"Há pessoas que nunca participam. A vida lhes acontece. Dão um jeito de arranjar-se
com pouca coisa além de uma cega persistência, e resistem com raiva ou violência a tudo
que poderia afastá-las das rancorosas ilusões da segurança.
-Alma Mavis Taraza"
"A compreensão imediata é geralmente uma resposta-reflexo, e a mais perigosa forma de
entendimento. Lança uma tela opaca sobre a capacidade de aprender. Os precedentes de
julgamento da lei funcionam desse modo, atulhando o caminho de becos sem saída. Fique
de sobreaviso. Não entenda nada. Toda compreensão é temporária.
- Fixe Mentat (adacto)"
(Duna. volume VI)
- Depois que se aprende a resistir ao irresistível,
obtém-se um poder que transcende as palavras!
- Não acredito nisso. Sei que você pode usar delas
para descrever ISSO que diz ser transcendental...
logo você que vive falando em IMANÊNCIA!.
Já fez isso noutras ocasiões.
- Como posso dizer?
- Esforce-se.
- Entrar nos portais do autoconhecimento (SÓ PARA USAR UMA PALAVRA EM VOGA E BEM RECONHECÍVEL).
Saber, NO SENTIDO DE IDENTIFICAR, CONHECER, PERCEBER, SENTIR seus pontos fracos, fortes, vulnerabilidades..
Aceitar e ponderar... com a mente E com o coração,
sobre as razões e motivos últimos, intermediários e iniciais
que o levaram aos fatos que se tornaram irresistíveis
E... APREENDER A RERSISTIR a eles e obter algum controle e poder de decisão.
- Papo de aluno do mago.
- Vai começar de novo com as provocações?
Você ainda não apreendeu.
Vá estudar sobre "A Esfinge"e (se) experimentar mais...
- Já li esses textos várias vezes!!
- Ler não é sinônimo de assimilar. Por vezes se faz necessário retomar as leituras mais tantas e tantas vezes.
Você é muito suscetível, não ao outro, mas a si próprio.
- Odeio você quando está assim afiado.
- Mentira. Ama-me.
- Está bem, pode ser.
Mas, diga-me: por que gosta tanto de falar no tal do irresistível se,
aparentemente, veja, estou dizendo aparentemente, já aprendeu a resistir a ele?
- Uma boa pergunta. Porque o irresistível bate a nossa porta...
- Nossa... ou sua?
- Nossa, mas,ok, talvez eu seja mais... sensível (?) às investidas dele, já que muito me atraio pelo (que é ou está) enigmático, misterioso, difícil de elucidar.
Esse "decifra-me ou te devoro" tem algo de ... poder, malícia, jogo, mentira-verdade, atração magnética, invisibilidade... que me é deveras sedutor.
O propósito mesmo da sedução me seduz. É algo inerente ou, se você preferir, já que fez menção a isso, imanente.
Seduzir-se e seduzir e ser seduzido estão em planos de imanência, um para com os outros.
- Não acho que você seja assim tão sensível (?).
Acho que é um exagerado e... vive querendo voltar a assuntos, interminavelmente.
Tem gosto pela polêmica.
- Parece uma acusação.
- É mais uma... provocação.
- Depois sou eu que gosto de polêmicas.
- Eu não as vivo. Só as penso.
Talvez essa seja a nossa diferença.
- Então está se contradizendo.
- Como assim?
- Faz pouco dizia que sou exagerado e não, sensível...
- É você quem vive falando em contradições, complementaridades e em dialógicas.
- Não se esquive da contradição. Esse é o primeiro passo para vê-la como realmente é: uma condição de existêcia. Da existência humana.
- De novo com as palavras grandiloquentes do mago.
- Até parece que você não é aluno dele.
- Discípulo!
- Esta também é uma diferença entre nós. Eu aprendo e transformo o que ele me ensina amavelmente.
E você reproduz. Quer técnicas, rituais, poções, receitas.
- Está insinuando que não tenho inteligência criativa?
E que sou dependente de textos-fórmulas?
- Não, estou afirmando...
Afirmando que você é um “cético pragmático".
- Começo a me sentir ofendido.
- Sinta-se. Qual o problema com isso? É muito para o seu Ego?
- Se eu fosse cético não estaria numa escola de magia.
- Você sabe tanto quanto eu que esse é um “eufemismo” para caracterizar formas diferenciadas de se aproximar do conhecimento, da sabedoria, do entendimento... de sensibilidades outras que emergem...
- Muito vago pro meu gosto.
- É porque você não gosta de filosofia, embora adore o confronto (risos). E você também não gosta muito... das artes.
