27 março, 2011

Dá-me a Tua Mão, por Clarice Lispector, ou sobre o ENTRE









Dá-me a Tua Mão


Dá-me a tua mão: 
Vou agora te contar como entrei no inexpressivo 
que sempre foi a minha busca cega e secreta. 
De como entrei naquilo que existe entre o número 
um e o número dois, de como vi a linha de mistério 
e fogo, e que é linha sub-reptícia. 
Entre duas notas de música existe uma nota, entre 
dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia 
por mais juntos que estejam existe um intervalo de 
espaço, existe um sentir que é entre o sentir - nos 
interstícios da matéria primordial está a linha de 
mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a 
respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos 
e chamamos de silêncio.

(Clarice Lispector)













Aqui a arte de Clarice
expressa as linhas de
fuga, os interstícios,
o impensável, numa
palavra: o ENTRE!

O que acontece
ENTRE nós e nos
produz?

Como o amor
opera ENTRE nós?

Como é que essa
multiplicidade de
ENTRES que nos
perpassa se com-
solida como ações
que nos singularizam?

Como se dá a
comunicação ENTRE
nós?

O que se passa ENTRE
nós que produz esse
nós de nós e que é
tão diferente de
outros tantos ENTRE
nós?

E o silêncio...
E as falas...
E os ditos...
E os não ditos...
E os olhares...
E os afetos...
E as semelhanças
E as diferenças...
E tudo...
ENTRE nós?











 


 O ENTRE é o inusitado 
 o imprevisto 
 o incontrolável 
 o inexpressivo-que-expressa 

 É o impessoal 
 o misterioso 
 o mistério 
 É a magia 

 Não é meu 
 nem seu 
 nem nosso 

 Está conosco 
 ENTRE nós 
 Passa por nós 
 Nos atravessa 
 nos toca 
 nos produz 
 mas é incapturável 

 Pode ser sentido 
 percebido 
 intuído 
 pensado 
 expressado 
 mas não pode ser dominado 
 submetido 
 regrado 

 O ENTRE 
 como força produtora 
 de diferença 
 é a potência 
de diferenciação 
 dos eus de nós 

 Também pode ser um reforço 
 desses eus de nós 
 ficamos MAIS eu 
 ou MENOS eu 
 conforme esse ENTRE nós 
 nos atravessa 
 como devir 

 O ENTRE nós 
 pode me tornar 
 um outro (eu) para você 
 e pode tornar
 um outro você 
 para mim 

 Seja como for 
 esse ENTRE NÓS 
 nos afeta 
e produz 
 o que fazemos 
 sentimos 
 e agimos 
 ele define 
 o que ENTRE nós 
 acontece 
 e não acontece 
 sendo que
o que não acontece

é um acontecimento

Cesar R K



26 março, 2011

O tempo... em Clarice Lispector, Thiago de Mello e José Saramago




"...Quanto a mim tenho que lhes dizer que
as estrelas são os olhos de Deus
vigiando para que tudo corra bem.
Para sempre...
E, como se sabe...
para sempre não acaba nunca ..."

*** Clarice Lispector ***


O TEMPO

O tempo não existe, meu amor
O tempo é nada mais que uma invenção
de quem tem medo de ficar eterno.

De quem não sabe que nada se acaba,
que tudo o que se vive permanece
cinza de amor ardendo na memória.

O tempo passa? Ai, quem me dera! O tempo
fica dentro de mim, cantando ... ou
me queimando, mas sou eu quem canto
eu que me queimo, o tempo nada faz
sem mim que lhe permito a minha vida.

De mim depende, sou sua matéria,
esterco e flor do chão da minha mente,
o tempo é o meu pecado original.

*** Thiago de Mello ***


PASSADO, PRESETNE, FUTURO

Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.

*** José Saramago *** 


19 março, 2011

Autumn Leaves, New York, New Delhi, ou sobre eu e o outono
















Sou filho do outono e nasci no seu ápice, em maio.

Quando dentro e fora são inseparáveis.





Acima: Eu no outono: New York - EUA


Abaixo: O outono em mim: New Delhi - Índia



Na biologia: Mimetismo.

Na Filosofia: Diagrama de Foucauld:
Há o fora do dentro e o dentro do fora.




Autumn leaves


Or may I say Autumn Life(s)?


