29 dezembro, 2013

Excelente 2014 para todos








Desejo que 2014 seja um ano excelente e próspero em todos os sentidos: 
"... dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender...", é o essencial! 
Boa companhia, paz no coração... 
Leituras, muitas leituras... 
Momentos de quietude e silêncio... 
Meditação... intuição... e ação... 
Alegria, jovialidade e agradecimento... 
Busca constante de conhecimento... e entendimento... 
Prosperidade em todos os sentidos!







22 outubro, 2013

Clarice, Clarice. Lispector, Lispector




Onde expira um pensamento está uma ideia, ao derradeiro hálito de alegria uma outra alegria, à ponta da espada a magia - é pra lá que eu vou.

- Clarice Lispector -


Toda a parte mais inatingível de minha alma e que não me pertence - é aquela que toca na minha fronteira com o que já não é eu, e à qual me dou. Toda a minha ânsia tem sido esta proximidade inultrapassável e excessivamente próxima. Sou mais aquilo que em mim não é.

- Clarice Lispector -


Nome da imagem: mago da brisa.
(A BRISA PODE SER FRACA OU FORTE; FRIA OU QUENTE, 
ANUNCIAR O OUTONO OU A PRIMAVERA... 
E , AINDA , AS CHUVAS. 
Pode se transformar em vendaval e tempestade. 
Pode ser um sopro... um ar que se inspira; um ar que se expira! 
PODE SER ACOMPANHADA DO SOL, DAS NUVENS 
E, OCASIONALMENTE, DO ARCO-ÍRIS. 
Pode ondular a superfície do mar ou provocar ondas... )


20 julho, 2013

Porto Alegre: ocupação, nudez dos manifestantes e "de fato, o rei está nu, mas de gravata"


PODE-SE JULGAR, MAS, TAMBÉM, REFLETIR, QUESTIONAR E PENSAR sobre os reais significados da ocupação da Câmera Municipal de Porto Alegre e das fotos e do vídeo de nudez (veja mais abaixo nessa postagem) postado pelos manifestantes. 

A Casa do Povo é deles, dos manifestantes, é minha e é sua, especialmente... se no sistema chamado Democracia, não está havendo representatividade dos (que foram) eleitos pelo voto. O ótimo texto do Juremir, abaixo, deixa muito claro esse aspecto.

Quanto à nudez, que tanto escandalizou os conservadores e os moralistas, só pergunto:
- Qual é uma das principais maneiras de mostrar desacordo com algo que esteja nos conformes do poder instituído e em sintonia com a tradição, família e propriedade? 
Mostrar a  bunda!
- Qual foi a maneira dos hippies na década de 60 (e seguinte) de mostrar sua insatisfação com a moral e os ditos "bons costumes" quando saíram às ruas e ocuparam os parques? Beijaram-se em público, tiraram as roupas e pregaram participação, amor livre e paz. Lutaram sem armas com o símbolo do "'PAZ E AMOR"
nos dedos... contra a Guerra do Vietnã, as segregações raciais, os preconceitos de todos os tipo e a falta de oportunidades para os jovens no mercado de trabalho. Tudo muito embalado pelo Rock e a música de protesto. 
Ou seja... mostraram a bunda!
Qual é mesmo o escândalo e a surpresa?
Faz parte do embate, da diferença, do protesto, da manifestação. Terem tirado a roupa por alguns minutos não significa que Porto Alegre será a capital mundial do nudismo.
Veja, mais uma vez, o texto do Juremir, abaixo... que, penso, dá conta disso.
O rei está nú, mesmo!

De fato, o rei está nu, mas de gravata

Postado por Juremir em 19 de julho de 2013 - Uncategorized... (no blog dele, no Jornal Correio do Povo)


Em 1775, enquanto a massa passava fome, a rainha perdia a cabeça pela primeira vez.
A segunda seria definitiva.
– Se não tem pão, que comam brioches – disse.
O rei, quando a massa se revoltou, perguntava-se:
– Por que estão agindo dessa maneira?
No Rio de Janeiro, a massa foi às ruas urrar contra aumentos nas passagens de ônibus. Pouco depois, a filha do “rei dos ônibus”, deu de barato e casou-se usando um vestido de R$ 3 milhões.
Três dias depois, a turba quebrou o bairro chique do Leblon.
Um observador teria exclamado:
– Por que estão agindo assim? Não vejo nexo nisso tudo.

O Brasil vem gritando há mais de um mês: o rei está nu. Mas nem todos querem ouvir. Nem ver. Há uma diferença entre pornografia e obscenidade. Toda pornografia é obscena. Nem toda obscenidade é pornográfica. A pornografia é a obscenidade gratuita ou com interesse comercial. Pode-se estar nu vestindo terno e gravata. Os deputados federais e senadores estão nus. Renan Calheiros vive pelado e mãos nos bolsos para proteger seus ganhos. Até Joaquim Barbosa, presidente do STF, vem sendo desnudado. O mais incrível é que, quanto mais o Brasil enxerga a pornografia por trás das fatiotas, mais os nossos representantes tentam fingir que não é com eles.

A nudez maior, obscena, mostra tudo da crise de representatividade que abala o país. Os eleitos, embora votados, não conseguem mais representar a população, ou parte dela, que lhes joga na cara o desprezo sentido. A regra do jogo democrático consiste no reconhecimento pelo todo do escolhido pela parte.

Quando o todo já não consegue reconhecer a legitimidade do eleito pela parte, o sistema está nu ou apodrecendo. Os seus formalismos não conseguem esconder as imperfeições do conteúdo. Os vereadores de Porto Alegre foram desnudados pelos jovens que se instalaram na Câmara de Porto Alegre. Se não se faz omelete sem quebrar os ovos, não se passa por uma crise de representatividade e de legitimidade sem excessos. Na política, porém, a ordem dos fatores, vale repetir, pode alterar o produto. Os indignados brasileiros estão dizendo faz tempo que não suportam mais os excessos dos eleitos. No extremo, responde-se a excesso com excesso.

Qual o pior excesso? Os mais conservadores perderam o equilíbrio, saudosos dos tempos em que podiam silenciar seus oponentes no grito. Nos tempos atuais o que se exige é transparência: nudez total dos negócios públicos. Os jovens que se manifestam nas ruas querem levantar o véu, tirar a cobertura, revelar, descobrir aquilo que sempre é escondido por razões técnicas, políticas ou simplesmente sem explicação. Toda relação dos entes públicos com empresas privadas deve ser divulgada em todos os seus detalhes. O resto é pornografia. Renan Calheiros na presidência do Senado é um ato pornográfico chocante. Henrique Eduardo Alves na presidência da Câmara de Deputados é pornografia barata. A impossibilidade de se fazer uma reforma política já por consulta popular é indecente e resulta dos bacanais dos nossos representantes, que se misturam em todas as posições.

O rei está nu. O rei é político. Mas não é sem políticos que se resolverá o problema. A solução passa por mostrar todos pelados até que a bandalheira seja compreendida na sua profundidade ou na sua superficialidade escatológica. O discurso moralista quer cobrir as vergonhas políticas com folhas de parreira e reformas superficiais. O Brasil só vai sair da crise de legitimidade e de representatividade quando toda a pornografia política estiver exposta em praça pública, a começar pelas relações incestuosas com empresas de ônibus. O falso moralismo precisa virar moralidade.

A pornografia maior é um vestido de R$ 3 milhões com o dinheiro das passagens de ônibus.
Não tem nexo!

