu corpo, o lado que gostava de dormir. Havia ficado nessa posição com o auxílio da sua cuidadora, uma profissional que havia sido contratada para tomar conta dele e ajudá-lo naquilo que já não podia mais fazer por si. Seus olhos demonstravam contentamento: finalmente ele estava como queria... deitado, na sua cama... o melhor momento do dia. Sempre que ia deitar-se ficava contente, daria para dizer... que se sentia... feliz.

Ele estava sem os dentes na boca, já que suas próteses dentárias, as chamadas chapas, estavam de molho numa solução indicada pelo seu dentista.
Sua expressão facial assemelhava-se a de uma criança, ou melhor, parecia-se mesmo com a de um bebê. A boca com apenas um dente natural estava murcha e parecia muito pequena para um homem adulto e velho.
Foi com essa boca murcha e quase sem dentes que ele disse:

Boa noite, dorme tu também bem, meu filho!

O som dessa fala saiu claro, alto, pausado e suave, e havia nesse tom e nessa frase tanta gratidão, contentamento e bem estar que, acredito, ele nem conseguiu, supor, naquele momento, o que estava se desencadeando no seu filho.

Ao sair do quarto, o filho, que caminhava muito vagarosamente, mas a passos largos, embora tivesse torcido o próprio corpo de forma quase brusca, dando as costas ao pai, tinha um intenso e estranho brilho nos olhos: uma mistura heterogênea das lágrimas que estavam se formando, de esperança, de aceitação, de fé, de entrega, de amor e de outras tantas emoções indescritíveis. Ele sabia que jamais esqueceria aquele momento.
Um pai-velho-bebê era algo que ele nunca havia imaginado e, apesar de todas as dificuldades implicitas dessa condição, ele sentiu um amor tão grande e uma emoção tão imensa que pensou que nunca antes em toda a sua vida havia amado tanto assim o seu pai.

Boa noite, dorme tu também bem, meu filho!

Este acontecimento ficará na sua memória para sempre!
Ele agradeceu pela oportunidade de ver saindo daquela boca desdentada aquela imensidão de vida; agradeceu porque tanta vida se mostrava e se atualizava mesmo quando pareceia que ela iria embora a qualquer momento; agradeceu porque seu pai estava vivo, em casa, na sua cama e lhe dizia boa noite, dorme tu também bem meu filho!

Ele agradeceu com o coração cheio de genuina felicidade aos seus dois pais: o do Céu e o da Terra.

*
*
*
*

Poesia: Fragmentos de Fernando Pessoa






"Quando te vi amei-te já muito antes.
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo.
Não há coisa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que não fôsse porque te previa.
Quando eu era pequena, sinto que eu
Amava-te já longe!.

......................................

POUSA UM MOMENTO

Pousa um momento
Um só momento em mim,
Não só o olhar, também o pensamento.
Que a vida tenha fim
Nesse momento!

No olhar a alma também
Olhando-me, e eu a ver
Tudo quanto de ti teu olhar tem.
A ver até esquecer
Que tu és tu também.

Só tua alma sem tu
Só teu pensamento
E eu onde, alma sem eu. Tudo o que sou
Ficou com o momento
E o momento parou.

.....................................

O Universo

O universo não é uma idéia minha.
A minha idéia do Universo é que é uma idéia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha idéia da noite é que anoitece por meus olhos.
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos
A noite anoitece concretamente
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso.

.................................................................

"Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar."

*Fernando Pessoa*


25 julho, 2009

Dueto Brasil-Portugal: Tardes de Jasmins


Tardes de Jasmins
Eliane Couto Triska

Nas tardes desse verão
Me tens e és causa em mim.
São belas...Ah! tardes que são
Exalos... Odor de jasmim.

Me enfeito... Se chegas cansado
Te deitas ao chão que improviso,
São falas.. Duas gotas, suado
Meus olhos que em ti suavizo.

Espero-te... São horas incertas
não bates à porta que chegas.
Minhas mãos que em ti fazem festas
são mãos que em teu corpo desejas.

Nas tardes que a rama umedece
Ao som que o fado convida,
Nas pautas que o amor enaltece
Tu dizes: Te quero, querida!

À tarde dos mansos cansaços,
com a noite em total ascensão,
Jazes em mim perfumando meus braços
Teus beijos que beijo em minhas mãos.