Marillion - Grendel





Marillion - Grendel



I. Heorot's plea and Grendel's awakening

Midnight suns bid moors farewell, retreats from charging dusk
Mountain echo, curfews bell, signal ending tasks
They place their faith in oaken doors, cower in candlelight
The panic seeps through bloodstained floors as Grendel stalks the night

Earth rim walker seeks his meals
Prepare the funeral pyres
The shaper's songs no longer heal the fear
Within their eyes, [their eyes]

Wooden figures, pagan gods, stare blindly cross the sea
Appeal for help from ocean fogs, for saviour born of dreams
They know their lives are forfeit now, priestly head they bow in shame
They cannot face the trembling crowd that flinch in Grendel's name

Earth rim walker seeks his meals
Prepare the funeral pyres
The shaper's songs no longer heal the fear
Within their eyes, [their eyes]

As Grendel leaves his mossy home beneath the stagnant mere
Along the forest path he roams to Hrothgar's hall so clear
He knows that victory is secured, his charm will testify
His claws will drip with mortal blood as moonbeams haunt the sky

As Grendel leaves his mossy home beneath the stagnant mere
Along the forest path he roams to Hrothgar's hall so clear
He knows that victory is secured, his charm will testify
His claws will drip with mortal blood, as moonbeams haunt the sky

Earth rim walker seeks his meals
Prepare the funeral pyres
The shaper's songs no longer heal the fear
Within their eyes, [their eyes]

II. Grendel's Journey

Silken membranes span his path, fingerprints in dew
Denizens of twilight lands humbly beg him through
Mother nature's bastard child shunned by leaf and stream
An alien in an alien land seeks solace within dreams
The shaper's lies his poisoned tongue malign with mocking harp
Beguiling queen her innocence offends his icy heart





III. Lurker at the Threshold

Hounds freeze in silence bewitched by the reptile spell
Sulphurous essence pervades round the grassy dell
Heorot awaits him like lamb to the butcher's knife
Stellular heavens ignore even children's cries

Screams are his music, lightning his guide
Raping the darkness, d-d-death by his side

Chants rise in terror, free round the oaken beams
Flickering firelight portraying the grisly scene
Warriors advance, prepare for the nightmare foe
Futile their sacrifice as even their hearts must know

Heroes delusion, with feet in the grave
Lurker at the threshold, he cares not for the brave, he cares not for the brave

IV. Finale

So you thought that your bolts and your locks would keep me out
You should have known better after all this time
You're gonna pay in blood for all your vicious slander
With your ugly pale skins and your putrid blue eyes
Why should I feel pity when you kill your own and feel no shame
God's on my side, sure as hell
I'm gonna take no blame
I'm gonna take no blame
I'm gonna take no blame

So you say you believe in all of Mother Nature's laws
You lust for gold with your sharpened knives
Oh when your hoards are gathered and your enemies left to rot
You pray with your bloodstained hands at the feet of your pagan gods

Then you try to place the killer's blade in my hand
You call for justice and distort the truth
Well I've had enough of all your pretty pretty speeches
Receive your punishment
Expose your throats to my righteous claws
And let the blood flow, and [let the blood flow], flow, flow, flow.




17 março, 2011

A noite é uma criança...






Noite:

Hora do brilho
Fulgurante
Das estrelas!



A noite é uma criança...
querida, calma,
que dorme bem!
E que... observa
a si própria,
antes de nanar!
Rsrsrsrssss

Ela pensa: o dia hoje
foi tão bom!
Amanhã (vou brincar)
mais ainda.
Chama-se vida... a isso.

Sobre ser só



SOU
SEM 
SER,
SENDO 


Todos somos 
um único-singular plural: 
somos, cada um, múltiplos.

E...

Dentro de nós 
há uma vastidão 
de pessoas, 
de forma a sermos 
vários - termos - vários 
no nosso mundo interno.

E,
no entanto... 

SOMOS 
SÓS 
SEM 
SER 
SENDO


* Cesar R K *

10 março, 2011

O Milagre das Folhas, por Clarice Lispector



Que delicia:
O outono está chegando!!!!!!!!!





O Milagre Das Folhas

Clarice Lispector

"Estou andando pela rua
e do vento
me cai uma folha
exatamente nos cabelos.

A incidência da linha
de milhões de folhas
transformadas
em uma única,
e de milhões de pessoas
a incidência de reduzí-las
a mim.
Isso me acontece
tantas vezes
que passei a me considerar
modestamente
a escolhida das folhas.





Com gestos furtivos tiro a folha dos cabelos e guardo-a na bolsa, como o mais diminuto diamante. Até que um dia, abrindo a bolsa, encontro entre os objetos a folha seca, engelhada, morta.

Jogo-a fora: não me interessa fetiche morto como lembrança.
E também porque sei que novas folhas coincidirão comigo.

Um dia uma folha me bateu nos cílios. Achei Deus de uma grande delicadeza."




08 março, 2011

Conversas com os Mestres: sozinho e acompanhado, dentro e fora, semelhanças e diferenças





- Mesmo estando sozinho,
me sinto acompanhado de muitos.
(NO MEU MUNDO INTERNO)
Mesmo estando acompanhado,
posso me sentir sozinho.
(NO MUNDO EXTERNO)

Contradição?
Loucura?





- Você anda falando muito em semelhanças.
E menos (do que de costume) em diferenças.
Vivemos entre permanências e impermanências.
Ora querendo umas e, ora, querendo outras.
Um delicado equilíbrio,
sempre-buscado-e(parece)-nunca encontrado.

Contradição. Sim
Loucura. Sim.
É.

Mas, não é contradição!
Mas, não é loucura!

