06 novembro, 2007

A morte de um anjo, por Caio Fernando Abreu





O vento forte deste fim de tarde ensolarado faz bater a janela do meu quarto

que fica na torre mais alta do meu castelo.

Pela janela, dá pra ver o meu jardim, com lindas flores vivas e vermelhas,

o lago com águas cristalinas e azuis e a colina verde ...

verde, lá ao longe, onde em seguida o sol se esconde.

Deixo minha janela aberta todo o dia e toda noite, sempre.

Esperando que ele volte.

Eu tinha um anjo que convivia comigo,

sentava na minha janela todas as tardes e ficava ali, fazendo-me companhia.

No início eu quis muito falar com ele, e realmente conversávamos muito,

mas depois fui me adaptando àquela rotina,

e havia tardes em que não trocávamos uma palavra.

E ele ali, sentado na minha janela.
Numa dessas tardes meu anjo discutiu comigo.

Me dizia ferozmente que não podia condenar qualquer tentativa de ser feliz,

mas que minha loucura o machucava e minha indiferença lhe seria mortal.

Nem discutir eu quis.

Deixei que meu silêncio decretasse a sua sentença

e instantes antes do sol se pôr,

quis fechar as janelas para que ele partisse.

Julguei que se ele sentava todas as tardes na minha janela, de certo sabia voar.

Me enganei.

Ao bater com força a janela e voltar para o meu silêncio

eu ouvi um ruflar de asas desajeitado e um forte barulho das águas do lago.

Abri rapidamente a janela e o vi afundar nas águas cristalinas do lago

que fica no meu jardim.

Enquanto secava minhas lágrimas,

arrancava as penas de suas asas que ficaram presas à minha janela.

Hoje elas estão dentro do um livro que leio todas as noites antes de dormir:


“O que nunca pensei é que pudesse ser assim tão vazia uma vida sem um anjo.

Dentro de mim existe alguma coisa que espera a sua volta,

de repente não sei se pela janela ou em outro lugar.

Para prevenir deixo todas os dias e noites minha janela aberta,

esperando a sua volta".




Um comentário:

Cerikky.. Cesar Ricardo Koefender disse...

Se fosse eu a escrever esse artigo, coisa impossível, já que não tenho capacidade para tanto - dado não ter jamais encontrado um anjo com asas - apesar de saber, ou confiar, que eles existem... certamente o nomearia de outra forma.

A sua indiferença me mata ou a morte de um anjo!

Tantos anjos já inventei e servi na minha solitária criação... tantos anjos de pés sujos e sem asas... tantos anjos alados e brilhantes!

Todos morreram e perderam suas asas. As asas que nunca possuiram e que lhes dei e arranquei.

Dor. Neles e em mim!

Alívio. Neles e em mim!

É muito difícil ser um anjo... para alguém como eu...

Ah! Os anjos existem.
E, eles aparecem, com ou sem asas, quando não os criamos... vindos de todas as direções!

Namaste para todos os anjos... encarnados e desencarnados.