03 outubro, 2011

Bastar-se a si mesmo, a solidão e o outro




"Voar era a melhor maneira de pensar, de repensar".

..."reuniram-se no monte Meru, lá onde o cume ultrapassa os céus e se transforma na única parte do mundo que pertence ao outro mundo".

... "nada pode ser exterminado, porque tudo deixa um resíduo, e todo resíduo é um princípio...

"Bramane é quem se nutre de si mesmo".

"Assim que um pouco parece ficar claro, aparece outra questão maior, totalmente obscura".

"Indra se deteve a observá-los e foi tomado pelo riso. Estava embriagado de si mesmo".

"Pensar paralisa", pensou Garuda imóvel no céu".

"Quantos acontecimentos, quantas histórias uma dentro da outra, em cada junção nascem novas histórias..."

"Precisarei de toda a vida para começar a compreender o que vivi". 

"Compreender, entre outras coisas, o que significa eu ser feito de sílabas".

"Sabia agora que aquela solidão, que toda solidão é ilusória, habitada".

... "e então viu que a vasta diversidade de tudo o que vivia, mas sobretudo morria, podia se articular em relações que não se deterioravam"..

... "Que aquilo que me é caro possa voltar a mim... , sussurrou".

"Só a morte, que fazia parte da hereditariedade, era onipresente".

"Vivemos, certamente, na sombra e na desconexão. E certamente o que ocorre na calota de osso que é a nossa cabeça não deixa vestígios sobre a matéria dura, resistente na qual nos movemos. E é certo também que a irrealidade envolve igualmente a nós e às coisas que tocamos, como se fosse o estado normal do ser. Mas se vagamos por esta surda planura, aqui e ali encontramos pontos que vibram como vervos, certos sons que se destacam com nitidez, quase como se tivessem um significado, e de vez em quando uma emoção nos inunda, como se reconhecêssemos alguma coisa. Por que isso?"

"A areia, o silêncio, o murmúrio: são mensageiros do incomensurável".

 "Então conservava a vida com tranquilidade, sem a incumbência de fazê-la existir. Aliviava-o estar misturado aos outros deuses, confundir-se com eles. O último posto ia lhe bem. Agora a vida era um espetáculço que não dependia mais dele. Gostava de assistir a ela, mas sentia ainda todas as juntas doloridas cada vez que era tocado pela asa de um desejo".

Fragmentos de Ka, cap 1 e 2, de Roberto Galasso




- Você acha mesmo que é possível bastar-se a si mesmo?

- Já disse alguém que quem faz uma pergunta possui em si os elementos para respondê-la.

- Quero saber a SUA opinião!

- E eu a SUA! E nem me venha com esse papo de "perguntei primeiro".

- Tá bem: eu acho que sim: em muitas ocasiões é possível bastar-se a si mesmo e SEM QUE isso seja narcisista, ou como querem muitos... narcísico.

- É o mesmo que eu penso. Acrescentaria que nessas "muitas ocasiões" incluem-se momentos que desconhecemos.

- Como assim? Como por exemplo, quando queremos a compamnhia de alguém e não a temos?

- Sim ou quando ACHAMOS que queremos a companhia de alguém. E aqui considero que "alguém" pode ser qualquer um... ou até mesmo aquele alguém especial, insubstituível...

- Você disse que ninguém é substituível!

- Sim e, simultaneamente, TODOS são substituíveis.

- Não faça parábolas dialógicas (ou, mais precisamente nesse caso) diabólicas...

- Você entendeu perfeitamente que, quem são substituidos, são os fragmentos plurais e/ou singulares que compõe aquela companhia... sensações do outro que não é o outro... em nós.

- Um deslocamento?

- Não: uma diferença!

- Seja mais claro!

- Você quer algo DE ALGUÉM  e não pode ter naquele momento (ou em momento algum!), então você tem algo de outro alguém (ou de si mesmo)... um fragmento. É uma diferença em relação ao original, mas é uma semelhança (ainda que diferente) do possível. 

- Você continua me fazendo pensar em deslocamento ou substituição.

- Mas não é como a vela que substitui a luz eletrica (e eu sei claramente que você percebe as diferentes sensações e climas e sentidos e efeitos que uma e outra despetam em você). é algo como ... quando você acende velas mesmo quando tem a luz elétrica, entendeu? Não é preciso "terminar a luz" ou desligá-la para acender velas...
É quando você ascende às velas!

- Muito enrolado, mas eu sei - e já vivi isso - que podemos nos bastar a nós próprios... mesmo quando queremos, necessitamos, precisamos do outro.

- Pois... cada uma dessas palavras que você usou, "queremos, necessitamos, precisamos" encerra em si uma complexidade sigular.
O grande paradoxo é que somos sós (ou estamos), embora não estejamos, pois SOMOS sempre acompanhados: essa solitude é povoada.
Mas, quando estamos - fisicamente - sozinhos e queremos a companhia - física, que pode ser só A Voz, por exemplo - do outro e não a temos, precisamos aprender a (com)viver com isso e viver sem isso... (risos)

- Sim, somos cheios de fragmentos e cheios de completudes. As vezes somos só nós próprios; noutras, só o outro. Mais frequentemente, ambos...

- Seja como for, podemos bastarmo-nos a nós próprios, mesmo sabendo que não podemos - jamais - prescindir do outro. E ainda tem mais uma coisa: é muito bom não ter que criar a vida (ela se cria e se faz por si só), ainda que estejamos constantemente criando-a... Mas... sentir-se responsável (ou ser responsabilizado) por tudo que a habita... é outro papo. Observar a vida enquanto se a vive é muito bom!
Esfriou. Vamos tomar um chocolate quente?

- Já! Sozinhos ou um na compamnhia do outro?

- Ambos, juntos e separados... 

- ( Risos) Certo!

(De "Conversas atômicas na Escola Superior de Magia. p. 2011)


2 comentários:

Kátia disse...

Meu taxímetro ultrapassou aos 300 em cada trecho por você destacado do livro de Roberto Galasso. Tantas reflexões... tantas. Em meio à correria do cotidiano, é preciso parar e refletir sobre o real sentido de tudo aquilo que fazemos, pensamos... Certo estava Sócrates quando afirmou: “uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida”.

Os papos do mago com seu aprendiz me deixam maravilhosamente louquinha.
“Sozinhos ou um na companhia do outro?
- Ambos, juntos e separados...”
Ó que sapiência! Um delicioso modo de viver com o outro. Em circunstância nenhuma, deve haver o aprisionamento de um pelo outro, mas apenas uma cumplicidade absurdamente variada de doações, trocas e renúncias, para que um seja a alegria gostosa e aconchegante do outro.
.

Cerikky.. Cesar Ricardo Koefender disse...

Estimulante seu comentário e, também, desafiante, já que, parar é fundamental e possível para aqueles que, como nós, desejam, querem, sabem e não tem medo das reflexões questionadoras, mas, minha "caríssima leitora" - gostou dessa? -
o maior desafio está em pensar e refletir SEM PARAR... durante a correria do cotidiano propriamente dito.

Notou que tem uma dobradinha nesse sem parar?
Só me dei conta depois que reli... hahahaha

Deixei assim mesmo para que... enfim, não paremos... rsrsrs