08 julho, 2011

Morin aos 90, por Juremir Machado da Silva e... sobre o que isso tem a ver comigo





Edgar Morin chega hoje aos 90 anos de idade. Na vida, foi tudo. Participou da luta armada contra a ocupação nazista de Paris. Entrou no Partido Comunista Francês. Foi um dos primeiros a romper com o stalinismo. O seu primeiro livro, "O Ano Zero da Alemanha", fez um balanço dos estragos da Segunda Guerra Mundial. Conheci Morin em 1993. Em 1995, ele fez parte da minha banca de doutorado, na Sorbonne. Nossa relação depois só se estreitou. Traduzi quatro dos seis volumes da sua obra principal, "O Método", para o Brasil. Ajudei a publicar os dois outros. Indiquei para a Sulina o já citado "O Ano Zero da Alemanha", que estava esgotado mesmo na França havia décadas. Dentro em pouco, sairá no Brasil mais uma obra de Morin, "A Minha Esquerda". Sinto-me ligado a esse homem, construtor de uma "teoria da complexidade".

A festa, no primeiro andar da Torre Eiffel, será grande, organizada por Dominique Wolton. Judeu, órfão de mãe muito cedo, criado num bairro popular parisiense, em Ménilmontant, Morin figura atualmente entre os intelectuais mais respeitados do mundo. Depois do marxismo, nunca mais cedeu à tentação de "ismo" algum. Nem ao existencialismo nem ao estruturalismo. Muito menos ao pós-modernismo. Tampouco ao liberalismo. Ser de esquerda para ele é, antes de tudo, não ser de direita. A ideia de que esquerda e direita não existem mais é uma invenção da direita. Antes do escândalo sexual que tirou Dominique Strauss-Khan da corrida presidencial francesa de 2012, Morin já o rejeitava: "Não é sério. DSK representa o FMI, esse mundo do dinheiro gerador de tantas catástrofes. Ele é classicamente um liberal". Ser de esquerda para Morin é alimentar esperanças em um mundo mais justo baseado na solidariedade, na cooperação, no humanismo e no amor.

Romantismo? Nostalgia? Ingenuidade? Morin, com seu ar de sábio ancião, não se abala: "É preciso renovar a esquerda com revolta e aspiração. Revolta contra tudo o que leva o homem a degradar o homem. Aspiração não ao melhor dos mundos, mas a um mundo melhor". Morin sente-se como um jovem rebelde e anarquista. Mostra o caminho. Seu mais recente livro chama-se "La Voie". Ele tem criticado o apreço dos empresários ocidentais por sistemas autoritários asiáticos que geram produtos baratos explorando trabalhadores submissos. Cabe ao Ocidente melhorar o capitalismo asiático e ajudar o povo chinês a ser livre. O homem complexo deste século não pode ser nem comunista nem neoliberal. Precisamos de livre iniciativa e de Estado regulador, de proteção e de correr riscos.

Uma das marcas de Morin é o ecletismo generoso. Gosta da alta cultura e da chamada cultura de massa. Vai da ópera às novelas de televisão. Continua viajando muito. Parece que ainda tem várias namoradas, uma delas no Rio de Janeiro. O Brasil é uma das suas grandes paixões. Aos 90 anos, Morin pensa no futuro e nos seus desafios: "O mundo de amanhã enfrenta os mesmos problemas de ontem. Como diminuir o fosso que separa os mais ricos dos mais pobres e criar um mundo mais humano e generoso?". Longa vida a quem pensa assim. Viver não é só trabalhar.

Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br



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Edgar Morin, completando seus 90 anos de vida, me mostra que é possível chegar à velhice com lucidez, saúde, disposição para viajar, produzir, pensar e amar. Um grande feito, esse.
Não bastasse isso, também me instiga a prestar-lhe um singelo agradecimento por tanto e por quanto ele escreveu e estudou, mostrando, através de seus livros, entrevistas e aulas, que é possível "não criar o melhor dos mundos, mas um mundo melhor" a cada aqui e agora, sempre considerando o complexo conjunto de ações e retroações que caracterizam nossa condição de "homo sapiens-demens".


Quero dizer que não sou um apaixonado por Morin e nem fã "de carteirinha" de seus livros - na realidade li poucos dos muitos que escreveu - mas sou sim um apaixonado-desejante de suas ideias e pensamento, os quais configuram-se como ferramentas para pensar e trabalhar profissional e pessoalmente com a intrincada e  complicada rede de complexidade que vai moldando e (des) (re) moldando nossa existência. 