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Uma jovem que estava na ocupação da Câmara Municipal de Porto Alegre divulgou nas redes sociais fotos de manifestantes seminus dentro do plenário da Casa. "Foto simbólica da ocupação!", dizia a descrição de um álbum. Antes de as imagens terem sido apagadas do perfil, elas foram copiadas e compartilhadas por várias outras pessoas.
O grupo que ocupava o local foi procurado pela reportagem do G1 e da RBS TV, mas não se manifestou. O dia que o material foi feito não foi divulgado.
O presidente da Câmara, Thiago Duarte (PDT), disse que tomou conhecimento dos registros na manhã desta quinta-feira (18). "Vamos apurar as circunstâncias em que elas foram tiradas, para decidir o que será feito a respeito. É um desrespeito à Casa do Povo, e aquele não é o povo de Porto Alegre, é apenas um grupo".
Em uma das imagens, homens e mulheres dançam com poucas roupas. Em outra, manifestantes acenam para as câmeras com fotos de ex-presidentes da Câmara ao fundo.
Plenário da Câmara já foi desocupado
O manifestantes deixaram na totalidade a área interna do prédio da Câmara Municipal de Porto Alegre na manhã desta quinta-feira (18). Pouco depois, os vereadores protocolaram os projetos de passe livre e de abertura das planilhas das contas das empresas de ônibus. A juíza Cristina Luíza Marquezan da Silva, da 1ª Vara da Fazenda Pública, e a promotora de Justiça Maria Cristina Santos Lucca acompanham uma vistoria no prédio.  A desocupação teve início na quarta-feira (17), após audiência de conciliação no Foro Central da capital do Rio Grande do Sul.
O impasse causou mal estar entre os parlamentares. "A relação com vereadores que apoiaram o manifestação foi rompida", disse pela manhã o presidente, Thiago Duarte.
Segundo o líder da bancada do PT na Casa, vereador Comassetto, o partido negociou a saída pacífica do movimento Bloco de Luta, junto com a OAB e o Judiciário. 
Em nota, o PT informou que atuou de forma ativa  para viabilizar a desocupação do local de forma célere e pacífica. "Durante os três primeiros dias, os vereadores de diversas bancadas ajudaram na tentativa de diálogo, estabelecendo uma mesa de negociação, que foi rompida de forma brusca pelo Presidente da Câmara, justamente no momento em que se estava chegando a um acordo para a desocupação da Casa", avaliou.
O acordo que foi cumprido previa que apenas metade do grupo saísse do local ainda na noite de quarta, o que representava cerca de 200 pessoas, incluindo crianças e adolescentes. O restante ficou no térreo da Casa até a manhã desta quinta, aguardando os parlamentares cumprissem o combinado. Segundo a assessoria do local, o prédio foi entregue limpo e em ordem.
Entre as reivindicações levadas à audiência, o Bloco de Luta também pedia a quebra do sigilo bancário das concessionárias que gerenciam o transporte público da capital, o fim do recesso dos parlamentares, a retratação pública do presidente da Câmara, Dr. Thiago Duarte (PDT), e a não criminalização do movimento. Todas elas foram rejeitadas.
O encontro de quarta foi mediado pela juíza Cristina e por representantes do Ministério Público. Na segunda-feira (15), a magistrada havia suspendido a medida liminar de reintegração de posse obtida pela Presidência da Câmara no sábado (13), alegando risco à integridade física dos manifestantes durante uma eventual ação com uso de força policial.
A ocupação completou uma semana na quarta. As atividades da Casa estavam suspensas desde o início da semana. Conforme o presidente da Câmara, a decisão foi tomada por medidas de segurança. As atividades no Legislativo devem ser retomadas ainda nesta quinta-feira.
Fonte: Portal G1
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Após ocupação em que manifestantes ficaram nus, Câmara de Porto Alegre passa por vistoriaAtivistas permaneceram no prédio por sete dias; 14 itens foram danificados 



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Presidente da Câmara disse que as cenas de nudismo são "um desrespeito à instituição que é a Casa do povo" Reprodução/Facebook
Diretores da Câmara Municipal de Porto Alegre, um grupo de ativistas e oficiais de Justiça vistoriaram o prédio nesta quinta-feira (18), após ser desocupado por manifestantes, que permaneceram no local por uma semana. No auto de vistoria constam 14 itens que foram supostamente depredados. Entre os danos, espelhos ou vidros rachados; cadeiras, portas e mesas também foram danificadas.

Além da mobilização para pedir o encaminhamento de projetos que criam passe livre para estudantes e desempregados e abertura da planilha de custos das empresas de transporte coletivo, os manifestantes chamaram a atenção nas redes sociais por algumas atitudes ousadas que tomaram durante a ocupação.


A de maior repercussão foi a postagem de fotos de um grupo de ativistas nus, apenas com o rosto coberto por panos, dançando e posando diante da galeria de ex-presidentes da Casa. Nesta imagem, os quadros de alguns vereadores foram postos de cabeça para baixo e um jovem segura um retrato da ex-vereadora e atual deputada Manuela D'Ávila (PC do B).


O presidente da Câmara, Thiago Duarte (PDT), considerou as cenas de nudismo fotografadas dentro da sede do Legislativo como "um desrespeito à instituição que é a Casa do povo". Também encarregou a assessoria jurídica de verificar quais as medidas a serem tomadas no caso.
Durante o período em que permaneceu acampado no plenário do Parlamento, o grupo chegou a ter 400 manifestantes e impediu a presença da "imprensa tradicional" nas dependências da Casa. A saída foi pacífica. 

Fonte: Portal R7

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28 junho, 2013

O sangue do mundo, fragmentos


(Mesquita em Khiva, Uzbequistão, descrita no livro)

Théo, um jovem médico ecologista e preocupado com as grandes transformações no mundo atual, depois de se curar de uma doença (A viagem de Théo, obra precursora e anterior a essa "O sangue do Mundo - A outra viagem de Théo, de Catherine Clément), agora acompanha sua tia noutras viagens onde seus valores e crenças são postos em discussão (pela tia, por um psicanalista, amigo dessa última, e pelos seus amores, uma antiga e outra recente... 
Um livro interessante, embora nem de longe tão bom e instigante "para viajar" como o anterior... do qual destaco os seguintes fragmentos:

"No céu de Nova Delhi, os gaviões descrevem círculos concêntricos. Não há mais nenhum abutre. Na virada do milênio, uma doença misteriosa os dizimou, para desgraça das populações. Excelentes coveiros, diplomados em carniça, os abutres eram úteis ao mundo. Por que desapareceram? Nenhuma explicação. Quantas outras espécies são extintas a cada ano? Ninguém pode afirmar. Podemos apenas supor. Dizem que haveria ao todo dez milhões de espécies vivas, mas quem sabe o número exato?

Esse menino me dá asas, sempre me deu.

... proporcionar-lhe uma viagem para distrair seu espírito inquieto.

A privação do espaço psíquico é desumana, mas ninguém se preocupa com a ecologia do espírito.

À medida que nos afastamos da megalópole, o céu vai se colorindo. Uma hora e meia depois, é de um azul intenso. Finalmente deixamos a nuvem de poluição.

- Sublime para uma idealista como você, minha querida! Todos os dias, minuto a minuto, ficar proibido de sentir raiva? Admiro mas não consigo. E não consigo, pois vejo diariamente a violência vir à tona quando meus pacientes falam. E eu sou mesmo pago para que eles a exprimam. Vou então recalcá-la? Não, muito obrigado! Uma violência que não se exprime nos faz adoecer.

... Os cães são a reencarnação das almas dos ladrões...

As vacas na Índia... elas produzem vinte vezes menos leite que as de vocês, mas nossa produção global já ultrapassa a dos Estados Unidos... Quando morrem de fome, durante uma seca, é um longo pesadelo, mas não as abatemos. Os camponeses que não têm o direito de matá-las, as amarram a estacas e as deixam mugir até a morte. Esse rebanho sagrado conta com 300 milhões de cabeças...

Tive de empregar voz de comando, daí obedeceram na hora.

No norte, a oeste de Nova Delhi,, o deserto de Thar cresce, enquanto, na Idade Média, segundo o que se conta, o Rajastão era completamente coberto por florestas... Quanto a Pequim, o deserto de Gobi começa a ameaçar a cidade com ventos de areia e, por mais que se refloreste, é tarde demais.

... artigos da Declaração Universal dos Direitos do Homem...
... Mas quem os redigiu depois da guerra...? Os brancos!
- Não totalmente... no que tange à redação da Declaração Universal de 1948, o francês René Cassin, presidia a comissão, na qual se encontravam o Dr. Chang, um chinês de Taiwan, e o Dr. Malik, do Líbano.
- Dois entre quantos?
- ...Os redatores eram oito... sonho com os Direitos do Homem... frutos de uma fonte de inspiração que não pertença aos três grandes monoteísmos do mundo ocidental...

- Eu me pergunto como podemos ajudar as pessoas.
- Ah! Desconfie - diz Prem. - Quando queremos ajudar a qualquer preço, há sadismo no ar. Não tenho duvida.
- Impressionante! Como vou aproveitar isso... diga? Devo acrescenta a minhas associações que ações ecológicas para proteger o meio ambiente provêm de um sadismo dissimulado?
- Dissimulado não!... Mas inconsciente, sem dúvida. Saber que há sadismo nas ações ambientais é um bom caminho.

De tanto querer respeitar os animais, terminaram por preferi-los aos homens.

Um só grama de urânio enriquecido libera a mesma energia que 2,5 toneladas de carvão.
Desativar uma central leva 54 longos anos. Uma central nuclear funciona durante quarenta anos e leva-se mais de meio século para desmontá-la... só depois a grama volta a nascer.

- Se você quiser uma reforma radical, certamente não vai conseguir. É preciso pensar em pequenas economias, você sabe... Nada de banho demorado, assim se economizam litros de água; uma casa bem construída, corretamente isolada, vai gastar menos energia para aquecer no inverno. Se todo mundo apagasse a luz ao sai de uma sala, se todo mundo usasse lâmpadas de baixo consumo, se desligassem o computador em vez de deixar no stand-by, quanta economia não se faria!

Não podia fazer mais nada por Théo, nada de nada, era preciso que ele atravessasse seu inferno, para depois sair inteiramente chamuscado e então começar a cicatrizar.

- Você não vai dizer como todo mundo que devo aceitar a morte dela. Esses subterfúgios açucarados, essas lições idiotas da psicanálise, odeio! Estou sofrendo e quero que me deixem sozinho com minha dor!
- Então seja estóico, Théo. Lembra? Separar as coisas que dependem de nós e as que não dependem."


