Álvaro de Campos Lisbon Revisited (l923)
NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada. Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?
Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
Conheça todas as teorias,
domine todas as técnicas,
mas quando tocares uma alma humana,
seja apenas outra alma humana.
= Carl Gustav Jung =
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Os profissionais de todos os tipos e graduações
esquecem que JUNTO com quem lhes demanda um serviço,
está um ser humano que não necessita só
do serviço, precisa, também, estar acolhido nas suas
necessidades de ser humano:
alguém que sente, pensa, raciocina, vê, e intui.
Um cidadão no pleno gozo dos seus direitos.
Basta pensarmos nos serviços de call center, onde
o consumidor vira uma ameba, uma planária,
com sistema nervoso rudimentar, e não consegue raciocinar
tamanho o fechamento e ausência de sentimento humano
e falta completa de raciocínio crítico
do profissional que vem lhe oferecer o produto.
Imobilizado na impessoalidade de raciocínio do próprio trabalho que executa,
o profissional acaba "formando" um ar de tamanha
impossibilidade de pensamento que, ambos, acabam por fazer uma
conversa de surdos.
Um espanto.
Mas não só nesses profissionais que a impessoalidade opera
e o uso da técnica como repetição compulsiva e "sem penso" se instala.
Também nos médicos que dão sua consulta em dez minutos
e só pedem exame e nem olham para os "pacientes".
Também nos recepcionistas de todos os tipos
( um dia presenciei um deles perguntando a um jovem adulto
se o atendimento no caixa era comum ou especial, para mais de 65 anos.
Ele perguntou isso OLHANDO para o cliente do banco.
Olhando sem ver. Cego de repetição. Um burocrata do atendimento.)
e atendentes de "pessoal" (aqui esse termo pode ser usado como
sinônimo de "manada") que ficam completamente emburrecidos
na sua ânsia de executar suas atividades profissionais.
Também com Psicólogos, que dão seus diagnósticos
e se sentem e comportam como se fossem
um exemplo de comportamento e saúde mental,
mantendo um espécie de carranca humana inafetável
- uma máscara de profissionalismo técnico. |
Também com engenheiros, arquitetos, advogados e
enfermeiros vemos essas materializações inumanas de atendimento.
Presos na técnica, enredados nos números e desejosos
de "mostrar saber" e competência...
perpetuam um estado das coisas onde o que está entre e é comum a ambos...
se perde: sua humanidade, a alma, o pessoal, a diferença.
Também vemos isso nos prestadores de serviços gerais, faxineiras e pedreiros.
Entregadores de gás, motoristas e cobradores de ônibus.
Vemos nos caixas de banco, nos operadores da bolsa de valores e nos
funcionários públicos de todos os tipos, bem como nas eletricistas,
encanadores, lixeiros, atendentes de balcão e marketeiros.
Com todos os avanços e conquistas adquiridos pelas leis
e pelos movimentos sociais de proteção ao consumidor,
ainda o que predomina é o uso da técnica-pela-técnica.
No outro lado disso, estão aqueles profissionais que,
movidos por treinamentos "humanizantes"
e de respeito ao cliente, desempenham seu papel como bobos da corte.
Pessoas que são instruídas num verdadeiro mecanismo de lavagem
cerebral para se tornarem amigos e - imediatamente - íntimos dos clientes.
Vão pegando no braço, sorrindo seu sorriso amarelo-congelado e, pior,
tocando com a mão o joelho ou a nossa perna. Um nojo.
Num extremo, os técnicos sisudos e impessoais.
No outro, os profissionais humano-demasiado-humanos.
Duas maneiras diferentes de cometer excessos.
Por um lado, frio demais; por outro, calor demais.
Quem perde é a densidade do ar que ambos respiram, a atmosfera
que poderia se criar se algo diferente disso fosse feito.
É preciso ser louco, ter a sua loucura para que isso aconteça.
O Dr. House é um exemplo disso.
Ele aposta no ineditismo e no inusitado.
Põe "sua loucura" a ver e manda firme.
O mais comum, no entanto, é a coexistência de duas variações do mesmo problema:
a) incompetência para gerir a própria existência
e, b) incompetência para inventar maneiras de viver e fazer da sua própria vida
uma estratégia de diferenciação dessas formas bitoladas e bitolantes
de existir, tanto pessoal como profissional.
Ainda bem que há exceções.
Os textos que dão nome a essa postagem são bem claros
no que se refere à diferença que se produz quando
somos atendidos por técnicos que efetivamente conseguem
unir seu saber-fazer ao aspecto humano e social de seu ofício,
o qual está em imanência com a própria relação que se estabelece
entre os envolvidos e nela está baseada.
Aqui a ênfase é estar sozinho na própria diferença.
Colocá-la,
explicitá-la,
manifestá-la,
pô-la em evidência e,
através dessa busca e afirmação da singularidade,
sair de uma situação inoperante
e instituir um bom encontro,
potencializador de uma outra maneira de se relacionar
consigo próprio e com o outro.