26 agosto, 2011

O enfadonho ser humano, ou sobre o bípede humano de Florbela Espanca




"...gosto das belas coisas claras e simples, 
das grandes ternuras perfeitas, 
das doces compreensões silenciosas, 
gosto de tudo, enfim, 
onde encontro um pouco de Beleza e de Verdade, 
de tudo menos do bípede humano, em geral, é claro, 
porque há ainda no mundo, graças a Deus, 
almas-astros onde eu gosto de me refletir, 
almas de sinceridade e de pureza 
sobre as quais adoro debruçar a minha".

- Florbela Espanca -



Há momentos que sou partidário do "prefiro os animais" (aos humanos).
Um espécie de cansaço generalizado me invade ao (re)constatar a grande fragilidade do chamado bípede humano pensante, que toma referências ditas "normais" - que nada mais são do que comportamento de massa - para guiar suas atitudes.
Edgar Morin caracteriza, esse aqui chamado bípede humano pela Florbela, como sendo, simultaneamente, homo-sapiens-demens... já que há coexistência de ambos os aspectos em seus modos de proceder... momentos esses, que parecem tirar toda a sua faculdade de pensar e sentir e transformá-lo numa máquina burra, insensível, estúpida, egoísta e enfadonha...

Exemplos disso são:
- a insensibilidade generalizada de muitos quando estão com a mente ocupada com alguma coisa que não o que você está lhes dizendo e que acaba por ter como consequencia grandes mal-entendidos gerados pela falta de atenção e/ou egoismo e medo de escutar o que lhe chega aos ouvidos ou aos olhos.

- as atitudes consideradas politicamente corretas, que se caracterizam por definir regras generalistas e que são socialmente defendidas como sendo de "bom senso" (que palavrinha nojenta") para sustentar posições de massa visando não enfrentar, não polemizar, e não discordar... do que realmente está se passando...

- as piadinhas bestas, infames ou patéticas que muitos fazem para "quebrar o gelo" (outra coisinha nojenta)... no início, no meio, no fim ou em qualquer etapa do "encontro". (Não estou aqui fazendo apologia da seriedade e da falta de humor e de intimidade... já que essas duas coisas nada tem a ver com as ditas piadinhas...).

- a banalização da comunicação, dos vínculos e a inserção de singularidades em quadros gerais de referência, ou seja, tomar como geral o que é particular (e  vice-versa), tomar o que é impessoal como pessoal,  tomar (e tornar) público o que é privado... e assim por diante.

Enfim...
Resta o consolo que nem todos são assim e que as "almas-astros" ainda existem e podem, como de fato o fazem, (re)aparecer e se mostrar a qualquer momento, quando cessa a pasmaceira e a burrice da ocupação in loco e in vitro e dá lugar a ocupação in vivo.



4 comentários:

Kátia disse...

E esse inquieto gauchinho querido ressurge acompanhado da tumultuada e profunda Florbela que transformava os sofrimentos em poesias da mais alta qualidade e de quem mais??? Nosso múltiplo Morin. Que maravilha!!!

Você vive presenteando e deslumbrando seus leitores com uma inteligente e inigualável sensibilidade. Difícil ler você, sempre com escolhas de grande beleza e força, e permanecer na mesma.

Tem uma crônica que diz assim: “Cuidado com os seres que não seguem a ‘boiada da vida’. Cuidado com os seres que seguem na contramão. Cuidado, muito cuidado – ser pensante é perigoso.”. Hahahahahahahahahaha, você é mesmo um perigo para as mentes inoperantes, mas  N I M O!!! As sementes lançadas por você germinam sempre.
.

Cerikky.. Cesar Ricardo Koefender disse...

Caríssima Kátia, leitora-mor desse blog: Satisfação com a sua volta aos comentários e a esse espaço...
As vezes penso que só para você as sementes lançadas aqui germinam, pois poucos são os comentários, ainda que eu saiba que muitos são os visitantes e os leitores...

Essa postagem tentou ser um desabafo e uma crítica ao des-cuido generalizado que vai tomando conta de muitas relações afetivas e inter-pessoais, a ponto de afetá-las irremediavelmente.

Assim, essa falta de acolhimento e de cuidado com as necessidades do outro - e aqui não me refiro a "qualquer outro", mas à aqueles que nos são queridos e importantes, já que não podemos ficar atentos e atendendo demandas de "todo mundo", evidentemente - vai destruindo aos poucos os melhores e mais ternos vínculos.
Se isso acontece com quem queremos bem, o que acontecerá com quem nos é desconhecido ou "indiferente?
Talvez essa pergunta não esteja bem formulada, já que muitas vezes somos MAIS ligados e solidários, atentos e cuidadores até mesmo com quem nem conhecemos, num encontro fortuito, enquanto que aqueles a quem somos próximos e conhecemos caem... na "naturalização" e banalização.

Parece que algumas situações só são bem acolhidas se você fizer um espetáculo, ou seja, exagerar, fazer uma cena e sair gritando e chorando descabelado e desesperado...
Se você for mais sutil ou mais resolvido, o outro cai na tentação de que você encara todas e dai... lhe deixa à míngua: sozinho.
Muito triste esse estado das coisas.

Anyway, danem-se.
E sigamos em frente.Sempre.

Quem não caminha ao nosso lado, que vá para outras direções, não é mesmo?

Por outro lado, o que germina... é o fato de que SEMPRE aparece alguém para estar ao nosso lado, mesmo que esse alguém seja... um anjo, um espírito protetor.

Parece - e isso é um espanto cheio de prazer e muito inusitado - que, quando o outro com quem falamos, não nos acolhe, um outro (que nem estamos contando) aparece, mesmo que esse segundo outro seja a gente mesmo.

Mesmo assim, há algo de solitário nisso.
Well...

Kátia disse...

‘Well...’ esse seu finalmente sempre deixa algo em aberto. Isso é ótimo.

Uma questão fechada dá-se quando já sabemos sua resposta. Sabe, por vezes me sinto tão envolvida pela minha maneira de pensar... E levantar questões abertas obtendo resposta, temos de ser capazes de pensar que nosso modo de refletir pode estar errado. O outro é sempre uma questão semi-aberta, portanto uma tendência mais apaziguadora e razoável, cai bem para que as relações se tornem mais proveitosas.

Well... hahahahahahahahaha!
E então, caríssimo pra mim também?
.

Cerikky.. Cesar Ricardo Koefender disse...

A onipresença da possibilidade do erro - na percepção, no raciocínio, nos pensamentos e sentimentos - é um dos pilares das 5 éticas propostas por Edgar Morin.
É através do acolhimento dessa possibilidade que se instaura a iniciação à lucidez, diz ele.

Questões abertas, fechadas, semi-abertas (eu ainda incluiria... semi-fechadas kkkkkkkkk)... dão pano pra manga.

Assim... não dá pra falar genericamente, mas, eu acho que as questões fechadas o podem ser por algum tempo... depois... pode que se abram, de novo.
Muitas respostas não são definitivas. A maioria delas, penso.

Well... e não to entendêêênnndo a pergunta... no final.

Anyway: a kiss.