Parafraseando Eliane Couto Triska
Tardes de Jasmins
António Zumaia

Nas tardes deste que é belo Verão,
perdido em suave odor a Jasmim.
És a flor que porto no coração;
Para a colher… Aqui estou, aqui vim!
Teus olhos doce mel, minha vida…
Reparam no suor do meu trabalho.
Caio no chão e te espero querida;
Sedento, como a terra do orvalho.
Esperas porque há amor em ti.
Afago das tuas mãos, meu prazer;
Sentir teu corpo é dizer… Vivi!
Nas carícias, que não irei esquecer.
Na penumbra dessa tarde quente,
sentindo o belo fado, cantaremos…
Este belo amor cálido e latente,
impresso na pauta, que já vivemos.
Será pela tarde que vou chegar;
Cunhando na tua pele, o meu beijo.
Delicia de tuas mãos, é sonhar,
de nossos corpos… será o desejo.

DUETO: Brasil e Portugal



DUETO
Tu, Eu e Portugal
Eliane Couto Triska

Amo-te Poeta! Embora a distância
Do teu verso de encontro ao verso meu.
O frasco da minha boca é fragrância;
Cálice de aromas o beijo teu.

Já desce a noite a bordar serena
Teu semblante nas linhas da fantasia.
Tecendo da matéria duma estrela,
Palavra a dizer: quero-te minha!

Amo, teu embrião apaixonado.
Sorvo-o gole a gole e destilado.
O brilho confundindo-se ao cristal.

Meu verso é pátrio!É hino!É céu anil!
Nascido ao Sul contorna meu Brasil
E nos teus braços morre em Portugal.




Eu, tu e o Brasil
Cândido
Eu não possuo a tua condição…
Às vezes ganho asas mas não voo
Porque na tua altura ganho enjoo
E volto ao meu humilde rés do chão.

A distância que noto e que lamento,
Não a posso medir desse teu jeito.
Somente horas e metros não aceito,
Porque eu meço a distância por talento.

Adoro o que tu escreves, tua essência,
E às vezes num assomo de demência
Sonho-te nos meus braços, flor de Abril.

E a loucura também tém o seu céu...
Junta a tua patrícia ao meu plebeu
Pra viverem, felizes, no Brasil.


21 julho, 2009

Palavras do Imperador-Deus de Duna: Leto Atreides II

*




Eu sou o mais ardente observador de pessoas que já existiu. Eu as observo dentro de mim e do lado de fora. Passado e presente podem fundir-se em estranhas colocações dentro de mim. E enquanto a metamorfose continua em minha carne, coisas maravilhosas acontecem aos meus sentidos.
É como se eu visse tudo em dose.

...

A discórdia é um grande prazer. E pelo modo como
lidamos com a discórdia que afiamos nossa criatividade.

...

Os radicais sempre vêem as questões em
termos muito simples: preto e branco, bom e mal, eles e nós. E, ao abordarem
questões complexas desse modo, abrem caminho para o caos. E a arte de governar,
como você a chama, consiste no domínio do caos.

...

Lorde Leto disse:
“Quando você voltar, diga a suas irmãs que eu vou restaurar a visão exterior.
Uma paisagem como esta leva a pessoa a olhar para seu interior em busca de
qualquer liberdade de espírito que possa encontrar dentro de si. E a maioria dos
humanos não é suficientemente forte para encontrar liberdade no seu interior.”

...

Estranho como possa parecer, as grandes lutas, como as que vocês percebem emergir da
leitura de meus diários, nem sempre parecem visíveis aos seus participantes.
Muito depende do que as pessoas sonham na privacidade de seus corações. Sempre me
preocupei em moldar os sonhos assim como as ações. Entre as linhas do meu diário, encontra-se a luta com a visão que a humanidade possui de si mesma — uma disputa suarenta num campo onde as motivações do nosso passado mais obscuro podem brotar de um reservatório inconsciente, tornando-se não apenas eventos com os quais temos de viver, mas eventos que precisamos enfrentar.
É o monstro com cabeças de hidra que sempre nos ataca vindo de nosso lado cego. Eu rezo, portanto, para que, quando vocês tiverem atravessado sua porção do Caminho Dourado, a humanidade não seja mais como crianças inocentes dançando ao som de uma música que não podem ouvir.
— Os diários roubados

Minha paz é realmente uma tranqüilidade forçada. E os seres humanos possuem uma longa história de reação à tranqüilidade.