25 junho, 2013

"Não está entendendo nada", por Juremir Machado da Silva



Boa notícia para os adversários do governo Dilma: as manifestações são também contra os excessos do petismo no poder. Má notícia para os adversários do governo Dilma: as manifestações não são a favor deles. Não está entendendo nada dos protestos quem acha que pode se apropriar deles em nome das velhas disputas políticas. Não está entendendo nada quem acha que os jovens estão nas ruas em defesa de “pautas conservadoras”, saudades da ditadura militar e contra partidos.

As manifestações são contra o modo como os partidos se comportam, não são pela extinção de todos os partidos e do fim da representação. São contras esses partidos que estão aí e como atuam.

Não está entendendo nada quem acha que as manifestações são contra o Bolsa-Família, o ProUni, as cotas, o Minha Casa Minha Vida, o Brasil Carinhoso e outros programas sociais. Elas são contra os gastos absurdos com a Copa do Mundo, contra os aumentos das passagens de ônibus, contra a falta de hospitais e de escolas, contra os privilégios dos três poderes, contra o cinismo dos políticos, contra as alianças espúrias do petismo, contra o carguismo do PMDB, contra gente como Renan Calheiros na presidência do Senado, contra o modelo atual de fazer política e de ganhar eleições, contra a privataria no estilo praticado pelos tucanos e contra um sistema de toma-lá-dá-cá generalizado e suprapartidário.

Ao contrário do que diz o petismo apavorado, querendo parar as manifestações com a chantagem da apropriação pela direita, que ocorre na mídia e na cabeça dos que ficam em casa e tentam tirar proveito depois dos fatos, não há nos protestos bandeiras do tipo em favor da “cura gay” ou demandas controvertidas como em defesa da ardilosa PEC 37 da impunidade. A galera que está apanhando da polícia, mesmo sem fazer parte da minoria do vandalismo, não se manifesta pela volta dos tucanos nem desfila em nome do repentinamente catalogado de governador de ouro da política nacional, o pernambucano Eduardo Campos. Tampouco de Joaquim Barbosa.

Não está está entendendo nada quem acha que vai controlar o jogo.

A gurizada que tem tomado as ruas está em luta contra a corrupção, que não apresenta como uma novidade no Brasil, mas como uma praga histórica sempre renovada. Essa juventude de peito de aberto não aceita mais chantagem. Não é porque o governo produziu alguns avanços sociais que tem o direito de unir-se ao que há de pior, bancar velhos larápios, reproduzir o que sempre condenou e refestelar-se na imoralidade. Não está entendendo nada quem acha que a turma se dará por satisfeita com mais do mesmo em versão anterior ou com mais de um pior em termos sociais que ficou para trás. É o novo que se busca na rua. É a igualdade de direitos e deveres. Por que juízes têm dois meses de férias por ano? Por que o judiciário ganha auxílio-moradia e auxílio alimentação retroativos?


Por que mulheres de ministros do STF recebem passagem em primeira classe para acompanhar os maridos? É desse tipo de coisa que os rebelados do facebook não querem mais saber. Disso e de estádios pomposos e inúteis. Boa notícia para os adversários do governo: o petismo não está entendendo nada. Má notícia para os adversários do governo: eles também não estão entendendo.

Não está entendendo nada

Postado por Juremir em 25 de junho de 2013

13 junho, 2013

A não tolerância: o grande desafio humano



"Ouvi/li em algum lugar que solicitar tolerância é tão preconceituoso quanto a discriminação. Faz muito sentido isso, pois quem precisa tolerar já se coloca em situação superior ao outro, inferioriza-o, como se dissesse: “olha, você é menos que eu, mas não se preocupe, magnânimo que sou, eu te tolero, ok?”
Esse é um exemplo curioso de como uma palavra que pretende mudar paradigmas e inverter o vetor do preconceito, acaba reforçando-o sem que seu uso fosse nesse sentido.

A grande ambigüidade aqui se situa numa questão de Lógica Hermenêutica. As palavras isoladas em seus conceitos mais comuns, ou em definições estritas, não refletem os sentidos que podem acrescentar ou até modificar seus significados. A rigidez de definições “esquece” e impede a dinâmica da língua, dos afetos, da ampliação horizontal e perspectiva (e não apenas vertical e progressiva) do conhecimento e das visões de mundo. Dialogar efetivamente, como nos ensina Habermas, é uma questão de Agir Comunicativo. Há de se compartilhar certa idiossincrasia ou aprendermos, via empatia, nos colocarmos na perspectiva alheia para dialogarmos.

Porém, a tentativa de uma ampliação horizontal ofende quem se acha detentor de uma única verdade e do discurso hegemônico baseados em conceitos que crêem serem metafísicos, embora não sejam. E é nessa ofensa que os dogmáticos (embora muitos não assumidos) se policiam para “tolerar” o semelhante. Porém ao exercer essa hipócrita tolerância, continuam excluindo e discriminando. Todo aquele que não comunga da visão de mundo e dos rígidos conceitos pelos quais os dogmáticos erigem seus castelos axiomáticos e determinantes do mundo, não pode compartilhar o mundo com eles.

Se o mundo pode ser melhor do que é, ou do que foi, só poderá ser quando abrigarmos a diversidade para além da mera tolerância. O grande desafio humano talvez seja aprendermos a nos destituirmos de nossas certezas (e não de nossas verdades) e nos abrirmos para a diversidade das verdades possíveis, procurando o consenso prático que abrigue a complexidade intrincada da qual o próprio mundo parece ser composto.

Pode parecer utópico, mas que ao menos possamos perceber o quanto destituído de sentido são certas coisas que querem nos fazer engolir como se fossem dados reais do mundo, mas sem que consigam sequer demonstrar sua validade sem que tenhamos que assumi-las dogmaticamente.

Há de se tomar cuidado quando falo sobre nos destituirmos de nossas certezas, mas não de nossas verdades. Na verdade chegará a hora de nos destituirmos de tudo. Considero a Verdade aquilo que chegamos dentro de um contexto de justificação compartilhado e convincente, portanto é algo que precisa resistir até que esse contexto de justificação possa ser questionado. Já certezas dispensam justificação compartilhada, logo não se sustentam em nenhum contexto. Assumir uma Verdade, não é ter certeza que ela seja verdade, é assumi-la como norte para nossas escolhas enquanto elas justificarem esse estatuto de verdade.
Todo ato de tolerância é uma concessão. Quando somos obrigados a tolerar de mentiras, hipocrisias, leis e a arrogância das pessoas há uma situação distinta a meu ver. Mas em que sentido essa distinção se dá? Não escolhemos tolerar a hipocrisia por nos acharmos hipócritas. Escolher tolerá-la porque nos colocamos acima dela. Não toleramos as leis porque, necessariamente, concordamos com elas. Sentimos a necessidade de tolerá-las justamente porque há uma prescrição punitiva a favor de seu cumprimento. Curioso é que não gostamos de admitir isso. Achamos um ato bonito tolerar, mas não aceitamos o corolário dele: colocarmo-nos em um nível apartado daquilo que vemos necessidade de tolerar.

O que trago é a discussão sobre o acolhimento do outro em sua diferença. E isso não requer tolerância nem concessões de nossa parte; como se o outro só pudesse ser o que é porque permitimos isso. Eu não quero tolerar ninguém. Mas isso não significa ser intolerante: significa não fugir à responsabilidade de buscar consensos onde for possível, mesmo que esses nos obriguem a “flexibilizar” nosso códice de valores tão arraigados.
Se realmente precisamos aprender a conviver com a diferença e a respeitá-la, parece-me que o conceito de tolerância apenas minimiza a diferença, tenta abafá-la… Parece-me um “deixa pra lá” que é improdutivo para a pretensão de busca de consensos e crescimento mútuo entre as pessoas, nações e grupos étnicos ou religiosos.
Tomar a tolerância como dispensável, contudo, não significa pregar ou ser favorável à intolerância. 

Tolerância é segregação. Por que devemos tolerar? Por que não nos conspurcarmos no que não concordamos, assumirmos provisoriamente seus pontos de vistas, criticarmos e nos autocriticarmos? Para mim isso é sinônimo de respeito (res-pecto, do latim: levar em conta). Quem tolera não leva o outro em conta, apenas se livra de aborrecimentos.
Esse grande “deixa pra lá”, esse não enfrentamento, é uma eliminação da alteridade necessária ao convívio, ao respeito mútuo, à igualdade de direitos e à evolução coletiva. É, na verdade, uma reivindicação sem legitimidade do direito de “permitir” a existência do outro, mas jamais se abrir ao outro nos isolando em feudos.

Construir um valor ético que privilegia a diversidade é abolir a intolerância, dispensar a tolerância e aprender a dialogar. Isso nos traria como conseqüência acolher a diversidade, abrir-se a ela, procurar entendê-la desde sua idiossincrasia e se deixar conspurcar por referências que não são suas, mas que podem, inclusive, serem contrárias e te mudar.

Não é um grande desafio?"

Gilberto Miranda Jr.

07 junho, 2013

Que mundo é esse? - Notícias de jornal e o espanto, parte 12.957



Que mundo é esse?

