É antiga essa pergunta.
Novas são as respostas.
Abaixo... alguns indícios:
A razão, ou antes, a racionalidade, é fundamental para eleger, perceber, apreciar, conceber, agir; mas ela comporta o grande perigo de se transformar em racionalização.
A emoção é também fundamental para eleger,perceber, apreciar, concebe, agir; mas ela comporta o grande perigo de se transformar em sentimentalismo. Daí para a vitimação e a culpabilização (processos esses nem sempre conscientes e controláveis) é um passo só.
Nessa 'eterna' luta entre Apolo e Dionísio, ficamos muitas vezes perdidos. Ora querendo e necessitando o esclarecimento da razão. Ora, querendo e necessitando das erupções emocionais do prazer.
ENTRE a razão e a emoção existem pólos, abismos, pontes, conexões, linhas, fios de possibilidades nem sempre consideradas... tanto por uma quanto pela outra, ou seja, tanto a razão desconhece a emoção, quanto a emoção desconhece a razão. Não se trata aqui de achar "um caminho do meio", fazer uma média ou, pior, achar um equilíbrio homeostático.
Trata-se, isso sim, de acionar essa pontes-luzes de diálogos dialógicos contemplando ambas em suas diferenças, simultaneamente, numa espécie de tempo-espaço que possibilita a configuração de figuras geométricas, tais como esferas perfeitas (segundo uma leitura da banda canadense Rush na - segunda - música postada na íntegra abaixo)... ou ainda... hexaedros, pirâmides, quadrados, octógonos e assim por diante.
Quem sabe que composições podem surgir dessas conexões?
Fractais?
Why not?
Edgar Morin se pergunta sobre o que vemos, como vemos e de que maneira percebemos a própria percepção e conhecimento que temos do mundo.
Félix Guattari e Gilles Deleuze se perguntam que sensações de mundo se produzem em nós e como essas sensações e seus (os) perceptos nos informam do que está se passando nessa dialógica dentro-fora de nós.
Questões complexas, essas, segundo Morin.
Quando se diz que algo é complexo, ainda segundo Morin, não se está dando uma explicação (ou nesse caso, poderia se dizer ... está se dando uma não-explicação), mas se está assinalando uma dificuldade em conhecer, compreender, explicar, identificar... enfim.
No belo texto abaixo, de Humberto Mariotti, médico psicoterapeuta e ensaísta. Coordenador do Grupo de Estudos Contemporâneos (Complexidade, Pensamento Sistêmico e Cultura) da Associação Palas Athena (São Paulo), do qual transcrevo fragmentos, mais um pouco dessa temática... numa perspectiva da teoria da complexidade.
A RAZÃO DO CORAÇÃO E O CORAÇÃO DA RAZÃO
(Blaise Pascal e o Pensamento Complexo)
Os dois diálogos
Pascal influenciou Morin também no que se refere à dialógica. A propósito, convém relembrar aqui a diferença entre dialógica e dialética, que algumas pessoas têm dificuldade de entender e outras imaginam inexistente. O escritor francês Paul Valéry, por exemplo, caiu nesse equívoco quando escreveu que Pascal havia escolhido ser vago a ser exato.17 Na realidade, ele parece ter confundido pensar com clareza com pensar exclusivamente segundo o raciocínio binário — a lógica do “ou/ou” ou do terceiro excluído. No mesmo engano incorreram outros comentadores da obra pascaliana. Mas a diferença existe, sim, e a idéia de dialógica é apresentada com clareza em várias passagens dos Pensamentos.
Morin assim define a dialógica: “Unidade complexa entre duas lógicas, entidades ou instâncias complementares, concorrentes e antagonistas, que se nutrem uma da outra, completam-se, mas também se opõem e se combatem. (...) Na dialógica, os antagonismos persistem e são constitutivos das entidades ou fenômenos complexos”.18 (Edgar Morin. La méthode. 5. L’humanité de l’humanité. L’identité humaine. Paris: Seuil, 2001, p. 281.)
