22 junho, 2010

Clarice Lispector sobre a alma, o perdão, a cólera dos pacientes e a grandeza...




Toda a parte mais inatingível de minha alma e que não me pertence - é
aquela que toca na minha fronteira com o que já não é eu, e à qual me dou. 
Toda a minha ânsia tem sido esta proximidade inultrapassável e excessivamente
próxima. Sou mais aquilo que em mim não é.
E eis que a mão que eu segurava me abandonou. Não, não. Eu é que
larguei a mão porque agora tenho que ir sozinha.
Se eu conseguir voltar do reino da vida tornarei a pegar a tua mão, e a
beijarei grata porque ela me esperou, e esperou que meu caminho passasse, e
que eu voltasse magra, faminta e humilde: com fome apenas do pouco, com fome
apenas do menos.

In A Paixão Segundo GH




"Tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras; sou irritável e piro facilmente; também sou muito calma e perdôo logo; não esqueço nunca; mas há poucas coisas de que eu me lembre; sou paciente, mas profundamente colérica, como a maioria dos pacientes; as pessoas nunca me irritam mesmo, certamente porque eu as perdôo de antemão; gosto muito das pessoas por egoísmo: é que elas se parecem no fundo comigo; nunca esqueço uma ofensa, o que é uma verdade, mas como pode ser verdade, se as ofensas saem de minha cabeça como se nunca nela tivessem entrando? 

Tenho uma paz profunda, somente porque ela é profunda e não pode ser sequer atingida por mim mesmo; se fosse alcançável por mim, eu não teria um minuto de paz; quanto a minha paz superficial, ela é uma alusão à verdadeira paz; outra coisa que esqueci é que há outra alusão em mim - a do mundo grande e aberto; apesar do meu ar duro, sou cheia de muito amor e é isso o que certamente me dá uma grandeza...”


Um comentário:

Kátia disse...

Uma imagem perfeita a ondular com a TUA grandeza e a de Clarice.
Muito bonita essa introspecção mesclada com momentos profundamente poéticos.
A gente se vê em tantos pedaços... Impressionante como ela consegue ser tão universal e tão particular ao mesmo tempo.

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