Governo americano tem acesso a 121 milhões de clientes de telefonia fixa e móvel da empresa Verizon com aval da justiça e conhecimento do Congresso. Alegam que a medida é para saber quando terroristas ou suspeitos estão se envolvendo em atividades perigosas.

Em Dresden, na Alemanha, policiais e exército estão, com a ajuda da população... colocando sacos de areia para proteger a cidade e conter o avanço das águas do rio Elba.

Estuprador foi enterrado vivo na Bolívia por uma multidão em fúria que o atacou, surrou e colocou na fossa com as mãos amarradas e a barriga para baixo. O caixão da sua vítima foi colocado... sobre ele... ainda vivo.

O corpo de uma mulher que morreu depois de ter se submetido a cirurgia plástica... foi retirado do velório para ser levado por técnicos ao DML para fazer um exame de sangue. O motivo para tal... foi coletar
material para fornecer provas... caso a médica - que fez a cirurgia - venha a ser processada criminalmente... no futuro.

Ao explicar o funcionamento do cérebro, o neurocientista coordenador de projetos científicos do Instituto do cérebro da PUCRS,  André Palmini surpreendeu os participantes do Festival Mundial de Publicidade de Gramado trazendo exemplos de como as decisões humanas são estimuladas. Pela primeira vez, o evento
contou com profissional da saúde para abordar as sensações diante da propaganda.
As decisões são tomadas com a razão ou a emoção?
Um dos palestrantes, Dado Schneider, brindou o público com essa inacreditável descrição: "O coração tem uma embaixada no cérebro, que se chama emoção. Essa vai direto para o inconsciente, que é quem decide se o público irá comprar, aderir, curtir a ideia, por exemplo".
Ainda, segundo o "grande mentor do Festival de Gramado", João Firme... "deixamos de concorrer com Cannes e passamos a ter um foco mais voltado para a educação... os participantes têm acesso a informações que jamais teriam conhecimento... estamos acompanhando com correção a evolução".

A tarifa dos ônibus em Porto Alegre pode ir a R$3,05... de novo.

A polícia investiga morte de sequestrador que teria se suicidado, pois... há suspeitas em decorrência do lugar "inviável"em que seu corpo foi encontrado.

Uma adolescente de 17 anos matou e queimou o corpo da mãe em Cachambi, zona norte do Rio de Janeiro e disse que o motivo para tal foi para ter mais liberdade como namorado, de 20 anos. A polícia suspeita de que o casal possa ter premeditado o crime para receber os 15 mil reais do seguro de vida da vítima.

As notícias acima não foram retiradas de algum jornal sensacionalista e nem foram cuidadosamente selecionadas de diferentes periódicos e fontes ao longo do último mês... ou dos últimos meses. Elas estão, TODAS ELAS, na edição de hoje do Correio do Povo... são todas do mesmo dia!


A ciência, a técnica e a razão, tomadas separada e individualmente ou tomadas em seu conjunto já não respondem mais às complexidades do real que se produz no cotidiano de nossas vidas humanas. (Humanas?)
Um real que parece ficcional.
Surreal.
Hiperreal.
Cada uma das noticias citadas põe a nú as dificuldades de compreensão dos acontecimentos e das inúmeras variáveis que se engendram na produção de cada caso.
Como é possível que num pais desenvolvido como a Alemanha... se coloquem sacos de areia...  como na Idade Média... e antes disso?

Como é possível haver tantas divergências sobre o cálculo da passagem de ônibus na capital dos gaúchos? Alguns afirmam que ela poderia DIMINUIR ... e, outros, aumentar... De acordo com a maneira de fazer o cálculo e de acordo com diferentes recursos jurídicos, há diversas maneiras e argumentos para defender ferrenhamente cada uma das possibilidades... opostas entre si.

A vida vale tão pouco que se mata para ter mais liberdade com o namorado? Que se enterra uma pessoa viva, machucada e amarrada... embaixo do caixão de sua vítima? Que se tira o direito de velar um corpo... para tentar produzir provas... e livrar de acusações futuras?

A ciência, a técnica e a razão (e no caso do Festival de Publicidade em Gramado, a emoção também) utilizadas como ferramentas para criar, desenvolver  e aumentar o consumo, a venda de produtos... e  seduzir o público para comprar mais e obter mais lucro com as vendas. Tudo isso com aval e "garantias científicas"?

A seguir nesse ritmo... logo mais, teremos, ao invés de "sorria, você está sendo filmado", teremos... NÃO PENSE, SEU PENSAMENTO ESTÁ SENDO FILMADO.

Precisamos cada vez mais,
pensar mais e melhor
e fazer
a "Reforma do Pensamento",  como dia Edgar Morin...
admitindo que somos sábios e dementes ao mesmo tempo...
e buscando a lucidez... que considera a onipresença da possibilidade do erro.

Que mundo é esse?
Um mundo muito louco e complexo, tão complexo... que qualquer explicação simplista. redutora e separada dos contextos em que são produzidas as situações... dá com os murros n'água... e se revela inoperante, ineficiente e inadequada e, portanto... só oferece explicações igualmente simplistas, redutoras e descontextualizadas.

Lembro daquela música... que diz... "tá todo mundo louco, oba... tá todo mundo louco, oba"...
Daria para escrevê-la de outro jeito: tá todo mundo louco.

Os consultórios de (nós) psicólogos e psiquiatras... deveriam estar cheios e com gente fazendo fila nas escadas e dobrando a esquina... por que mesmo que não é isso que acontece?

Eu acho que "todos" deveriam consultar um psicólogo e sou um franco defensor do acompanhamento psicológico (psicoterápico ou não) em diferentes situações da vida e DE morte... e não só para os loucos "de atar em poste com corrente... para não roer a corda"... mas principalmente para os que efetivamente querem trabalhar - e se trabalhar - para não enlouquecer, adoecer...  psiquicamente, existencialmente, espiritualmente, socialmente, profissionalmente... filosoficamente.

O que está muito louco é o mundo e as formas de viver nesse mundo.

As pessoas - que são simultaneamente produtoras e produzidas por esse imundo-mundo... podem arranjar vias de escape dessa prisão ao ar livre (e sem correntes VISÍVEIS)... desde que aprendam a pensar de forma (s) diferente (s).

Eu realmente me senti mal ao ler tudo isso hoje... e o que eu estou dizendo... é que eu estou filmando o meu pensamento e o meu sentimento de mal-estar... e estou compartilhando com quem tem (ou quer ter)...   lentes...  para ver, perceber essas... invasões bárbaras.

Será mesmo que atualmente se pode ler um jornal ou uma revista ou, ainda, assistir a um telejornal sem se afetar pelas condições desse mundo loco, louco mundo?
Será que não somos mesmo afetados pela técnica, pela ciência e pela razão... à serviço da mídia, do consumo, do lucro e da produção de verdades dissimulas?

Vamos pensar diferente.
Cada vez mais e melhor?

(Cesar  R K )



15 março, 2013

FRIEDRICH W. NIETZSCHE sobre como filosofar com o martelo (fragmentos)





"Conservar a serenidade em meio a uma causa sombria e
justificável além de toda medida não constitui certamente uma
arte que se possa desconsiderar: e todavia o que haveria de mais
necessário que a serenidade? Nada triunfa a menos que a
petulância tenha sua participação.

Colocar aqui questões com
o martelo e ouvir talvez como resposta esse famoso som oco
que fala de entranhas insufladas — que arrebatamento para
alguém que, atrás dos ouvidos, possui outros ouvidos ainda —
para mim, velho psicólogo e apanhador de ratos chega a fazer
falar o que justamente desejaria permanecer mudo..."

FRIEDRICH W. NIETZSCHE, Em


Turim, 30 de setembro de 1888,
dia em que foi terminado o primeiro livro de
A Transmutação de todos os valores

(Prefácio de Crepúsculo dos Ídolos

ou
Como filosofar com o martelo)

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"Para viver só é necessário ser um animal ou então um deus —
afirma Aristóteles. Falta o terceiro caso: é necessário ser um e
outro, é necessário ser — filósofo...


"Toda verdade é simples." — Não existe ai uma dupla
mentira?


Se se possui o por quê da vida, põe-se de lado quase todos os
como?...


Aquele que não sabe pôr sua vontade nas coisas quer ao
menos atribuir-lhes um sentido: o que o faz acreditar que já
existe uma vontade nelas (Principio da "fé").


Nós imoralistas prejudicamos a virtude? — Tanto quanto os
anarquistas prejudicam os príncipes. Só depois de terem sido
atingidos de novo se sentam firmemente nos seus tronos.
Moral: é preciso disparar contra a moral.


Que importa que eu tenha a razão! Disponho de excesso de
razão. — E ri melhor hoje quem ri por último.


Mas Heráclito sempre terá
razão quanto ao fato de que o Ser é uma ficção vazia.


Suprimimos o mundo verdadeiro: que mundo nos resta? O mundo aparente, talvez?... Mas não! Com
o mundo verdadeiro suprimimos também o aparente!
(Meio-dia; instante da sombra mais curta; fim do erro mais longo; ponto culminante da humanidade;
INCIPIT ZARATUSTRA - Começa Zaratustra.)