Trata-se, portanto, de opostos ao mesmo tempo antagônicos e complementares, como os princípios masculino e feminino, a razão e a emoção, ou, como escreveu Nietzsche em seu primeiro livro19, o apolíneo e o dionisíaco. Para esse filósofo, a cultura da Grécia clássica comportava dois pólos. O apolíneo seria o controlado, o racional, da ordem, da contenção. O dionisíaco seria o bárbaro, da paixão, do desejo incontido. Essa interação produz conflitos, mas também gera criatividade: o apolíneo precisa do dionisíaco e a recíproca é verdadeira. Ou, nas palavras de Pascal: “Nem a contradição é a marca da falsidade, nem a não-contradição é a marca da verdade”.20
Em suma, a dialógica é um modo de fazer com que os paradoxos não apenas sejam admissíveis, mas de perceber as idéias novas que muitas vezes deles emergem. É o que diz Gérard Lebrun, para quem o objetivo da dialógica não é solucionar contradições, mas sim tornar pensáveis os paradoxos.
Mas lidar com paradoxos (e não há nada mais paradoxal do que o ser humano e suas sociedades) é coisa de que não gostamos, porque nos confronta com a inevitabilidade da dúvida, da incerteza, da dificuldade de controle. Nossa cultura predominantemente cartesiana, iluminista, nos convenceu de que podemos dominar a natureza, inclusive a nossa própria. E nos forneceu incontáveis instrumentos de auto-engano para manter-nos convencidos disso, mesmo quando somos (como acontece diariamente) postos diante de evidências de que esse domínio está muito longe de ser tão completo quanto desejamos.
... somos fortes e fracos — não uma coisa ou outra —, e que há momentos e circunstâncias em que é preciso aceitar o erro, a aleatoriedade e a ambigüidade. Aceitá-los e reconhecer que eles são meios de autoconhecimento, que nos ensinam a tolerância (não confundir com permissividade), a moderação (não confundir com auto-repressão) o senso de ridículo (não confundir com timidez) a firmeza de posições (não confundir com narcisismo) — enfim, a sabedoria de viver, que inclui isso tudo mas a nada disso pode ser reduzida.
A compreensão da ambigüidade da condição humana exige que aprendamos a lidar com essa e muitas outras contradições não solucionáveis pela dialética. Já vimos que quando o diálogo de duração limitada não soluciona uma contradição, é preciso levá-lo adiante, não desistir dele, perpetuá-lo enfim.
A dialógica é tão importante que Morin fez dela um dos instrumentos de conhecimento do pensamento complexo, a que deu o nome de “operador dialógico”. Convém insistir nesse ponto: ao utilizar a dialógica aprendida com Pascal, ele busca antes de mais nada estabelecer a alimentação mútua entre contrários inconciliáveis pela dialética. Na impossibilidade de uma síntese superadora da contradição, a tensão entre os opostos se mantém e dela surgem fenômenos novos — as propriedades emergentes.
Essa é também a proposta do pensamento complexo: ligar a razão do coração ao coração da razão.
A idéia pascaliana de aposta (pari) ilustra bem esse aspecto. Ela influenciou de modo importante o pensamento de Morin, para quem nossas ações são sempre o resultado de uma decisão, uma escolha entre duas ou mais alternativas. O processo inclui, portanto, a incerteza e a imprevisibilidade e por isso não deixa de ser uma aposta.
Morin propõe que ao falar em aposta não devemos pensar invariavelmente em jogos de azar ou realizações que implicam perigo. Na realidade, apostar equivale a trazer a incerteza para junto da esperança. Quando apostamos, introduzimos em nossas vidas e ações o wishful thinking, o desejo e o comprometimento. Não há estratégia nem enfrentamento de desafios sem disposição de aposta, seja qual for a questão envolvida. Apostar é um modo de entrar em contato com a aleatoriedade, a incerteza e a imprevisibilidade. Como estas estão entre as dimensões mais fundamentais da condição humana, pode-se dizer que toda vida que inclui reflexão inclui também um certo grau de aposta.