*

20 julho, 2009

Dia do amigo: meus amigos







Meus amigos - reais e virtuais reais - são jóias
que eu cultivo fora da concha, já que eles
não precisam amadurecer e se depurar
(numa analogia com a pérola...
sedimentar camadas)
para chegar a um certo status definido
como ideal para...

São, antes, cada um com suas qualidades
e características, diamantes reluzentes,
cuja luz irradia alegria, beleza e
bem estar indizíveis, qualificando a minha vida
com amor, acolhimento e aprendizagens ímpares...
que acabam, sempre, formando um par...
comigo!

Nesse par, que se traduz como uma parceria
para n+10001 possibilidades de troca,
desde as mais íntimas e ínfimas às mais
profundas e sem fundo, tecemos e nos tecemos
com fios do mais puro ouro.

Receba meu abraço e meu beijo.


Conquistar a minha amizade não é algo fácil: sou exigente, crítico (demais - se é que isso é possível - é?), ansioso, narcisista, invocado, mal-humorado, desconfiado, de difícil relacionamento, desviante e meio (só meio!) loko (mas, como tenho dito, loko do bem... rs) e quase sempre espero retorno... afetivo na amizade! Falo muito!
Vivo numa instabilidade pacional-amorosa intensa... flutuando entre receber-acolher e desviar (sair fora do esperado e instituido).

Conquistar a minha amizade não é tarefa difícil: sou acolhedor, de fácil relacionamento, solidário, calmo, tranquilo, crédulo-quase-condescendente, simpático, cortês, amável e muito paciente... sei ouvir!
Tenho presença de espírito e bom humor, vivendo constantemente numa amorosa paixão de estabilidades afetivas e ideológicas.
Vivo flutuando entre ser e estar numa busca constante de afirmação e des-afirmação identitária.

Confuso?
Não!

Mas vivendo as polaridades humanas numa dialógica, como diz Edgar Morin, relação de proliferação de mundos existenciais.

Amizades existem por afinidades instantâneas: basta olhar e pronto: estabeleceu-se a "química"!
Amizades existem por identificação de semelhanças!
Amizades existem por constatação das diferenças!
Amizades existem por não reconhecimento das semelhanças e diferenças: amo no amigo e na amiga o que de mim há neles e o que deles há em mim!

Amizades se dão por construção: tijolinho por tijolinho.

Duas frases que disseram sobre mim neste último ano... E QUE ME MARCARAM:

- O Cesar SEMPRE se posiciona! (Por alguém que me conhece e se relaciona comigo há vinte anos; não sem atritos)

- Você encurta as distâncias! (Por alguém que se relaciona comigo há alguns meses; não sem atritos)

Poderia falar, escrever, no caso, ainda em cem páginas sobre amizade, esse poderoso sentimento de fraternidade ímpar que aquece o coração e faz a gente se sentir único e singular na vida do outro, mas vou ficando por aqui sem o fazer, apenas dizendo: amo meus amigos... muito!
Desta... e de outras vidas, também!

Links relacionados:

Psicologia e Vida Livres: AMIZADES

Psicologia e Vida Livres: Amigos

Psicologia e Vida Livres: Loucos e Santos



Poema de Jalal al- Din Rumi : Tu e Eu





[Tu e Eu]

Feliz o momento em que nos sentarmos no palácio,
Dois corpos, dois semblantes, uma única alma
- tu e eu.

E ao adentrarmos o jardim, as cores da alameda
E a voz dos pássaros nos farão imortais
- tu e eu.

As estrelas do céu virão contemplar-nos
E nós lhes mostraremos a própria lua
- tu e eu.

Tu e eu, não mais separados, fundidos em êxtase,
Felizes e a salvo da fala vulgar
- tu e eu.

As aves celestes de rara plumagem
Por inveja perderão o encanto
No lugar em que estaremos a rir
- tu e eu.

Poema: Jalal al- Din Rumi (1207-1273)


18 julho, 2009

Assassing - Marillion



AMMMMMMMMMMMMMOOOOOOO
Amo Marillion!

.............
......................... !!!




I am the assassin
...





To eradicate the problem, my friend,
...





within the voice, within the voice...