Outrora, em virtude da estupidez na paixão, combatia-se a própria paixão: conjuravase

para a sua aniquilação.
...

Aniquilar os sofrimentos e os
desejos, apenas para evitar sua estupidez e as conseqüências desagradáveis de sua estupidez, se nos
apresenta hoje como sendo mesmo apenas uma forma aguda desta última.


Uma nova criação
sobretudo, algo como um novo império, tem os inimigos como mais necessários do que os amigos:
somente na oposição ele se sente necessário, somente na oposição ele se torna necessário... Nós não nos
comportamos de modo diverso frente ao "inimigo interior": também aí espiritualizamos a inimizade,
também aí compreendemos seu valor. É preciso ser rico em oposições, e só pagando esse preço que se é
fecundo; só se permanece jovem sob a pressuposição de que a alma não se espreguiça, não anseia pela
paz... Nada nos parece mais estranho do que o que era desejável outrora, o que era desejável para o
cristão: a "paz da alma". Nada nos deixa menos invejosos do que a vaca moral e a felicidade balofa da
boa consciência. Renunciou-se à vida grandiosa quando se renunciou à guerra: Em muitos casos, por
sorte, a "paz da alma" é apenas um mal-entendido, - algo diverso que apenas não sabe se denominar de
um modo mais honroso. Sem rodeios e preconceitos, aqui temos alguns casos. A "paz da alma" pode
ser, por exemplo, a irradiação suave de uma animalidade rica no interior do campo moral (ou religioso).
Ou o começo da fadiga, a primeira sombra que a noite lança, qualquer tipo de noite. Ou um sinal de que
o ar está úmido, de que o vento sul se aproxima. Ou a gratidão inconsciente por uma digestão feliz (às
vezes chamada "amor aos homens"). Ou a aquietação do convalescente, para o qual todas as coisas
possuem um novo sabor, e que espera... Ou o estado que segue a um intenso apaziguamento de nossa
paixão dominante, o bem-estar de uma saciedade rara. Ou a senilidade de nossa vontade, de nossos
desejos, de nossos vícios. Ou a preguiça, convencida pela vaidade a adornar-se moralmente. Ou a
entrada em cena de uma certeza, mesmo de uma certeza terrível, depois da tensão e do martírio
produzidos pela incerteza. Ou a expressão da maturidade e do domínio em meio ao agir, criar, efetivar,
querer, o respirar tranqüilo, a "Liberdade da Vontade" alcançada... Crepúsculo dos Ídolos: quem sabe?
Talvez também apenas um tipo de "Paz da Alma"...


O erro oriundo da confusão entre causa e conseqüência.
- Não há nenhum erro mais perigoso do que confundir a conseqüência com a causa: eu o denomino a
própria perversão da razão."


FRIEDRICH W. NIETZSCHE, Em
Crepúsculo dos Ídolos

ou
Como filosofar com o martelo 


 

18 fevereiro, 2013

O canto dos pássaros: sensação, tempo e pensamento





Um músico do nosso tempo – chamado Olivier Messiaen – vai fazer uma distinção entre quatro tipos de canto de pássaros. Diz ele, que na primavera, os pássaros, praticamente todos eles, fazem o canto do amor – que é um canto de sedução, geralmente feito pelos machos. Esse canto de amor – evidentemente – tem uma função específica: serve à espécie – porque o amor permite a reprodução; e serve aos prazeres do indivíduo. Seria esse canto – que eu chamei de canto de amor – que ocorre em todas as primaveras.

O outro tipo de canto, diz ele, que é entendido por todo e qualquer pássaro – é o grito de alarme. Os pássaros – através do gorjeio – fazem o canto de amor e o grito do alarme: dois cantos que estão a serviço do que eu passarei a chamar, nesta aula, de CORPO ORGÂNICO. Ambos os cantos estão a serviço do organismo – das funções dos órgãos; no sentido de que um canto – o canto de amor – tem como único objetivo prestar um enorme serviço à espécie; ou seja – à evolução da espécie; e assim por diante.

Mas, de outro lado, Messiaen vai falar num terceiro canto (por enquanto, eu vou deixar o [quarto] entre aspas). Esse terceiro canto, de que Messiaen nos fala, é o canto que alguns pássaros fazem para o pôr do sol – ou [melhor]: para o crepúsculo e para a aurora. Esse canto não tem nenhum objetivo orgânico e não presta nenhum serviço à espécie ou ao indivíduo: é o canto gratuito – que o pássaro produz, não importa os perigos que ele corra. Segundo Olivier Messiaen, [o canto gratuito] é de uma extraordinária beleza! E quanto mais forte for o crepúsculo; quanto mais se espalhar a cor violeta; e quanto mais bonita for a aurora – mais esplendorosos os temas e motivos que o pássaro canta.

A partir dessa colocação, é evidente que há uma diferença do canto da primavera e do grito de alarme para o canto gratuito – porque esse canto é gratuito [exatamente] porque não presta nenhum serviço ao organismo ou à espécie.

Se, de algum modo, eu me fiz entender; se alguma coisa do que eu falei atravessou… (caso contrário, mais adiante eu farei com que vocês entendam!) – eu marquei claramente a existência – pelo menos nos pássaros – de dois tipos de corpo: um corpo orgânico, que está sempre a serviço da espécie e do indivíduo; e um corpo que, por enquanto, eu só posso chamar de um corpo estético. No caso dos pássaros, é um corpo que fica de tal forma tocado diante das luzes, da claridade e das cores que o crepúsculo e a aurora produzem, que começa a [emitir] – Atenção! – ondas rítmicas: ele gera ondas rítmicas, que se encontram com as forças da natureza. E quando o ritmo se encontra com as forças da natureza – isso se chama SENSAÇÃO.

- O que é a sensação?
A sensação é a potência de um corpo vivo, que produz uma onda de intensidade – que no caso dos pássaros são os ritmos; e no caso das forças caóticas da natureza, as misturas das cores, dos calores e das luzes… E quando essas duas linhas se encontram, emerge o que Olivier Messiaen vai chamar de personagem rítmico. O personagem rítmico não é um sujeito, não é um pássaro. O personagem rítmico é uma onda, que se serve do corpo do pássaro.

Então, através do encontro das ondas estéticas e da composição do personagem rítmico – que é exatamente o pássaro ao fazer esse canto; com as forças do sol, as forças da natureza – que eu passarei a chamar de paisagem melódica – alguma coisa em termos de corpo, em termos de pensamento e em termos de tempo se produz.

E aí, com uma certa facilidade, eu já faço a distinção de que, no nosso corpo, nós teríamos – misturados – o corpo orgânico e o corpo histérico. Esse corpo histérico foi apresentado teoricamente no Ocidente pela obra de Artaud – que dá a esse corpo o nome de CORPO SEM ÓRGÃOS.

A nossa apreciação dessa questão não é difícil: de um lado um corpo orgânico – sempre a serviço da espécie, a serviço do indivíduo; e de outro lado, um corpo estético, ou melhor, um corpo histérico – ligado à produção da beleza.

A ligação que eu vou fazer do pensamento com o corpo não é a ligação do pensamento com o corpo orgânico, porque essa separação do corpo e do pensamento – que tem origem no platonismo – é a separação do corpo orgânico: que se separa do pensamento.

Essa expressão, que eu acabei de usar aqui, é realmente muito difícil, porque – classicamente – nós entendemos o pensamento como aquilo que funciona sempre por sua boa vontade – e eu estou dizendo que não; que o pensamento é forçado a pensar por este corpo que eu chamei de “corpo histérico” – o corpo das atitudes e das posturas, o corpo do gestus. Ele força o pensamento a pensar.

- Força a pensar, o quê?
Ele força a pensar o impensado – a pensar o corpo, a pensar a vida. É como se, de repente – diante de toda essa história pesada da filosofia – nós tivéssemos a viabilização, a possibilidade do pensamento pensar. E o pensamento, quando pensa, o que ele pensa é – o corpo e a vida.

Ou seja, quando eu fiz essa distinção de corpo orgânico e corpo histérico; e, no caso de Cassavetes, liguei o corpo histérico às posturas e atitudes, o que eu quiz dizer pra vocês é que – a função do pensamento é pensar todas as atitudes e as posturas do corpo – insônias, sono, tristeza; todas as linhas de errância – abstratas e difíceis – que o corpo produz.

Então, de um outro lado, a minha aula tem ( olhem o nome:) uma postura ética, - postura é coisa de corpo, não é? -, uma postura espinozista; no sentido de que – sem temores, sem medo da morte – o que nós vamos fazer é PENSAR O CORPO.

... a composição do pensamento com o corpo faz com que o corpo secrete tempo. Essa idéia de tempo é uma idéia absolutamente trágica – porque é ela que nos dá e nos tira a vida. Pelo menos, é assim que nós pensamos o tempo.

Acontece que toda a tradição do Ocidente compreendeu o tempo segundo o modelo orgânico, ou seja – aquele modelo que não passa; funcional, organizacional. O tempo foi compreendido, pelos pensadores do Ocidente, em termos de tempo orgânico ou tempo cronológico. Como? Porque o organismo produz o tempo que lhe interessa. E o homem, na sua pequena humanidade, não faz nada mais do que servir a esse organismo.