Muito do que Morin escreve é autobiográfico. Ele compartilha sua experiência com coragem, bravura e sem se considerar modelo. Também compartilha com amor.
Muitas mortes já se fizeram - e se fazem - nessa vida de Edgar Morin - como de fato acontece com a de todos nós constantemente: rupturas, contrariedades, desilusões, perdas, rompimentos de vários tipos.
Muitas vidas já se fizeram - e se fazem - nesse vida  de Edgar Morin - como de fato acontece com a de todos nós constantemente: novas alianças, ideias, afetos, maneiras de se posicionar, amizades, enfrentamentos, utopias.... 


Até mesmo o nome desse blog é resultado desse contágio feito por Morin: 'As coisas da vida e A vida das coisas' expressa os inícios e fins, a dualidade não excludente, mas dialógica, que está em permanente diálogo.


Dentre as coisas que mais admiro, gosto e que me nutrem de seu pensamento e obra cito:


- A ideia de complexidade, que ajuda a evitar os reducionismos de todos os tipos, como por exemplo a de ficar (na nem sempre real) noção de causa -e-efeito.


- Sua noção de "mito reconhecido como mito" que ajuda a estabelecer diálogos lúcidos com o que pode ser insano em nós. Uma ferramenta indispensável, penso, para quem quer sonhar e viver a realidade transitando entre a (as) verdade (s), o sonho, a loucura e "o real", a sabedoria e o amor.


- A ideia de que o resultado das ações independem das vontades dos sujeitos sociais e suas intenções, já que elas, podem, ambas, cair em territórios definidos por inter-jogos de ações e retroações impensáveis, inéditas e incontroláveis, já que a história - da humanidade e da vida de cada um  - não se dá majoritariamente de forma linear, mas, de  fato, acontece... por desvios e a partir de imponderáveis acontecimentos..


- A ideia do autoexame - indispensável para ver, perceber, conhecer, pensar a vida e o mundo numa busca  sempre incerta e renovada de "iniciação à lucidez" -  como ferramenta de autoconhecimento e ação que interliga constantemente o dentro e o fora estabelecendo uma espiral dialética e dialógica que varia ao infinito. 

- A ideia de programa e estratégia que ajudam a flexibilizar e dar sentidos outros aos caminhos traçados e as variabilidades de fazer o que queremos e precisamos.


- A ideia de "paradigma" - componente da "Epistemologia da Complexidade" - como ferramenta para por em análise e conhecer-conceber o que vemos, deixamos de ver em consequência do conjunto de ideias-referências de que dispomos a cada momento.


- A ideia de resistir, esperar e amar, ferramentas para trabalhar a capacidade de se manter lutando e desenvolvendo a paciência... buscando identificar quando é importante e necessário tirar o time de campo e parar de dar murros em ponta de faca... com ou sem desistir das "coisas da vida" que estão acontecendo.


- A ideia da complexidade não como uma explicação, mas como um assinalamento da dificuldade....de compreender, elucidar, conhecer o que estamos estudando, vivendo...


-  A ideia da incerteza como ferramenta para ajudar a abrir mão do controle neurótico e opressor buscando instituir a relação confiança-desconfiança em tudo o que é (dito)  ciência, técnica e razão.


- A ideia de que o amor é, antes de mais nada, uma expressão "do amor" à vida, libertando-se, assim, de todos os paradigmas majoritariamente religiosos, humanistas, familiaristas, exotéricos, idealistas, ilusionistas... rsrsrs.


- A ideia de que não basca saber e conhecer: é preciso conhecer a compreensão e o conhecimento... as formas, maneiras de como isso se dá.


- A possibilidade de associar o que Morin ensina com outros autores, filósofos ou não, com a vida "simples" de cada um que passa, atravessa, compartilha a nossa caminhada...


- A ideia que une e separa, simultaneamente, de forma dialética e/ou dialógica, os polos opostos, como amor-ódio-indiferença, caus e gênese, dentro e fora, bom e ruim, presente-passado e futuro...  e que é concebida como não sendo, necessariamente, doença e loucura.


- A ideia que distingue racionalidade de racionalização e os associa aos "componentes alucinatórios da percepção" mediante os quais vemos o que não existe e não vemos o que existe "em a realidade"... devido os paradigmas de que dispomos no momento e que nos "obrigaram" a ver e nos "obrigaram" a não ver.


Se por um lado o pensamento de Morin desestabiliza e desconstrói muitas ideias concebidas e pré-concebidas, por outro, dá alento - esperança-não-redentora-mas-eficaz-e-com-ferramentas-para-agir - ...  estímulo, liberdade e força... numa inusitada mistura aromática e saborosa que se traduz como um certeza de seguir em frente nesse mundo incerto.


Por essas e outras, o meu agradecimento ao senhor Edgar Morin e o desejo 
de luz e paz 
e ação 
e saúde... 
Digo isso de uma forma não evangélica... rs..


Cesar R K





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