I am the assassin, with tongue forged from eloquence.
I am the assassin, providing your nemesis.
On the sacraficial altar to success, my friend;
Unleash a stranger from a kiss, my friend;

No incantations of remorse, my friend;
Unsheath the blade within the voice,
my friend, my friend, my friend, my friend
I am the assassin, (assassin, assassin)

Who decorates the scarf with the fugi knot,
Who camouflaged emotion in the thousand-yard stare,
Who gouged the notches in the family tree,
Who hypnotized the guilt in career rhythm trance.

Assassin, assassin, assassin, assassin.
(Assassin , my friend.)

Listen as the syllables of slaughter cut with calm precision,
Patterned frosty phrases rape your ears and sew the ice incision.
Adjectives of annihilation bury the point beyond redemption,
Venomous verbs of ruthless candor plagiarize assassins' fervor.

Apocalyptic alphabet casting spell, the creed of tempered diction,

my friend, your friend, the assassin.
my friend, your friend, the assassin.
A friend in need, is a friend that bleeds...
(my friend, your friend, the assassin.)

A friend in need, is a friend that bleeds...
(my friend, your friend, the assassin.)
Let bitter silence infect the wound,
Let bitter silence infect the wound,

I am the assassin, (your friend)
I am the assassin, (your friend)
I am the assassin, (your friend)
Assassin!

You were a sentimental mercenary in a free-fire zone,
Parading a Hollywood conscience;
You were a fashionable objector with a uniform fetish,
Pavlovian slaver at the cash till ring of success.
A noncom observer, I assassin, the collector... defector.

So you resigned yourself to failure, my friend,
And I emerged the chilling stranger, my friend,
To eradicate the problem, my friend,
Unsheath the blade within the voice,
within the voice, within the voice,
within the voice.
And what do you call assassins who accuse assassins, anyway...
My friend?








17 julho, 2009

CATANDO OS CACOS DO CAOS



*





Catar os cacos do caos
como quem cata no deserto
o cacto
............ - como se fosse flor.

Catar os restos e ossos
da utopia
............ como de porta em porta
o lixeiro apanha
detritos da festa fria
e pobre no crepúsculo
se aquece na fogueira erguida
com os destroços do dia.

Catar a verdade contida
em cada concha de mão,
como o mendigo cata as pulgas
no pêlo
............ - do dia cão.

Recortar o sentido
como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso
com a inconsútil emenda
à vista.

Como o arqueólogo
reunir os fragmentos,
como se ao vento
se pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo.

Catar os cacos de Dionisio
e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido
beber o vinho
ou sangue vertido.

Catar os cacos de Orfeu partido
pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer
o fígado
............ - como era antes.

Catar palavras cortantes
no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras
o brilho do diamante.

É um quebra-cabeça? ............ Então
de cabeça quebrada vamos
sobre a parede do nada
deixar gravada a emoção

......Cacos de mim
......Cacos do não
......Cacos do sim
......Cacos do antes
......Cacos do fim

Não é dentro
............ nem fora
embora seja dentro e fora
..... no nunca e a toda hora
que violento
.....o sentido nos deflora.

Catar os cacos
do presente e outrora
e enfrentar a noite
com o vitral da aurora

Affonso Romano de Sant'Anna



*

16 julho, 2009

Na Corte dos Deuses Dourados





Na Corte dos Deuses Dourados

A ascensão é o trecho mais difícil. Primeiro tens que procurar um bosque de plátanos , e somente de plátanos, que se situe em cima de uma grande colina. A presença de qualquer outra árvore torna inviável o caminho aos Deuses, pois são nos bosques puros de plátanos que se encontram as escadarias para o palácio Deles.

Encontrado o bosque de plátanos, deves esperar até o outono, quando suas folhas ficam douradas como os Deuses que procuras. No mesmo outono, deverás saber qual será o dia mais longo da estação, e nesse dia, deverás te dirigir ao ponto mais alto da colina onde está o bosque, e esperar o entardecer.

Então, quando o chão, as árvores, o céu e o teu coração estiverem da cor do ouro, deita-te sobre as folhas douradas e espera até que A Escadaria venha até ti.

