25 janeiro, 2011

Tragédia no RJ: solidariedade, culpa e a sociedade



Como resposta a uma pergunta que fiz, recebi o que segue abaixo.
Um relato claro, objetivo e elucidador 
de alguém que está perto dos locais
onde a tragédia e os desabamentos ocorreram
no Estado do Rio de Janeiro.
Parece-me que informa mais do que horas e 
horas de noticias nos tele-jornais, já que esses, 
tão preocupados com alguns detalhes perdem a visão "do todo"
e, tão preocupados em repetir cenas e informações, acabam 
por saturar muitos e confundir outros tantos. Resultado: banalização
sub-informação e desinformação. 
Cansaço.

.Boa noite querido amigo.

(omitido)
...a área mais atingida foi mesmo 
na saída da cidade rumo à Friburgo, e no lado oposto, 
saida pra Itaipava , Petrópolis, ficamos no meio da turbulência.
Os bairros atingidos, foram devastados, nada sobrou, nada mesmo...
horrível, triste demais, de repente a cidade 
se vestiu de corpos e mais corpos, coisa que eu só havia visto em filmes, 
Igreja e Faculdade eram onde se faziam as necrópsias, 
camionetes cheia de corpos não paravam de chegar 
ao centro da cidade. De inicio os dois hospitais estavam até com 
seus atendimentos normais, sem tumúlto,por que as vitimas eram fatais, 
os poucos que chegavam com vida, logo morriam com infecção... 
a cidade passou a enterrar seus mortos dia e noite, muito triste meu caro.
Com o passar dos dias a cidade foi tomada por um cheiro forte,
 falta de água, comunicação precária 
e preços abusivos de material de limpeza e água.

Agora, graças a Deus, a rotina está voltando, 
a cidade chora as perdas, que não foram poucas.

... (omitido) 
meus filhos não puderam se ausentar da cidade, 
foram convocados pela faculdade pra ajudar nos postos 
de saúde da cidade , pois agora a população sofre 
com as doenças causadas pela enchente.

Ia esquecendo...há mtos desabrigados 
e muitas crianças ficaram sozinhas, sem família, 
mto triste e preocupante, mtos desaparecidos também.

Os animais andam sem rumo, stressados, famintos...

(omitido)

Bj e obrigada 
Tenha bons sonhos 

Se a mídia consegue acionar as pessoas de 
diferentes locais para enviar doações: maravilha. Ótimo.
Essa mesma mídia, no entanto, por excesso e por falta - simultaneamente -
de informações, acaba por desencadear diferentes tipos
de sofrimento psíquico... 
Sentimentos de culpa, identificação assimétrica 
(com outros tipos de tragédia não
veiculadas em rede nacional), 
preocupação obsessiva com
a possibilidade de ocorrências semelhantes,
idéias de perseguição referendadas por presença 
e ênfase e por ausência e ênfase de determinadas
informações... assim por diante.  

Mas, o que mais se observa nos comentários,
no exercício da clínica e FORA dela, é que
muitas pessoas entram em grande sofrimento psíquico 
porque fazem coisas e possuem coisas que essas vítimas 
das tragédias já não podem mais... 
 sentem-se culpadas por ter e ser... 
o que eles, as vítimas, não são e não tem... mais. 

Dentre outras coisas, já citadas acima e omitidas aqui, porque
desnecessárias, escrevi para ela, a minha amiga:

Daqui do Sul, dizem, saiam milhares de toneladas 
de doações de vários tipos. 
Agora a solicitação é de material de limpeza 
(geral e pessoal) e água mineral.
Dizem também que há entraves naturais 
(estradas e acessos ainda fechados e coisas assim...) 
e burocráticos para o recebimento das doações.
Em Sc também estão sofrendo com os deslizamentos.
Aqui no RS tem várias cidades declarando estado de emergência 
com chuvas, em excesso por um lado, e seca e estiagem, por outro.
Sinal dos tempos... planeta superpovoado, populoso, 
agressões a natureza... enfim... 
e ainda desastres naturais.
Há dados que dizem que mais vitimas morreram 
no Rio do que no terremoto do Chile.
Um horror.

Além do horror que é POR SI SÓ...
ainda há o horror fabricado e repetido.
A comoção que toma conta das pessoas tem como 
base a própria repetição dos fatos (pela mídia) e os novos casos... 
que vão surgindo e o próprio mecanismo de EXPIAÇÃO das culpas -
coletivamente tomadas - como forma de se sentir aliviado.

Noutras palavras... 
se alguém se sente culpado 
por "mil" outros motivos 
que nada tem a ver 
com o que aconteceu no estado do Rio,
esse "alguém - milhares de pessoas - pode sentir-se 
menos mal e menos culpado 
por fazer doações solicitadas pelas (mesmas) 
instituições e poderes dominantes: 
a mídia, a Igreja, o Estado a familia.

A sociedade  não é um
órgão, fenômeno ou entidade abstrata.
A sociedade é cada um e todos os brasileiros,
NÓS somos a sociedade!
Assim, muitos brasileiros se equilibram 
entre a solidariedade e a expiação da culpa.
Um delicado equilíbrio.

A mesma sociedade 
que pune, 
que preconiza e estimula a lei de Gerson 
(levar vantagem em tudo),
que tolera e absolve a corrupção
e essas coisas... 
é a sociedade
que ajuda e se solidariza 
e é, simultaneamente... 
culposa-culpante-culpabilizadora.
Um fenômeno muito complexo e difícil
que absolutamente não tenho condições de desenvolver aqui.

Meu forte desejo de que as 
doações cheguem em tempo e às 
pessoas necessitadas.

O que é isso que escrevi aqui?
Uma visão, uma leitura possível,
a minha. E fragmentada.
E um desabafo.
Só.

(CRK)

2 comentários:

Vera Dias disse...

Dados os recentes acontecimentos traumáticos, devastações da natureza e perdas terríveis, dado o descaso das autoridades e omissão da população para o ativismo social e a ecologia prática,daí a falta de preparo e de noção do que realmente se passa.

Oremos para que Deus se compadeça de nós e nos ajude na arte de recomeçar.

Com carinho...Vera

Unknown disse...

o que mais me assombra diante de toda esta tragédia causada pelas chuvas é o Poder Público falar na mídia que não haverá cobrança de IPTU, como se isto fosse uma benesse.
Não podemos esquecer que o IPTU não pode mesmo ser cobrado porque tudo ruiu e por culpa, senão exclusiva,mas principal, do próprio Poder Público, ou seja, ele não está fazendo nada mais do que se espera e do que a lei estipula.
Ainda, lembrar que se fala do IPTU deste ano, pois o do ano passado, certamente, será cobrado.
Enfim, apenas comentando para que se tenha uma ideia exata das atitudes do Poder constituído e se possa exigir atitudes concretas e não falsa caridade.
Regina