05 setembro, 2010

O destino e a criação: temas de Odrade e Murbella em As Herdeiras de Duna





Quando se pensa em tomar nas mãos a determinação de seu destino, esse é o momento
em que se pode ser esmagado. É preciso cautela. Levar em conta as surpresas. Quando
criamos, há sempre outras forças em ação.
- Darwi Odrade



"Estou sofrendo, Dar. ...

"Ocupamos nichos diferentes. As dores que senti não são as suas dores. 
Minhas alegrias não são as suas."

"Não quero sua compreensão! Ohh, Dar! Por que nasci?"

"Você nasceu para perder Duncan?"

"Dar, por favor!"

"Então você nasceu e agora sabe que isso nunca é suficiente. 
Então se tornou uma Honrada Madre. Que mais podia fazer? 
Ainda não é suficiente? Agora você é uma Reverenda
Madre. Pensa que basta? Nunca será suficiente enquanto viver."

"Está me dizendo que devo sempre ir além de meus limites."

"Ora! Não se tomam decisões nessa base. Você não o ouviu? Não pense; faça-o. 
Você vai escolher o caminho fácil? Por que deveria sentir-se triste quando encontra o inevitável? 
Se é tudo o que você pode ver, limite-se a aperfeiçoar a raça!"

"Maldição! Por que fez isso comigo?"

"Isso o quê?"

"Fez-me ver a mim e às minhas antigas Irmãs desse jeito!"

"Que jeito?"

"Com os diabos! Você sabe o que quero dizer!
"
Antigas Irmãs, você disse?"

"Oh, você é traiçoeira."

"Todas as Reverendas Madres são traiçoeiras."

"Você nunca pára de ensinar!"

"É isso que eu faço?"

"Como eu era inocente! 
Perguntar a você o que faz realmente."

"Você sabe tanto quanto eu. 
Esperamos a humanidade amadurecer. 
O Tirano apenas lhes
deu tempo para crescer, mas agora precisam de cuidados."

"O que o Tirano tem a ver com a minha dor?"

"Que mulher tola! Você fracassou na Agonia?"

"Sabe que não."

"Pare de tropeçar no óbvio."

"Cadela!"

"Prefiro bruxa. Qualquer das duas é preferível a prostituta."
"A única diferença entre a Bene Gesserit e as Honradas Madres é o mercado. 

Vocês se casaram com a nossa Irmandade."

"Nossa Irmandade?"
"Vocês se reproduziram pelo poder! No que isso é diferente de..."

"Não distorça os fatos, Murbella. Mantenha os olhos na sobrevivência."
"
Não me diga que você não tinha poder."
"
Uma autoridade temporária sobre as pessoas com o propósito de sobrevivência."
"
Sobrevivência novamente!"

"Numa Irmandade que promove a sobrevivência dos outros. 
Como a mulher casada que
dá à luz crianças."

"Então isso se reduz à procriação."

"Essa é uma decisão individual: a família e o que a cerca. 
O que deleita a vida e faz a felicidade?"

Murbella começou a rir. Deixou cair as mãos e abriu os olhos, 
dando com Bellonda que estava lá, observando.

- É sempre uma tentação para uma nova Reverenda Madre-Bellonda disse. 
- Bater um papo com a Outra Memória. Quem era desta vez? Dar?
Murbella as sentiu.
- Não confie em nada do que elas lhe dão. É um conhecimento, e você deve julgar por si.
"Exatamente as palavras de Odrade. Olhe para as cenas há muito vividas através dos
olhos dos mortos. Que espreita notável!"
- Você pode perder-se aí por horas seguidas - Bellonda disse. - Procure restringir-se.
Esteja certa de onde pisa. Uma mão para você e outra para o barco.*
(* A expressão em inglês One hand for your self and one for the ship
 tem como correspondente em português
"Um olho no padre, outro na missa". (N. da T.))

Aí estava de novo! O passado aplicado ao presente. 
Como a Outra Memória tornava rica a vida cotidiana.
- Isso passa - Bellonda disse. - Torna-se um chapéu velho depois de um tempo. - Ela pôs
um relatório em frente de Murbella.
"Chapéu velho! Uma mão para você e outra para o barco. Tanta coisa certa nas
expressões."

Murbella recostou-se na cadeira linga para examinar o relatório de Bellonda, imaginandose
de repente na expressão de Odrade: "A Rainha Aranha no centro de sua teia." A teia podia
estar um pouco esfiapada nesse momento, mas ainda estava lá, para agarrar as coisas a serem
digeridas. Bastava um sinal de disparo e lá vinha Bell correndo, as mandíbulas mexendo-se
com antecipação. As palavras de arranque eram "Arquivos" e "Análise".
Vendo Bellonda sob essa luz, Murbella percebeu a sabedoria nos métodos em que Odrade
a tinha empregado, as falhas tão valiosas como os pontos fortes. Quando Murbella terminou
o relatório, Bellonda ainda estava lá, de pé, numa atitude característica.
Murbella reconhecia que Bellonda considerava todos os que a convocavam como pessoas
que não estavam à altura, que apelavam para os Arquivos por razões frívolas e tinham de ser
postos nos eixos. Frivolidade: a bête noire de Bellonda. Achou isso divertido.





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