Agora, o que eu estou falando, é que nós vamos romper com esse tempo cronológico, para encontrar outras formas do tempo, ou melhor – a pura forma vazia do tempo.

Para Proust, esse tempo secretado pelo corpo – agora vem um enunciado assim terrível – talvez seja o único índice de imortalidade. Ou seja: Proust afirma que as religiões não podem – em nenhum momento – nos indicar a possibilidade de que nossa alma seja eterna. Mas quando o pensamento mergulha no corpo e encontra o tempo. .. – ele começa a conhecer os segredos da eternidade. Então, a partir daqui, eu mostro pra vocês que, ao pensar o tempo, nós pensaremos juntos também a eternidade.

Toda a razão de ser da noção de contemplação está diretamente ligada à questão do tempo. Essa noção já é platônica… – mas no Plotino ganha uma diferença.

Samuel Butler diz que uma semente de rosa, jogada na lama – sem mãos, sem pés e sem nenhum instrumento – é capaz de transformar essa lama na qual ela está inserida em macias e perfumadas pétalas de rosas, de forma magnífica! O que eu estou dizendo, é que as rosas são produzidas pelas sementes; e essas sementes fazem as suas roseiras e as suas rosas com a lama, – a água e a terra -, que é a matéria que elas utilizam para transformar aquilo num determinado ser: a roseira, apinhada de rosas…

Ao fazer isso, a semente não produz nenhuma atividade. A única coisa que a semente faz… – é contemplar!























Ouvir uma tese dessas, é quase enlouquecedor! Uma tese de que a natureza produz – não pela atividade – mas pela contemplação. Eu estou dizendo que, na natureza, a geração não se dá por processos de atividade… mas por processos contemplativos. Quando a gente fala “contemplação”, vem logo à nossa mente a idéia de narcisismo.

Narciso era aquele que contemplava a sua imagem… Por isso, existe uma distinção, também neo-platônica, entre narcisismo formal e narcisismo material. O narcisismo material é quando Narciso contempla a sua imagem e se esgota naquela contemplação. Enquanto que contemplação formal, ou o narcisismo formal, é quando essa semente de planta – sem olhos – contempla a natureza; e, ao contemplar, sintetiza os elementos, de tal maneira, que novos objetos começam a ser gerados. Ou seja, [a partir] da contemplação de uma semente – na lama – uma série de sínteses irão se processar… – e essas sínteses vão gerar os objetos que existem na natureza.

Pra vocês entenderem, a repetição pode ser exemplificada como a repetição do barulho de um relógio – tic-tac, tic-tac, tic-tac. Qualquer um de nós – no silêncio da noite – [percebe claramente] essa repetição do relógio… “tic-tac, tic-tac, tic-tac” (não é?) – Isso se chama repetição! Quando ouvimos esse “barulho”, passamos a achar que sempre que o tic aparecer, logo em seguida virá o tac – nosso espírito fica na absoluta convicção de que esse fenômeno vai ocorrer! Ora, se é tic, em seguida tac, depois tic, depois tac – tic-tac, tic-tac. .. – O que faz o espírito? Quando o espírito ouve o tic-tac. .. – de tanto ouvir essa repetição… – quando aparece o tic – ele, o espírito – antecipa o tac; isto é: o espírito não espera que o tac chegue… – antecipa-o. Ou seja, o processo de antecipação é um processo que se dá – em nosso espírito – quando a natureza se repete; e nós acreditamos – temos a crença – de que aquela repetição vai permanecer. Sempre que acreditamos que uma repetição vai permanecer – antecipamos um de seus elementos. Neste caso – antecipamos o tac.

Quem antecipa não é a natureza – quem antecipa é o espírito! Então, quando o espírito contempla a natureza e a natureza lhe oferece um processo de repetição… – esse processo é infatigável! A natureza sempre repete [o mesmo processo...] – e o espírito começa a produzir uma diferença naquilo: começa a introduzir a retenção e a antecipação.

O que quer dizer isso?

De tanto ouvir tic-tac, o espírito retém o tic, antecipa o tac e junta os dois – no tic-tac. Isso porque – fora do espírito – o tic e o tac são dois elementos separados: ou seja, quando aparece o tic; em seguida aparece o tac. Mas o tic não pode re aparecer, se o tac não tiver des aparecido!… O que implica em dizer que, o processo de repetição na natureza, pressupõe (Olha lá, heim?) a noção de INSTANTES DESCONTÍNUOS. A natureza nos mostra isso. Ela nos mostra o que se chama – “Os Instantes Descontínuos…”

- O que são os Instantes Descontínuos?

É a aparição de um elemento… e a des aparição desse elemento – para que um outro elemento surja. Ou seja: os dois elementos jamais apareceriam ao mesmo tempo na natureza! Isso se chama – descontinuidade dos instantes. O espírito contempla essa descontinuidade dos instantes – [antecipa] um instante e retém o [outro]. Na natureza, esses dois elementos estão separados; no espírito, eles se juntam. No espírito, não existe mais um tic e um tac – porque o tic e o tac formam uma pequena extensão. Na filosofia do tempo, de Bergson, esta “pequena extensão” chama-se DURAÇÃO; ou seja – o espírito, que reteve e antecipou…, reteve e antecipou esses dois elementos descontínuos produzidos pela natureza. Esse “procedimento espiritual” é – simultaneamente – a INVENÇÃO DO TEMPO.


O que eu acabei de dizer pra vocês, é que, para que o tempo surja, ou melhor: a condição para que surja o tempo – é que exista o espírito que contempla.

O que eu falei agora pra vocês, é que NA NATUREZA existiria um processo de REPETIÇÃO: um processo de repetição descontínuo. O espírito contemplaria essa repetição descontínua, juntaria os elementos que na natureza estão separados, e ao juntar esses dois elementos, o espírito formaria uma pequena linha: uma pequena extensão, ou seja – formaria uma DURAÇÃO.

Ou melhor: o tic aparece. Quando o tic des aparece, o tac aparece; quando o tac desaparece, o tic aparece, (não é?) Então, o tic e o tac – cada um deles é um presente que se dá na ausência do outro; ou seja: cada instante, quando aparece, para que o outro instante apareça, ele tem que desaparecer.

Quando esses dois instantes se juntam no espírito, o instante anterior passa a se chamar passado; e o instante posterior passa a se chamar futuro. O tic – que é presente na natureza; e o tac – que é presente na natureza; no espírito – tornam-se passado e futuro. Ou seja: o espírito – que contempla – produz O TEMPO!

 O que quer dizer passivo?

Passivo quer dizer – aquilo que não produz modificação no objeto contemplado, ou seja: o espírito não produz nenhuma modificação na repetição da natureza – mas ele próprio se modifica. Então – a repetição da natureza e a diferença do espírito.

Voltando: eu disse contemplação; disse que o espírito contempla; e disse que o espírito faz uma síntese.

Hume, o filósofo que eu estou citando, chama – orgulhosamente – essa síntese de Espírito ou Imaginação Contraente. O espírito tem o poder de contemplar os instantes separados na repetição da natureza…, contraí-los no seu interior, e, ao fazer essa contração – dentro de si – ele gera o tempo. O tempo emerge: o tempo emerge no espírito.

Nós ficamos praticamente assustados. Mas, por quê? Porque – quando o pensamento se associa com o corpo; ao pensar o corpo… – ele verifica que o corpo secreta tempo: abandonamos definitivamente o senso comum!

Ou seja – tudo aquilo de que eu estou falando, é impossível de ser compreendido pelo senso comum! Por quê? Porque são as experiências mais possantes que o espírito humano pode fazer. Essas experiências, que eu estou mostrando pra vocês, é a repetição da natureza – que seria a eternidade; e a contemplação do espírito – que seria o nascimento do tempo.

Ou seja: o que faz o pensamento – sua única questão – é conquistar o tempo.

Samuel Butler: contemplação...

E ele diz o seguinte: você joga uma semente na lama: a semente cai na lama… Essa lama é água, terra, luz e ar. Ou – quimicamente mais bem explicado – é fósforo, é carbono, etc. E a semente está ali! Qual é o procedimento que essa semente tem para se transformar numa rosa, sabendo-se que a matéria da qual ela vai se servir, para que a rosa nasça, é a lama que a circunda? É essa a questão! Ou seja: quando você encontra uma roseira, essa roseira se originou numa semente; e essa semente retira da lama os componentes para produzir as suas rosas.

E a semente não faz nada?
Cl.: Faz! Ela.. contrai! Da mesma maneira que esse espírito contraiu… Depois você vai entender perfeitamente isso: o processo da semente é um processo de contração. Ela contrai os elementos – e ao contrair esses elementos – ela começa a gerar esse mundo lindíssimo que nós temos. Da mesma forma que um pássaro canta para o sol – uma semente contempla a natureza. É o mesmo procedimento!

O corpo orgânico se submete ao organismo; e o órgão principal é a consciência. Ou seja: o corpo orgânico é todo governado pela consciência.

E a natureza humana?