Ela será, obviamente, dourada. Terá degraus brancos com entalhes de madeira marrom-claro, e seu corrimão será do mais puro ouro. Ascenderá como um espiral, na direção do Sol e por baixo do arco-íris. Apesar de longa e cheia de degraus, não será uma subida desagradável, tamanha a beleza da paisagem que apreciarás no caminho: Primeiro, verás a própria floresta de plátanos de onde veio, com suas copas douradas espalhando-se pela terra como a lã do Bode Dourado que Hermes deu á Nephele. Em seguida, o pôr-do-sol refletido num reluzente oceano amarelado brilhará tão forte que o próprio Sol será ofuscado.

E quando tal fenômeno ocorrer, terás que fechar os olhos e ser forte. Estarás mais alto que Ícaro no apogeu de seu vôo, mais alto do que o caminho que a carruagem de Apollo percorre, mais alto que os mais altos ramos de Yggdrasil. Estarás no Palácio dos Deuses Dourados.

A primeira coisa que verás quando lá chegares será um longo e ondulado campo. Chamado pelos Deuses de “Os Novos Elísios”, lá descansam perto de riachos e sob pequenas árvores os heróis que em vida cumpriram os desígnios dos Deuses Dourados, e local onde o pôr-do-sol é eterno. No horizonte, não há montanhas nem oceanos, apenas mais campos ou a beira de um abismo do qual manterás distância caso não queiras cair nas profundezas d’A Escuridão.

No centro desses campos, cercado por altas muralhas douradas de laje, ergue-se imponente o Palácio em si. Suas torres, compridas e finas, dão a impressão a quem vê de longe de que o palácio é na verdade uma montanha de ouro.

Ao te aproximardes do portão alaranjado do Palácio, serás recebido com uma chuva de pétalas de girassol e badaladas de imensos sinos de ouro e prata. Aberto o portão, verás um longo caminho pelos jardins do Palácio, que levará a porta de entrada da Corte dos Deuses.



Neste jardim, em volta de fontes e flores, sob árvores e coretos ornados deliciam-se Os Jovens. Estes são os Deuses que escolheram não envelhecer em mente, corpo e alma divina, e que ao invés disso preferiram passar a eternidade declamando poesias, compondo e executando belas canções uns para os outros, amando-se mutuamente, pintando belos quadros, lendo grossos livros, bebendo, comendo e cultivando a própria beleza: todos tem longos cabelos, de todas as cores, e vestem belas e extremamente bem trabalhadas roupas, longas e coloridas.

Caso queiras ficar por lá, com certeza provarás dos mais profundos prazeres. Caso contrário, siga o caminho de pedras claras entre o gramado, até a porta da Corte.

As proporções do lado de dentro do Palácio serão aterradoras. Colunas jônicas se estendendo na direção de um teto tão alto que abriga nuvens, estrelas, sois e luas sob ele. Diversas escadas, portas e corredores levando a tantas câmaras e quartos quanto sua imaginação pode criar. Apenas um será constante e direto: o caminho indicado por um tapete vermelho de bordas douradas, que passa sobre gloriosos arcos até chegar á sala onde ficam outros Deuses.

Uma sala tão grande quanto o hall de entrada. Estantes repletas de livros assumem alturas quilométricas. Mesas colossais onde se sentam figuras imponentes e bem vestidas se espalham por toda a câmara. Aqui estudam e pensam Os Iluminados, os Deuses que escolheram cultivar o conhecimento e fortalecer a mente. Sua biblioteca contém escrito todo o saber do multiverso, e cada momento é preenchida com mais saber criado por estes Deuses. Se queres a resposta para algo que nenhum mortal sabe, apenas fale com o Bibliotecário e ele lhe indicará o livro que contém a resposta. O silêncio, entretanto, é absoluto e inquebrável. Ninguém nunca tentou, e ninguém ousaria tentar emitir algum som para saber o que aconteceria. O livro que conta a empresa da única alma viva a emitir um som ali jaz aberto em cima de uma mesa logo afrente da entrada da Biblioteca.

Por fim, a última porta do Palácio levará á Corte em si. Logo que atravessá-la, terás dissipado o ego, a mente e o corpo. Sobrará apenas a alma, indefinida e harmônica. Embora não possa ver, apenas sentir, a Corte é luminosa e cheia de vibrantes energias. O tempo passa caoticamente lá. No seu centro, encontram-se os Deuses Dourados em sua essência mais pura e menos humana. As experiências lá vivenciadas são totalmente espirituais, e não deixam rastro na memória ou no corpo, além de anular toda a lembrança do Palácio e de sua ascensão.

