07 outubro, 2010

Esquerda e direita e Cervejão Tiririca, por Juremir Machado da Silva



Esquerda e direita

A direita brasileira adora afirmar que não há mais direita e esquerda. Imediatamente passa a criticar a esquerda. Conclui-se que no Brasil só haveria esquerda. A direita se vê como não ideológica, a pura expressão da verdade. Nos Estados Unidos seria o contrário: há direita, mas quem é mesmo a esquerda? Na Alemanha, todo mundo quer ser de centro. Na França, direita e esquerda designam-se como tal. Um parlamentar, na televisão, diz: "Nós da direita...". Em Israel, direita e esquerda representam projetos cristalinos. A campanha eleitoral brasileira revelou que o Brasil tem direita e esquerda bem definidas: PSDB e PT. Tem também extrema-direita e extrema-esquerda: Dem, PP, PSol, PSTU, PCO. Também não falta centro (direita ou esquerda): PTB, PMDB, PV, PDT.

Apenas dois partidos têm projetos nacionais: PT e PSDB. O PMDB oscila entre eles de acordo com as conveniências, com ligeira inclinação à esquerda e grande inclinação para os cargos. Os tucanos, ao firmarem pacto com o Dem, resvalaram para o discurso reacionário típico da UDN dos anos 1950. O último governo de Getúlio Vargas, que acabou no suicídio do presidente, foi de centro-esquerda. Não havia Bolsa-Família. Mas Getúlio assinou um aumento de 100% para o salário mínimo e criou a Petrobras, frustrando os interesses de multinacionais e de seus parceiros nacionais. Restou para a direita o discurso "moralista" contra a corrupção. A Tribuna de Imprensa, de Carlos Lacerda, era a Veja da época. O Estado de S. Paulo era o Estadão conservador de sempre.

A corrupção sempre deve ser denunciada. Impiedosamente. Pode-se, no entanto, perguntar: quando termina a denúncia e começa a campanha política disfarçada de jornalismo investigativo? O truque consiste em transformar o que é pontual em total. Converte-se um sinal na pele em sintoma de uma metástase. Já ouviram falar em metonímia? É uma figura de linguagem pela qual, segundo o Aurélio, entre outras coisas, a parte pode representar o todo. Direita e esquerda usam esse mesmo recurso: se a parte sabe, o todo sabe. Se a parte está contaminada, o todo também. Em geral, é pura inferência. Como dizia Balzac, para a imprensa tudo o que é provável (verossímil) é verdadeiro. Os fatos nem sempre concordam.

A direita brasileira recusa-se a assumir-se como direita. De quebra, tenta convencer a esquerda a negar-se. O PSDB bem que podia dar um bom exemplo e admitir que se tornou de direita. É legítimo. Essa conversa de que esquerda e direita são termos e expressões ultrapassadas está ultrapassada. Foi um golpezinho retórico dos anos hegemônicos do neoliberalismo. Caducou. Fez parte de uma guerra ideológica e de marketing. Todo tucano adora pensar que é racional e que só o seu adversário tem ideologia. Os tucanos acham que as ideias dos outros são opiniões, enquanto as suas seriam constatações. Há petistas, por seu turno, que gostam de imaginar que têm projetos, enquanto os outros só teriam interesses. A eleição foi categórica: esquerda e direita em confronto.

PORTO ALEGRE, QUINTA-FEIRA, 7 DE OUTUBRO DE 2010


Abaixo fragmento do texto publicado por Juremir hoje, dia 8/10/2010, no mesmo jornal:

Cervejão Tiririca

Uma campanha eleitoral nem sempre tem muitos pontos altos. Baixos não faltam. Tiririca foi o que de pior essa eleição produziu. Elegeu-se arrastando uma penca de parasitas. Depois de muito refletir e pesquisar, descobri quem votou no palhaço: os bebedores de cerveja retratados nas propagandas da televisão. É o maior e mais barrigudo colégio eleitoral brasileiro. São aqueles caras que adoram uma "sacanagem" e admiram publicidades grotescas em que um cara aparece rebolando só de cueca ou passando trote no amigão. Não foi voto de protesto, mas voto do cervejão, ão, ão, ão. Só para "empulhar" o sistema. Uão!

Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br

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