Cl.: A natureza humana é orgânica – e dominada pela consciência. É preciso romper com o humanismo para chegar a essa posição que eu estou colocando. O maior adversário dessa posição é, sem dúvida nenhuma, o humanismo; porque o homem enquanto tal é orgânico e – como diz Nietzsche – a consciência é o órgão mais jovem. O que eu estou mostrando pra vocês… é que o pensamento só pode pensar se a consciência for paralisada – porque a consciência é um obstáculo para o pensamento.

Em termos nietzscheanos, a consciência é uma força reativa. Em termos espinozistas, a consciência é uma força conservativa. [Enquanto que] o pensamento é avassalador, é conquistador, é criador. Ou seja, a única questão do pensamento é criar e inventar – não importa como!


Então aí a gente teria – nitidamente – não uma dialética, não um confronto do pensamento com a consciência, porque o pensamento – em momento nenhum – faz confrontos. Quem faz confrontos é a consciência, que vive sob regime das opiniões. O pensamento, não! Por isso, a questão de um pensador não é apresentar opiniões – para serem debatidas; mas constituir problemas – para serem pensados. Não haveria nem possibilidade de dizer dialética entre o pensamento e a consciência… porque a oposição, a dialética – esses conceitos – eles pertencem à consciência: não pertencem ao pensamento.

Texto de Claudio Ulpiano




03 fevereiro, 2013

A ética, a moral e o trágico de (em) Santa Maria


Uma semana depois, 237 mortos: uma tragédia!

Sim, uma tragédia... que poderia ser evitada... através de ações conjuntas entre todos os envolvidos: proprietários, poder público municipal, estadual e federal, famílias, frequentadores... e etecétera...  
Não adianta buscar bodes expiatórios para depositar a culpa. 
É preciso buscar as responsabilidades de todos. 
Todos.

"Uma definição resumida do conceito de trágico no pensamento de Nietzsche , que poderia incluir as diferentes tematizações e problematizações desse conceito, seria a de um modo de pensamento que fosse capaz de assumir e afirmar a totalidade da existência, na integridade de seus aspectos, incluindo o que nela existe de sombrio e luminoso, de alegre e doloroso, de desfalecimento e exaltação. Trágico é um pensamento capaz de acolher e bendizer tanto a criação como a destruição, a vida como a morte, a alternância eterna das oposições, no máximo tensionamento. Uma filosofia trágica prescinde de uma visão jurídica e culpabilizadora da existência,  acredita na inocência do vir-a-ser, não nega nem condena, mas aceita a vida sem subtração e nem acréscimo. Uma existência trágica é aquela que, sem depender de uma crença na ordenação e significação moral do mundo, não considera o mal e o sofrimento como uma objeção contra a vida." 
Oswaldo Giacoia

Compreender o que aconteceu em Santa Maria, na boate Kiss, envolve a busca dos múltiplos fatores, complexos e de difícil apreensão... que ocasionaram essa tragédia. Apesar disso, é possível elaborar uma cartografia que ajude a nos aproximar dos fatos.... e, aqui, vou enfatizar apenas um dos componentes dessa complexidade, pois os demais estão na mídia escrita e falada em abundância: a questão da moral (e do DEVER) e a questão da ética.

Está claro que todas as instâncias envolvidas tem o dever moral de proporcionar segurança. Ponto. Mas se nem isso foi feito, de acordo com os dados obtidos pelas investigações até agora apurados, o que pensar em termos de ética? A ética não estaria só em obedecer a lei (as leis), mas em fazer muito mais e além do que ela estabelece e estipula. Seria, por exemplo, não permitir a entrada, na boate, lotada, ou, ainda, fechar a boate até que a mesma estivesse em plenas condições de proporcionar lazer em segurança... com todas as coisas necessárias para isso funcionando perfeitamente. Exemplos que parecem absurdamente irrealizáveis e surrealistas...  

Tal ação... teria A VIDA como bem maior e não o lucro e o capital... 

Não basta apurar apenas legalmente e tecnicamente os fatos e as responsabilidades. É importante avaliar socialmente, grupalmente e subjetivamente...

"O poder, na verdade, é micropoder. Desse ponto de vista, nós vamos falar também de micropolítica. E ele é micro, porque se exerce na nossa sensibilidade, na nossa estética, no nosso corpo, nos nossos gestos, nos nossos movimentos, nas nossas ações e paixões físicas e também se exerce na linguagem que veicula o pensamento. Então, a própria linguagem se constitui uma forma de captura e nós, sutilmente, somos capturados e falamos “em nome de” ou ocupamos o lugar legitimado pelo poder que pode ser a própria academia com o lugar da ciência, o lugar da autoridade intelectual, muitas vezes. Vamos falar de modo concreto. O capitalismo inventou a ciência da qual ele precisava. Uma vez que estamos aqui envolvidos com as ciências humanas, ciências sociais, nós precisamos fazer uma autocrítica desse ponto de vista e vermos, até que ponto, nosso pensamento científico não é conivente com essas práticas de poder e não reproduz as dicotomias e as separações das quais o capitalismo necessita ou essas formas novas de poder necessitam. Então, as ciências são colaboradoras desse ponto de vista de constituição, de regulação e de conservação desse poder através de um discurso chamado científico. Ou seja, as ciências desse ponto de vista pressupõe o lugar da moral. E a moral é sempre a crença de um dever ser: o pensamento 'dever ser', a sociedade 'deve ser' isso, 'deve ser' aquilo. E não há coisa que o poder saiba fazer melhor. Sim, a vida deve ser boa, em nome de Deus, em nome de um ideal, em nome da paz, em nome da democracia, em nome do liberalismo, em nome dos aparentemente melhores valores, se fazem sempre as piores coisas. Bush, em nome da democracia, faz o que fez no Afeganistão, no Iraque etc."
Luiz Fuganti

Mais acima falei que a responsabilidade também é dos frequentadores... das próprias vítimas, inclusive.
Isso parece muito polêmico e insensível, mas se formos ver com cautela e lucides... podemos nos dar conta que entrar numa boate entupida de gente e cheia de obstáculos (e lá permanecer) é algo irresponsável. Não averiguar as saídas de emergência e não ponderar (mesmo que as houvesse) se é possível sair desse local com segurança... também.

Aqui não se trata de culpar as vítimas ou, muito menos, de lhes imputar exclusivamente a responsabilidade pelo ocorrido, mas de trazer à luz, por assim dizer, algo que geralmente acontece e permanece "nas sombras": a cidadania e o poder de "tomar a vida nas próprias mãos".

Saindo da boate e indo para as ruas... imaginemos uma pessoa entrar, como caroneiro, num carro que vai ser dirigido por alguém sem habilitação ou... sabidamente e visivelmente alcoolizado. De quem é a responsabilidade se ocorrer algum tipo de acidente? De ambos!
O exemplo parece bobo e desproporcional, mas ajuda a perceber as implicações dos envolvidos... o que, dito de outra forma, corresponde a se perguntar: qual é o meu pedaço nisso? Que responsabilidade eu tenho nisso? Perguntas essas que são cabíveis para todos em todas as situações... da vida cotidiana.

Poderiam os frequentadores decidir por não entrar? Poderiam seus familiares impedí-los de entrar?
Seria possível "sacrificar" uma noite de diversão com amigos e colegas... se negando a permanecer nesse lugar lotado? Se estivesse menos lotada, a tragédia seria evitada?

Que pais têm pleno conhecimento do que seus filhos fazem e para onde vão? Que pais poderiam proibir (ou aconselhar) seus filhos de 18 anos ou mais de (não) irem para a boate? Que pais iriam averiguar as condições de segurança dela... antes de seus filhos a frequentarem?
Quais jovens iriam se negar a entrar e "pagar o mico" de "querer tudo certinho" junto aos companheiros na hora de se encontrar? Poucos, muito poucos... 

É compreensível e humanamente (humano demasiado humano?) corriqueiro colocar a diversão, a companhia, o lazer, o entretenimento... o dizer sim no lugar do (dizer) não, naquele momento, no lugar da vida... 

O que está colocado aqui é essa intrincada teia de nós que nós fazemos com a nossa vida.
Está colocado em evidência a série de perguntas que não nos fazemos e que não nos fazem.
Está colocado a maneira de pensar e viver acríticos com que vamos fazendo as coisas...
Seria ético nos fazermos essas perguntas... e buscar as respostas..
Não fazer isso também é uma tragédia!

É trágico viver!
É trágico morrer!
Pequenas e grandes tragédias acontecem todos os dias e elas mudam seu caráter de pequenas e grandes na dependência de onde focamos nossas lentes para vê-las... lê-las.

Abranger as responsabilidades e relativizá-las é uma maneira de buscar a apropriação da realidade tal como ele se configura e se apresenta (sem, através disso, eximir de responsabilidade a parte que a cada um compete e investigá-las incansavelmente). 