Assim que as experiências indescritíveis por palavras, imagens ou sons terminarem, te encontrarás deitado, sobre as folhas secas do outono num bosque escuro sobre uma colina. Já será de noite, estará frio e tudo será como um sonho: Marcado profundo dentro da alma, mas inexistente na mente ou no corpo.
(Desconheço a autoria)



12 julho, 2009

Duna I e VI: Início e fim... fim?



O começar é o momento mais delicado na correção do equilíbrio. Esta irmã Bene Gesserit bem o sabe. Por isso, ao começar a estudar a vida de Muad'Dib, teve o cuidado de situá-la em sua época: nascido no 57° ano do Imperador Padishah Shaddam IV. E com mais cuidado ainda localizou Muad'Dib em sua terra: o planeta Arrakis. Mas que ninguém se iluda com o fato de ter ele nascido em Caladan e lá ter vivido seus primeiros quinze anos: Arrakis, o planeta conhecido como Duna, será para sempre a sua terra.
— do Manual do Muad'Dib, escrito pela Princesa Irulan
(Primeiras linhas de Duna, uma obra prima da ficção. Ficção?)





Aqueles que se propõem a repetir o passado devem controlar o ensino da História. - O Coda Bene Gesserit (Primeira frase do volume VI da série Duna: As herdeiras de Duna)

......................................

- É por isso que os deixou escapar!
- Não os deixei.-Suas tesouras continuaram a cortar.-Gholas. Eles o acolherão.
(Última frase
do volume VI da série Duna: As herdeiras de Duna)


A Minha Felicidade Não é a Sua, por Martha Medeiros



A Minha Felicidade Não é a Sua

Martha Medeiros
Revista O GLOBO, 16/01/2005


O mais recente livro de Carlos Moraes, o ótimo "Agora Deus vai te pegar lá fora", há um trecho em que uma mulher ouve a seguinte pergunta de um major: "Por que você não é feliz como todo mundo?" A que ela responde mais ou menos assim: "Como o senhor ousa dizer que não sou feliz? O que o senhor sabe do que eu digo para o meu marido depois do amor? E do que eu sinto quando ouço Vivaldi? E do que eu rio com meu filho? E por que mundos viajo quando leio Murilo Mendes? A sua felicidade, que eu respeito, não é a minha, major."

E assim é. Temos a pretensão de decretar quem é feliz ou infeliz de acordo com nossa ótica particular, como se felicidade fosse algo que pudesse ser visualizado. Somos apresentados a alguém com olheiras profundas e imediatamente passamos a lamentar suas prováveis noites insones causadas por problemas tortuosos. Ou alguém faz uma queixa infantil da esposa e rapidamente decretamos que é um fracassado no amor, que seu casamento deve ser um inferno, pobre sujeito. É nestas horas que junto a ponta dos cinco dedos da mão e sacudo-a no ar, feito uma italiana indignada: mas que sabemos nós da vida dos outros, catzo?

Nossos momentos felizes se dão, quase todos, na intimidade, quando ninguém está nos vendo. 0 barulho da chave da porta, de madrugada, trazendo um adolescente de volta pra casa. O cálice de vinho oferecido por uma amiga com quem acabamos de fazer as pazes. Sentar-se no cinema, sozinho, para assistir ao filme tão esperado. Depois de anos com o coração em marcha lenta, rever um ex-amor e descobrir que ainda é capaz de sentir palpitações. Os acordos secretos que temos com filhos, netos, amigos. A emoção provocada por uma frase de um livro. A felicidade de uma cura. E a infelicidade aceita como parte do jogo — ninguém é tão feliz quanto aquele que lida bem com suas precariedades.

O que sei eu sobre aquele que parece radiante e aquela outra que parece à beira do suicídio? Eles podem parecer o que for e eu seguirei sem saber de nada, sem saber de onde eles extraem prazer e dor, como administram seus azedumes e seus êxtases, e muito menos por quanto anda a cotação de felicidade em suas vidas. Costumamos julgar roupas, comportamento, caráter — juizes indefectíveis que somos da vida alheia — mas é um atrevimento nos outorgar o direito de reconhecer, apenas pelas aparências, quem sofre e quem está em paz.