Uma rica vida psíquica.

É São!

(De "Conversas com os Mestres:
O de Dentro E o de Fora." P. 122)


Beleza, por Almeida Garret





Beleza

Vem do amor a Beleza,
Como a luz vem da chama.
É lei da natureza:
Queres ser bela? - ama.

Formas de encantar,
Na tela o pincel
As pode pintar;
No bronze o buril
As sabe gravar;
E estátua gentil
Fazer o cinzel
Da pedra mais dura...
Mas Beleza é isso?
- Não; só formosura.

Ao filho que adora
Inda antes de o ver
- Qual sorri a aurora
Chorando nas flores
Que estão por nascer –
A mãe é a mais bela
das obras de Deus.
Se ela ama!
- O mais puro
do fogo dos céus
Lhe ateia essa
chama de luz cristalina:

É a luz divina
Que nunca mudou,
É luz... é a Beleza
Em toda a pureza
Que Deus a criou.

Almeida Garret
(em "Folhas Caídas")




Rush, Cinderella Man e outras sensibilidades atípicas



Mais um pouco de sensibilidades atípicas:








Cinderella Man - Rush

A modest man from Mandrake
Traveled rich to the city
He had a need to discover
A use for his newly-found wealth

Because he was human
Because he had goodness
Because he was moral
They called him insane

Delusions of grandeur
Visions of splendour
A manic depressive
He walks in the rain

Eyes wide open
Heart undefended
Innocence untarnished

Cinderella Man
Doing what you can
They can't understand
What it means

Cinderella Man
Hang on to your plans
Try as they might
They cannot steal your dreams

In the betrayal of his love he awakened
To face a world of cold reality
And a look in the eyes of the hungry
Awakened him to what he could do

He held up his riches
To challenge the hungry
Purposeful motion
For one so insane

They tried to fight him
Just couldn't beat him
This manic depressive
Who walks in the rain

The Trees - Rush



Circunstances - Rush











Different Strings - Rush



Closer to the Heart - Rush












Estimulando devires em sensibilidades atípicas:
uma amostra possível em três atos musicados.




A quarta e quinta, são pra quebrar a sensibilidade
com outra (forma de) sensibilidade.






Rainbow Eyes





SHE HAVE RAINBOW EEEEEEEEEEYES...


Mia Couto, o estranhamento e a receita para ser feliz






A única maneira
que tenho de ser
feliz é ter esta
sensação de
estranhamento.

Como se estivesse
a olhar pela
primeira
vez as coisas.


Essa é a minha
receita para
ser feliz.

- Mia Couto -


Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) sobre... pensar nela...



Passei toda a noite, 
sem dormir, vendo, sem espaço, 
a figura dela,
E vendo-a sempre 
de maneiras diferentes 
do que a encontro a ela. 

Faço pensamentos com 
a recordação do que ela é 
quando me fala, 
E em cada pensamento 
ela varia de acordo com 
a sua semelhança 
Amar é pensar. 
E eu quase que me esqueço 
de sentir só de pensar nela. 

Não sei bem o que quero, 
mesmo dela, e eu não penso 
senão nela. 

Tenho uma grande distração
animada. 
Quando desejo encontrá-la 
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois. 

- Alberto Caeiro -



Cristian Ribas: Volto, de modo lento...




Volto, de modo lento e gradual,
no meio do caos, no amargo doce
e no açucarado sal, achando tudo normal
e perdendo o equilíbrio no que parecia ser igual.
Volto a mim mesmo, na beira do abismo
ou no fundo da planície, na ponta dos pés
ou no meio das mãos, carrego a solidão
como minha eterna companhia,
meu guia pra me levar pra algum lado,
não ouvir o que está guardado
e não refletir em você que fui derrotado.

Volto em silêncio, entre mentiras reveladas
ou esquecidos segredos, de paixões dissimuladas
ou amores condenados, com máscaras nobres ou verdades pobres.
Volto porque ainda acredito que sou mais que teu abandono.
Sou o sonho que não se apaga, o amanhã que ninguém ousa
e a realidade que poucos compreendem.

Cristian Ribas


Poema Dos Olhos Da Amada (Vinicius de Moraes / Paulo Soledade)





Poema Dos Olhos Da Amada

Oh, minha amada
Que os olhos teus

São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus

Oh, minha amada
Que olhos os teus

Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus

Oh, minha amada
Que olhos os teus

Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus

Ah, minha amada
De olhos ateus

Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus

* Vinicius de Moraes
/ Paulo Soledade *



O Tempo Passa? Não Passa! (Carlos Drummond de Andrade)



O Tempo Passa? Não Passa! 
Carlos Drummond de Andrade


O tempo passa?

Não passa no abismo do coração
lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.



O tempo nos aproxima

cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.



O tempo é todo vestido

de amor e tempo de amar.
O meu tempo e o teu
transcedem qualquer medida.



Além do amor, não ha nada,

amar é o sumo da vida.
Pois só quem ama escutou
o apelo da eternidade".