Morin alerta para o fato de que o conhecimento é limitado por várias evidências de incerteza: a) as visões de mundo são sempre individuais, subjetivas; b) nem a contradição é garantia de falsidade, nem a não-contradição assegura a verdade, como escreveu Pascal); c) a falta de autocrítica da racionalidade (a razão que inclui a emoção) leva à racionalização (a razão “absoluta”); d) nossa mente não é de todo transparente para nós mesmos, pois existe o inconsciente.46 (Edgar Morin. Les sept savoirs necessaries à l’éducation du futur. Paris : Seuil, 2000, pp.93-94.)
A aposta se justifica também diante do que Morin chama de “ecologia da ação”, para a qual ele propôs dois princípios, aumentados para três por Lise Laférière47(Edgar Morin. Les sept savoirs necessaries à l’éducation du futur. Paris: Seuil, 2000, pp.93-94. ): a) o nível de eficácia ótima de uma ação está em seu começo; b) uma ação não depende só da intenção ou intenções de seu autor; depende também das condições do ambiente em que ela se desenvolve; c) a longo prazo, os efeitos das ações não podem ser previstos.
As políticas da vida, particulares ou públicas, devem ser elaboradas simultaneamente no aqui-e-agora e no meio-termo. Tal circunstância produz inevitavelmente incertezas e contradições, pois do ponto de vista biológico não existe outra maneira de viver.48 (Edgar Morin. O método. 2. A vida da vida. Porto Alegre: Sulina, 2001, pp. 100-103.)
Não há, portanto, como deixar de apostar. Não há como deixar de ter fé, seja a religiosa, como propunha Pascal, sejam as de quaisquer outros tipos: na vida, no futuro, em nosso potencial e nos dos que compartilham conosco a existência e assim por diante. Trata-se, enfim, da esperança de que é possível idealizar e pôr em prática outros tipos de política além dos comprovadamente inadequados. Para tanto, porém, é necessário outro modo raciocínio: o pensamento complexo. Quanto maior for a distância a que os políticos atuais estiverem desse novo modo de pensar, mais intensa deve ser nossa aposta de que ele precisa ser implementado, pois no fim das contas tais políticos, seu modo de pensar e suas ações somos nós mesmos ou criações nossas, seja por ação, seja por omissão. A dimensão política da aposta não se resume a como chegar ao poder e mantê-lo. Implica concebê-lo, alcançá-lo e exercê-lo pensando de outra maneira.
Em relação a esse aspecto, falemos de um fenômeno sobre cuja existência e aparente inevitabilidade não há dúvidas: a barbárie humana em todas as suas manifestações — o que inclui a dos países ditos desenvolvidos. Se a existência e a aparente perenidade da barbárie são indubitáveis, apostar que ela pode ao menos ser atenuada poderia ser visto como uma perda de tempo. Isso se aplicaria, por exemplo, a apostar em iniciativas de paz num mundo pesteado por guerras e violência. Eis o argumento do ceticismo e do cinismo, dois grandes produtores de apostas negativas. Nesse, como em muitos outros casos, a aposta negativa esconde o conformismo, que por sua vez facilita a manutenção do status quo.
Para que haja alguma mudança que não se limite à retórica (e aí é que está a grande dificuldade), é indispensável que se aposte também numa mudança de modelo mental: na disseminação de um modo de pensar que permita ver as coisas (inclusive o cinismo e o ceticismo) de outra maneira. Essa é, como já sabemos, a proposta do pensamento complexo. Por isso, apesar desses e de muitos outros pesares é preciso apostar, sim, já que apostar negativamente é reconhecer que estamos ausentes de nossas próprias vidas. É fazer o jogo da alienação.
Cabe mencionar, desde Félix Guattari, com sua noção de Produção de Subjetividade, que nem sempre e, de fato, efetivamente quase nunca "as visões de mundo são sempre individuais, subjetivas, mas esse... é um outro assunto que não dá para desenvolver aqui e agora. MAS, PARA QUEM SE INTERESSAR, nos marcadores PSICOLOGIA E FILOSOFIA e CRÍTICA E CLINICA desde blog há algum material sobre esse assunto.
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Só para constar - e finalizar -: Pichon-Riviére dizia que a saúde (mental)
está na adaptação ativa
que se dá pela junção de pensamento, sentimento e ação.
Postagem relacionada (tem a letra toda da música):
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