A sua felicidade não é a minha, e a minha não é a de ninguém. Não se sabe nunca o que emociona intimamente uma pessoa, a que ela recorre para conquistar serenidade, em quais pensamentos se ampara quando quer descansar do mundo, o quanto de energia coloca no que faz, e no que ela é capaz de desfazer para manter-se sã. Toda felicidade é construída por emoções secretas. Podem até comentar sobre nós, mas nos capturar, só com a nossa permissão.



.....................

Nesse belo artigo, Martha ilumina a ruptura que se faz necessária para não cairmos na vala comum dos julgamentos generalizantes, fundamentados em leis do imaginário instituido.
Sair desse fundamentalismo que tem a pretensão de saber acerca dos sentimentos do outro, mais e melhor do que ele próprio, é um dos desafios para quem quer relacionar-se minimamente bem abrindo mão do controle e da primazia ditatorial do pré-julgamento.

A captura, no entanto, se dá, me parece, através de mecanismos nem sempre tão visíveis e evidentes, assim como nem sempre se dá com a permissão... nossa!
A própria Martha, que considero possuir "olhares" lúcidos (isto é um "julgamento") também sucumbe, como cada um de nós, à captura. Detenho-me exclusivamente ao último parágrafo: a expressão "Não se sabe nunca o que emociona intimamente uma pessoa..." já evidencia uma captura e um julgamento: nunca é uma palavra muito gorda e definitiva(!) que também coloca as coisas como definitivas. Ora, se a minha felicidade não é a sua e vice-versa, como se pode dizer que nunca se sabe o que emociona intimamente uma pessoa?

Igualmente a frase " Toda felicidade é construída por emoções secretas" acusa a captura pelas generalidades totalizantes. Claro que há felicidades construídas por n emoções nada secretas; pelo contrário, partilhadas, compartilhadas, percebíveis por sensibilidades não usuais e até mesmo comunicadas explicitamente.

Podemos saber sim o que emociona uma pessoas, duas, três até mais... mas, para isso, necessitamos de intimidade.
Intimidade para conhecer, entrar, sentar e deitar na vida interna do outro.

Intimidade essa... que está presente nas relações amorosas e saudáveis e, também, nas relações de sedução, manipuladoras e anti-sociais.

No primeiro desses casos existe entrega e permissão à essa entrada... talvez, arrisco-me a dizer, até desejo de que assim aconteça. Ok. Talvez seja dessa captura que Martha tenha escrito.
No segundo caso... as coisas se complicam... porque pode haver desejo de intimidade somente de um dos envolvidos.. e também há a entrega e o convite à entrada: instância em que se dá a captura-prisão, da qual é muito difícil escapar, já que as intenções são vampirescas!

10 julho, 2009

Eclipse






Eclipse

A profusão de lágrimas
sempre vem à noite
quanto tudo está quieto
e nem mesmo o silêncio me ouve.

Nesse rio de pétalas brilhantes que caem com gravidade
só permaneço de pé
porque pior do que a dor sentida como crueldade
é a benção de permanecer nas benfazejas planícies da serenidade.

A lua, serena testemunha desse feito,
mantém sua prateada omissão
já que ao seu eterno parceiro sol
nada conta dessa dourada emoção.
(Cerriky -CRK)





09 julho, 2009

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa): Poema em Linha Reta






Poema em Linha Reta
Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, Indesculpavelmente sujo. Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho, Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas, Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, Que tenho sofrido enxovalhos e calado, Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda; Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes, Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar, Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado Para fora da possibilidade do soco; Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
* Álvaro de Campos*


03 julho, 2009

Genesis... In Hiding





Pick me up, put me down
Push me in, turn me round
Switch me on, let me go
- I have a mind of my own

In hiding
Far from the city of night
And the factories of truth
I stand upon the mountain
A million miles from my home
And the faces of fear
I have freedom to think

In hiding
I may take off my clothes
That I wear on my face
I float upon a river
A million miles from the plains
That are piercing the clouds
I am lost in the beauty
In hiding

Pick me up, put me down
Push me in, turn me round
Switch me on, let me go
- I have a mind of my own

I wish you were here

In hiding
I lie silent at last
I'm free from my past
I walk among the tall trees
This is beauty I know
I'm in love with it all
I have freedom to love
In hiding

Pick me up, put me down
Push me in, turn me round
Switch me on, let me go
- I have a mind of my own

Pick me up, put me down
Push me in, turn me round
Switch me on, let me go
- I have a mind of my own