- Falta só me chamar de burro e analfabeto. Iletrado, seria melhor! Combinaria mais com você...
- Essa é uma das suas formas de dizer "decifra-me ou te devoro". Gosta de seduzir... provocando-me e se vitimando, formas associadas de me manter nessa conversa. Um ganho secundário?
- Não sou histérico (sei que você preferiria "histriônico") para obter ganho secundário.
- E não precisa ser.
- Sabia que ia dizer isso!
- Claro, você já me conhece bem.
- Ok, mas voltando...
É ganho primário... (risos)
Porque ambos temos gosto por conversas ácidas, intermináveis, retomáveis, questionantes, enfim...
Ambos temos o gosto desenvolvido para questões pouco comuns. Não que o mais ordinário e comum dos homens não os passa ter, também, claro.
- Claro.
- Voltando ao irresistível.
Como e onde acha que ele bate tanto assim às nossas (sempre abertas?) portas?
- Você sabe que o desejo é produzido, fabricado, modelado...
- Sim, na e pela mídia. Nas relações sociais, amorosas, profissionais, familiares...
- Novos produtos sempre sendo renovados e criados. Tecnologia que fica obsoleta em questão de meses; roupas e acessórios exóticos, oficiais, informais, profissionais de todos os tipos; jeitos de viver, amar, trepar, falar, comer, correr, andar... até mesmo respirar... há cada vez mais gurus e pseudo-gurus falando sobre a importância da respiração CORRETA... para oxigenar o sangue, purificar os pulmões, não sobrecarregar o coração...até a os médicos já incorporaram esse tipo de jargão.
- Isso sem esquecer dos radicais livres...
- Sim, e da importância de exercícios físicos para uma vida saudável e com qualidade de vida...
- Estamos constatando? Debochando? Ambos? Ou o quê é mesmo que estamos fazendo? (risos)
- Estamos verificando como não existe liberdade nas "coisas da vida" e como as liberdades podem furar essa “vida das coisas” quando aprendemos a r e s i s t i r.
- Resistir como sinônimo de aguentar sem-essas-coisas. Uma resistência política e não psicanalítica!.
- Ok. Um... outro... poderia dizer "mas eu não posso mais viver sem meu computador e a internet."
- Eu diria: nem eu! (risos)
Mas, veja, nem por isso preciso - preciso - ter orkut, facebook, twitter, MSN e mais outras das dez novas redes sociais que estão sendo criadas quase mensalmente.
Também não preciso do celular de última geração, nem ir à academia para caminhar (caminhar!). Também não preciso assinar cinco jornais e mais cinco revistas e escutar os telejornais (trágico-cômicos) em outras tantas emissoras para estar "atualizado" e ter "assunto" para falar com as pessoas.
- Deixa-me continuar... também não preciso trepar cinco (cinco? Sete!) vezes por semana para ME certificar de que ainda sou potente e que minha mulher, amante, namorada, companheira não vai me abandonar e trocar pelo primeiro "tanquinho" que aparecer pela frente...E para, além disso, provar a ela que ainda sou o ... galo? Homem:? Tal?
(Uma pausa agora: sabe que ouvi dizer que as garotas de 14 a 17 anos, tipo, chegam nas festas e levantam a camiseta dos garotos DESSA MESMA IDADE para ver se tem tanquinho? Se não tiver... tá fora do mercado de desejo e atração (da moda). E eles, por sua vez, os garotos, dizem que dá o maior trabalho fazer o tal tanquinho e que, basta três a quatro meses sem praticar na academia ... e o tal tanquinho... desaparece... vira... máquina de lavar roupa.... (risos)
Ahhh e a mulher também não precisa ter orgasmo todas as vezes para SE certificar que não é reprimida, frígida (eta palavra horrível essa!), antiga, desatualizada... enfim e que seu homem, companheiro, amante, namorado vai trocá-la por uma poposuda, mulher melancia, melão, uva, cereja...
- Pela cereja eu trocaria. Mas. como é mesmo a mulher cereja?
- Deve ser baixinha, vermelha do sol sem protetor e seca. De suculenta e gostosa, só na sua fantasia.... (risos)
Mulher jaca... ah não, jaca não dá... enfim... mulher fruta qualquer coisa.
- Ou seja, veja de quantas maneiras o irresistível bate à nossa porta. Imagine não receber uma ligação ou uma mensagem de texto durante TODO UM ETERNO E INTERMINÁVEL final de semana. É morte (psíquica e social) certa.
Ou depressão. Daí para um diagnóstico de bipolar falta pouco.
