Como resposta a uma pergunta que fiz, recebi o que segue abaixo.
Um relato claro, objetivo e elucidador
de alguém que está perto dos locais
onde a tragédia e os desabamentos ocorreram
no Estado do Rio de Janeiro.
Parece-me que informa mais do que horas e
horas de noticias nos tele-jornais, já que esses,
tão preocupados com alguns detalhes perdem a visão "do todo"
e, tão preocupados em repetir cenas e informações, acabam
por saturar muitos e confundir outros tantos. Resultado: banalização
sub-informação e desinformação.
Cansaço.
.Boa noite querido amigo.
(omitido)
...a área mais atingida foi mesmo
na saída da cidade rumo à Friburgo, e no lado oposto,
saida pra Itaipava , Petrópolis, ficamos no meio da turbulência.
Os bairros atingidos, foram devastados, nada sobrou, nada mesmo...
horrível, triste demais, de repente a cidade
se vestiu de corpos e mais corpos, coisa que eu só havia visto em filmes,
Igreja e Faculdade eram onde se faziam as necrópsias,
camionetes cheia de corpos não paravam de chegar
ao centro da cidade. De inicio os dois hospitais estavam até com
seus atendimentos normais, sem tumúlto,por que as vitimas eram fatais,
os poucos que chegavam com vida, logo morriam com infecção...
a cidade passou a enterrar seus mortos dia e noite, muito triste meu caro.
Com o passar dos dias a cidade foi tomada por um cheiro forte,
falta de água, comunicação precária
e preços abusivos de material de limpeza e água.
Agora, graças a Deus, a rotina está voltando,
a cidade chora as perdas, que não foram poucas.
... (omitido)
meus filhos não puderam se ausentar da cidade,
foram convocados pela faculdade pra ajudar nos postos
de saúde da cidade , pois agora a população sofre
com as doenças causadas pela enchente.
Ia esquecendo...há mtos desabrigados
e muitas crianças ficaram sozinhas, sem família,
mto triste e preocupante, mtos desaparecidos também.
Os animais andam sem rumo, stressados, famintos...
(omitido)
Bj e obrigada
Tenha bons sonhos
Se a mídia consegue acionar as pessoas de
diferentes locais para enviar doações: maravilha. Ótimo.
Essa mesma mídia, no entanto, por excesso e por falta - simultaneamente -
de informações, acaba por desencadear diferentes tipos
de sofrimento psíquico...
Sentimentos de culpa, identificação assimétrica
(com outros tipos de tragédia não
veiculadas em rede nacional),
preocupação obsessiva com
a possibilidade de ocorrências semelhantes,
idéias de perseguição referendadas por presença
e ênfase e por ausência e ênfase de determinadas
informações... assim por diante.
Mas, o que mais se observa nos comentários,
no exercício da clínica e FORA dela, é que
muitas pessoas entram em grande sofrimento psíquico
porque fazem coisas e possuem coisas que essas vítimas
das tragédias já não podem mais...
sentem-se culpadas por ter e ser...
o que eles, as vítimas, não são e não tem... mais.
Dentre outras coisas, já citadas acima e omitidas aqui, porque
desnecessárias, escrevi para ela, a minha amiga:
Daqui do Sul, dizem, saiam milhares de toneladas
de doações de vários tipos.
Agora a solicitação é de material de limpeza
(geral e pessoal) e água mineral.
Dizem também que há entraves naturais
(estradas e acessos ainda fechados e coisas assim...)
e burocráticos para o recebimento das doações.
Em Sc também estão sofrendo com os deslizamentos.
Aqui no RS tem várias cidades declarando estado de emergência
Em Sc também estão sofrendo com os deslizamentos.
Aqui no RS tem várias cidades declarando estado de emergência
com chuvas, em excesso por um lado, e seca e estiagem, por outro.
Sinal dos tempos... planeta superpovoado, populoso,
Sinal dos tempos... planeta superpovoado, populoso,
agressões a natureza... enfim...
e ainda desastres naturais.
Há dados que dizem que mais vitimas morreram
Há dados que dizem que mais vitimas morreram
no Rio do que no terremoto do Chile.
Um horror.
Um horror.
Além do horror que é POR SI SÓ...
ainda há o horror fabricado e repetido.
A comoção que toma conta das pessoas tem como
base a própria repetição dos fatos (pela mídia) e os novos casos...
que vão surgindo e o próprio mecanismo de EXPIAÇÃO das culpas -
coletivamente tomadas - como forma de se sentir aliviado.
Noutras palavras...
se alguém se sente culpado
por "mil" outros motivos
que nada tem a ver
com o que aconteceu no estado do Rio,
esse "alguém - milhares de pessoas - pode sentir-se
menos mal e menos culpado
por fazer doações solicitadas pelas (mesmas)
instituições e poderes dominantes:
a mídia, a Igreja, o Estado a familia.
A sociedade não é um
órgão, fenômeno ou entidade abstrata.
A sociedade é cada um e todos os brasileiros,
NÓS somos a sociedade!
Assim, muitos brasileiros se equilibram
entre a solidariedade e a expiação da culpa.
Um delicado equilíbrio.
A mesma sociedade
que pune,
que preconiza e estimula a lei de Gerson
(levar vantagem em tudo),
que tolera e absolve a corrupção
e essas coisas...
é a sociedade
que ajuda e se solidariza
e é, simultaneamente...
culposa-culpante-culpabilizadora.
Um fenômeno muito complexo e difícil
que absolutamente não tenho condições de desenvolver aqui.
Meu forte desejo de que as
doações cheguem em tempo e às
pessoas necessitadas.
O que é isso que escrevi aqui?
Uma visão, uma leitura possível,
a minha. E fragmentada.
E um desabafo.
Só.
(CRK)