O dia desce. Sobre a infinitude que se anuncia, o sol desmaia. Pobre
sol... De seu corpo esmigalhado, pesam-lhe os olhares que a humanidade
lavra, massacram-lhe os passos que lhe ferem de sonho e espera. Não há
piedade entre os seres: estes...
lhe encravam a dor do dia- a-dia, impõem-lhe partos na superfície gelada dos desencontros, desferem-lhe cicatrizes sobre a pele que a noite aos poucos toma para si feito um filho roubado; de seu dorso a dor se espalha em alaranjada esperança, sina que se segue avermelhada e se esfumaça nesse horizonte cheio de rugas, selado de mitos, cravado de mágoas.
Vertigem do sol: lenta sua ancoragem na dura aquiescência da cidade coberta de sombras endurecidas onde prédios desatam um horizonte desafinado. Mas pensa consigo: "é preciso estar lá", ainda que vítrea a paisagem; ainda que, por sobre as brevidades, as cóleras e as pragas lhe destronem das glórias que tantos e em tantas eras lhe dedicaram, pois sabe que quem carrega um ventre de raios há de lançar lampejos de vida sobre seus filhos desenganados, mesmo que injusta a estiagem quando a luz se apaga e parca a existência que pede algumas gotas mais de história goela abaixo. Supõem-lhe que renascerá na calada da noite, quando, sobre o solo de outros lugares, desenterre a si próprio e, enfim, retome o posto e renove o rosto dos que padecem em seus tristes quartos. Supõem-lhe a continuidade, ainda que o fardo de seu corpo de febres incansáveis nos desfaça, porque nos é belo ao olhar o seu cansaço, cuja carne envidraçada espera-se que não se estilhace e que não percamos sobre seus cacos nosso fôlego diário ou que nos reste apenas a lembrança de inesperado risco, torto e vago, de suja presença e dissonância no espaço. Assim nasce o pôr do sol sobre os vidros de uma janela de hospital.
( Texto de Carlos Tenreiro)
05/09/2012
lhe encravam a dor do dia- a-dia, impõem-lhe partos na superfície gelada dos desencontros, desferem-lhe cicatrizes sobre a pele que a noite aos poucos toma para si feito um filho roubado; de seu dorso a dor se espalha em alaranjada esperança, sina que se segue avermelhada e se esfumaça nesse horizonte cheio de rugas, selado de mitos, cravado de mágoas.
Vertigem do sol: lenta sua ancoragem na dura aquiescência da cidade coberta de sombras endurecidas onde prédios desatam um horizonte desafinado. Mas pensa consigo: "é preciso estar lá", ainda que vítrea a paisagem; ainda que, por sobre as brevidades, as cóleras e as pragas lhe destronem das glórias que tantos e em tantas eras lhe dedicaram, pois sabe que quem carrega um ventre de raios há de lançar lampejos de vida sobre seus filhos desenganados, mesmo que injusta a estiagem quando a luz se apaga e parca a existência que pede algumas gotas mais de história goela abaixo. Supõem-lhe que renascerá na calada da noite, quando, sobre o solo de outros lugares, desenterre a si próprio e, enfim, retome o posto e renove o rosto dos que padecem em seus tristes quartos. Supõem-lhe a continuidade, ainda que o fardo de seu corpo de febres incansáveis nos desfaça, porque nos é belo ao olhar o seu cansaço, cuja carne envidraçada espera-se que não se estilhace e que não percamos sobre seus cacos nosso fôlego diário ou que nos reste apenas a lembrança de inesperado risco, torto e vago, de suja presença e dissonância no espaço. Assim nasce o pôr do sol sobre os vidros de uma janela de hospital.
( Texto de Carlos Tenreiro)
05/09/2012
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