- Reger a sinfonia da própria existência!
Eis um estado fugaz de plenitude.
- Um estado fugaz de onipotência infantil!
Nem tão fugaz!
- Sentir que tudo pode, vê e entende!
- Bipolar. Maníaco. Louco.
- Fruto de longas aprendizagens.
- Frutos da sua mania de perfeição!
- Só posso supor, pelas sua palavras,
que você nunca sentiu nada disso!
- (Silêncio). Imagino que ainda queira mais!
- Claro. Mais tempo... sentindo isso tudo.
Assim!
- Você fala com as palavras grandiloquentes
do mago. E... com desejo de absoluto.
- Você fala com as palavras do cético acólito,
que tudo enquadra nas referências dominantes.
Preste atenção: eu usei a palavra fugaz.
- Só por que disse que você é louco?
- Não. Porque considera que a sua é a única verdade.
E porque acha que magia e saber comum não podem
andar juntos. Porque considera que não pode haver
momentos mágicos na e a propósito da ciência.
- Não me venha com aquele papo de que existe magia
na descoberta e no fazer científico.
- A magia existe, quer você acredite nela ou não.
Como acha que foram descobertas as estrelas e
o movimento dos planetas? Pela simples observação!
Uma curiosidade infantil a proporcionou.
E não era onipotência infantil do cientista observador!
- Sim, eu sei. Agora podemos encerrar esse primeiro ato.
Pausa e intervalo. Só me diga: Você desacredita na onipotência
infantil que atravessa os adultos? E os faz ficar "cheios de si"?
- Ohh, claro que não. Ela existe e não tem vinculação nenhuma
com a magia. E a magia da qual falo não é essa que você aprende
nos rituais e manuais.... com o nosso mago-mor...
- Eu aprendo!?!
- Ok. Nós aprendemos.
Estou falando na magia da vida, aquela em que sentimos
e percebemos coisas que, nem sempre podemos explicar e entender.
Embora, passado o momento fugaz, possamos fazê-lo... e bem!
- Acho que você está muito metafísico.
- Estou feliz e em paz. É diferente.
- Não concebo como a paz pode trazer experiência de delírio e idéias tão...
megalomaníacas de reger a existência.
- Para um aprendiz de mago, você está muito fixado na idéia de destino!
- Nem falei em destino.
- E precisa? Usar a palavra?
- Você não quer parar com essa discussão.
- Você me provoca. E sua provocação me soa tão doce que
parece mel com cerejas! Uma delícia.
- Horrível. Doce demais.
Uuiii, chega a me dar arrepios!
- De prazer?
- Não me provoque. Você sempre teve gosto pela polêmica.
- Sim, e você sempre a desperta e acirra... com esse seu estado
de ceticismo generalizado. Com essa sua mania de duvidar de tudo que ...
foge aos seus quadradinhos!
- Acha mesmo que eu sou tão enfadonho? Formal? Cético?
- Só quando o deseja. E nisso, você é um belo sparring.
- O seu atrevimento não conhece limites.
- E a sua capacidade de assumir esse papel, também não!
- Que papel?
- O de sparring!
- Isso está parecendo uma conversa entre a esfinge e a pirâmide.
- Sim, mas elas são muito onipotentes. Cada uma a seu modo!
- Infantis também?
- Acho que não. São... contundentes e antagonistas.
- Não é esse o papel do sparring?
- Agora você me lembrou a Bellonda, de Duna.
- Aquela chata. É mesmo. Está certo. Sou mesmo um sparring
à altura da nossa busca de aprendizado. Até mesmo a Reverenda Madre
sabia que Bellonda teria algo a contribuir.
- Bellonda era fascinante no seu ceticismo cínico e questionador.
Tinha muito de aparência, nisso.
Tal como você!
- Seu humor é contagiante! Vamos rever a conversa daquelas anciãs?
- As de Duna?
- Não. A Esfinge e a Pirâmide!
- Sim, vamos. Mas não esqueça... é o intervalo. Retomaremos.
- Certamente.
(De "Conversa entre aprendizes
do grau sétimo da cor azulada." p. 627)