- Claro. Cada época histórica provoca e produz seus transtornos psíquicos, próprios e peculiares.
- Quais seriam os de hoje?
- Transtornos de humor, sendo a depressão e o transtorno bipolar "o máximo".
As fobias, os transtornos (esteticamente produzidos) ligados a alimentação, tipo, anorexia e bulimia e os inegáveis transtorno de atenção (DDA) e hiperatividade.
Pobres crianças. Crescem e convivem com pais sem pausa e stressados...
- E, muito bem lembrado! O stresse, ou stress, in inglish... outra das doenças da moda e dos tempos correntes.
Não se vê mais histéricas e obsessivos como nos tempos do Dr. Freud e seus seguidores?
- Claro que sim, mas ter TOC, o novo nome que designa Transtorno Obsessivo Compulsivo... não dá ibope. O sofrimento e as características desse sofrimento psíquico são... muito... chatos... as pessoas evitam esses malas... pois são muito... indecisos, ruminantes, ritualísticos, rígidos de personalidade... comportados! Enfim... não é possível se relacionar com eles... (risos)
- Não mais te aguentando...
- (Risos) Sim, "a perigosa lucidez" tem algo de insuportável... e de insuperável, já que, nesse segundo sentido, ficamos MENOS à mercê dessas forças capturantes e engessantes de ... ser diferente e estar diferente disso tudo... melhor dizendo... de tentar, mesmo que minimamente, buscar algumas diferenças na maneira de viver a própria vida.
- Também podemos falar sobre as drogas, o crack e as dependências químicas.
- Sim, outras doenças socialmente produzidas (apesar das descobertas sempre inéditas das neurociências)...
- Estou sentindo uma crítica aí? Uma ironia?
- Não, está assistindo a um "assinalamento".
- Você se saiu muito bem dessa. Politicamente correto!
- Prefiro politicamente verdadeiro, mas nem sempre dá para sê-lo, não é mesmo?
- Sim, uma das contradições.
- Exatamente.
- Também tem as psicoses, os surtos...
- Esses estão em franca decadência, quando comparados estatisticamente e clinicamente com os "quadros nosológicos" que falamos antes... apesar do número de assassinatos e crimes passionais estarem aumentando exponencialmente.
- Saúde mental, sociedade, e violência: um estudo transdisciplinar. Deu o nome de um curso... (risos)
- Que teria muitas horas de duração.
Mas podemos falar sobre isso outra hora. O que acha de tomarmos um café EM SILÊNCIO?
- Acho uma excelente idéia.
- Então vamos.
- Ahhh, mas café à essa hora? Acho que vou tomar um chá descafeinado, senão não durmo mais!
- Acabou de fazer exatamente o que estávamos falando, ou melhor, questionando e criticando...
- Mais uma contradição? Não se preocupe. Somos humanos!
Mas não humanos demasiadamente humanos. Já somos um pouco... outra coisa. (Risos)
Vamos.
- (Risos) Vamos. Um no chá e outro no café. Talvez eu também vá de chá. Você me contamina. (risos)
- Ainda bem, sinal de que somos e estamos vivos e abertos.
- Só para não perder a prática, deixe-me citar uma trecho de Duna. Volume III:
"Eu lhes dou o camaleão do deserto, cuja habilidade em se confundir com o terreno
lhes revela tudo o que precisam saber a respeito das raízes da ecologia e dos
alicerces de uma identidade pessoal.
Livro de Diatribes, das Crônicas de Hayt"
- Bárbaro. Deixe-me citar-lhe outra:
"Para conhecer bem uma coisa, teste seus limites. É somente quando forçada além da
tolerância que se revela sua verdadeira natureza.
- O Código Amtal
Não se apóie apenas na teoria quando sua vida estiver em jogo.
- Comentário Bene Gesserit"
- E, para finalizar, mais uma. Essa é pra matar:
Um princípio básico guia a Missionária Protectiva: instrução propositada das massas.
Isso é baseado firmemente em nossa crença de que a finalidade de um argumento deve ser a
de mudar a natureza da verdade. Nessas questões, preferimos o uso do poder ao da força.
-O Coda
(Duna. Volume VI)
- É o que estamos vivendo. É o que a mídia faz.
Não só a mídia oficial, de fora de nós. Mas a a que já entrou em nós também.
E essa é a mais perigosa, porque é acrítica e tem medo de pensar, questionar... enfim...
Que horror.
Vamos ao café, ou chá. Chá, talvez.
(De "Conversas de Iniciados do grau sétimo." p. 235)