Lembro do bebê recém-nascido que foi achado na lata de lixo.
Lembro da mãe (e do pai) cujo filho se suicidou.
Lembro do dependente químico que, depois de várias internações e tentativas de tratamento, recaiu... ou se matou.
Lembro da idosa atropelada na avenida.
Lembro da guerra no Afeganistão e nos homens (e mulheres) bomba no Paquistão.
Lembro das crianças (homens e mulheres e idosos) morrendo de fome na África.
Lembro da moça estuprada na Índia.
Lembro das perdas que já tive na minha vida.
Lembro das tragédias que acompanho no meu trabalho...

Tudo isso é trágico e não relativiza nem classifica o sofrimento em escalas de menor e maior, mas faz pensar (e sentir) que a vida ainda é o bem maior e que é a ela que precisamos nos apegar (e viver) com tudo o que ela tem de bom e de ruim, por assim dizer.

Um ética que acolhe a auto-implicação nos acontecimentos é uma ética que está em sintonia com a vida.
Uma moral que somente busca a culpa nos outros e elege bodes-expiatórios enfatizando apenas o dever-ser é uma maneira de encarar a vida no que ela tem de sombra e de morte.

Precisamos fazer muito ainda para melhorar a vida nesse planeta!

"Ética é uma capacidade seletiva que a vida tem, uma capacidade de construir filtros, válvulas, que permitem que certos encontros sejam afirmativos e ativos e que os encontros passivos e negativos sejam transmutados. Então a ética é uma capacidade seletiva que liga a nossa existência a nossa própria potência. A ética diz 'ligue a vida ao que ela pode'. A moral diz outra coisa. A moral se funda num dever ser. O dever é primeiro para a moral. Para a ética, a potência é primeira. O dever enquanto princípio fundante dos comportamentos implica uma dimensão separada da natureza, uma dimensão separada da vida, uma dimensão separada da própria potência. A moral reza: a vida deve."
Luiz Fuganti



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Os três textos abaixo, que eu considero muito pertinentes, são de Juremir Machado da Silva e foram transcritos do blog dele no Jornal Correio do Povo de Porto Alegre.

Santa Maria, a negligência como fatalidade

Postado por Juremir em 28 de janeiro de 2013 - Cotidiano
Toda vez que uma tragédia como a de Santa Maria acontece, chocando o mundo, os responsáveis logo falam em fatalidade.
E os laudos falam em sistemas de segurança inadequados ou vencidos.
Há sempre um alvará caduco, um extintor que não funciona, saídas de emergência inexistentes ou trancadas, sinalização deficiente, excesso de pessoas no recinto, procedimentos incorretos e improvisação.
Como usar um sinalizador num ambiente forrado como uma espuma protetora acústica altamente inflamável e capaz de liberar fumaça tóxica?
Os proprietários não sabiam que a banda usaria o sinalizador?
Não sabiam da espuma inflamável no teto?
Não houve uma reunião prévia para falar disso?
A fatalidade tem outro nome: negligência.
A negligência tem uma consequência: responsabilidade.

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Santa Maria: adianta culpar?


Postado por Juremir em 29 de janeiro de 2013 - Cotidiano


Na vida, a gente vê coisas que se repetem e que se sucedem com as estações do ano. As tragédias ditas naturais tendem a ser sazonais. Temos as fatalidades de verão e de inverno: morros que desabam com as chuvas, córregos poluídos que transbordam, casas soterradas, vidas perdidas, insuportavelmente ceifadas cedo demais. Depois do susto e do choque, autoridades esquecem as promessas e a vida segue em frente até a próxima catástrofe. Tem sido assim na região serrana do Rio de Janeiro ou nos alagamentos de São Paulo.
A palavra fatalidade aparece rapidamente na boca de quem deveria rejeitá-la como um insulto ou um desrespeito aos mortos.
Não há fatalidade quando todas as providências não foram tomadas para tentar impedir o pior. Curiosamente sempre tem alguém para condescendentemente relativizar:
– Não adianta buscar culpados.
– Como assim?
– Não vai trazer ninguém de volta.
– E a punição aos responsáveis?
– Não houve intenção. Foi uma fatalidade.
Sim, adianta buscar os culpados. É uma obrigação. Há culpados. Culpar hoje é uma maneira de prevenir o amanhã. Existem crimes dolosos e crimes culposos. Não se pode absolver simplesmente por não ter havido intenção. Os responsáveis são muitos: os proprietários relapsos, a banda imprudente, a fiscalização deficiente. Se o recinto era para mil pessoas, como tem sido divulgado, por que deixaram entrar 1.500 jovens? Se o alvará estava vencido desde o final do ano, como foi possível abrir para uma megafesta? Se só havia uma porta, sem saídas visíveis de emergência, como foi possível ter recebido autorização para funcionar? Se havia espuma inflamável no texto, como proteção acústica, quem permitiu o uso de um sinalizador, um emissor de faíscas, um instrumento pirotécnico?
Todas essas perguntas já foram feitas e continuarão a ser feitas por uma simples razão: continuamos na estupefação e na perplexidade. Como diz a galera, ainda não caiu a ficha. Vamos continuar fazendo as mesmas perguntas por impotência, desespero e ansiedade. Queremos uma resposta convincente. Não aceitamos mais o clichê acintoso da fatalidade. Em quantos lugares a gente vê construções de ricos ou pobres nas encostas de morros? Em quantos lugares a gente vê cultivos em áreas de risco? Em quanto lugares a gente vê estabelecimentos recreativos funcionando visivelmente sem as condições necessárias de segurança? Por quê? Simplesmente porque empurramos com a barriga, burlamos a lei, quando não a subornamos, e acreditamos que o raio não cairá em cima de nós. Quem somos nós?
Aqueles por quem nos tornamos responsáveis.
A noção de responsabilidade coletiva parece, às vezes, neste Brasil ainda pré-moderno em muitas coisas, uma aberração. O interesse imediato joga perigosamente com a calamidade futura. Por toda parte a negligência ri da nossa cara: barcos transbordando de passageiros em inocentes passeios praianos, muitos com coletes salva-vidas em número insuficiente, motoqueiros sem capacete e com crianças na carona zumbindo pelas ruas das cidades, crianças transportadas no banco da frente de carros particulares e por aí vai. Precisamos enquadrar culpados.

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A tragédia de Santa Maria obriga a pensar no futuro


Postado por Juremir em 30 de janeiro de 2013 - Cotidiano


Tarso Genro reuniu colunistas dos principais veículos gaúchos, ontem, no palácio Piratini, para falar da tragédia de Santa Maria. O governador e a presidente Dilma Rousseff tiveram comportamento exemplar deslocando-se prontamente para o local do acontecimento. É assim que acontece em qualquer país decente. Cansei de acompanhar pelo noticiário as viagens de presidentes franceses para prestar solidariedade a famílias enlutadas por avalanches em estações de neve ou acidentes de ônibus. No encontro, achei o governador com um ar visivelmente abatido, sofrido. Esse ar aparece também nos rostos de muitos dos jornalistas que cobriram o episódio. A verdade é que o Brasil continua chocado com o drama da boate na cidade gaúcha. A hora é de apuração das responsabilidades. O passado recente e doloroso precisa preparar o futuro.
Na conversa com os jornalistas, o governador burilou uma frase significativa: “É preciso verificar a cadeia de responsabilidades que se instalou”. Não absolveu de antemão um só elo dessa cadeia. Sustentou que certamente não há causa única nem responsável isolado. O fato de uma parte afirmar que havia condições de funcionamento não quer dizer, argumentou, que, no conjunto, essas condições existissem. Talvez a afirmativa mais forte de Tarso Genro tenha sido esta: “Uma norma nunca pode dizer ‘preferencialmente’, pois já é uma possibilidade de evasão”. Esse “preferencialmente”, como se sabe, aparece na regulamentação das saídas de emergência laterais.
Norma com “preferencialmente” não é lei. É recomendação. Cumpre quem quiser ou quem puder. Rigorosamente falando, “preferencialmente” é uma brecha cinicamente disponibilizada para transformar regra em faz-de-conta. O primeiro a ser punido deveria ser quem escreveu esse “preferencialmente”. Há uma lei que dificilmente encontra anulação: a lei do bom senso. Qualquer lugar destinado a receber centenas de pessoas não pode ter uma única porta. Se a lei permite, ela está errada. Não há revogação para o bom senso. O governador enfatizou que não tem condições de dizer, no momento, se a prefeitura de Santa Maria e Corpo de Bombeiros fazem parte da cadeia de responsáveis pela tragédia. Quer investigação sem complacência e punição impiedosa dentro da lei. Se o Estado tiver de responsabilidade, pagará.
Os niilistas acham que declarações feitas no calor das tragédias sempre acabam esquecidas ou são demagógicas. Aqueles que deitam essas generalizações são, com frequência, os mesmos que criticam os políticos por comparecerem aos locais de sinistros e por não comparecerem. O governador Tarso Genro já tirou uma lição relevante da tristeza que paira sobre os gaúchos agora: a lei precisa mudar. O Estado deve ter papel de corresponsabilidade na fiscalização. A força dos municípios é insuficiente para garantir a segurança de todos. É hora de suplantar clichês como porta arrombada, tranca de ferro. A verdade é outra: somos racionalmente capazes de aprender com o passado. Só reconhecer erros que tiram vidas não basta. A sanção é indispensável.