11 abril, 2011

Clarice Lispector sobre a aparência e a essência... e um breve comentário


Recebi de uma amiga no orkut:

Viver em sociedade é um desafio porque às vezes
ficamos presos a determinadas normas que nos
obrigam a seguir regras limitadoras do nosso
ser ou do nosso não-ser...
Quero dizer com isso que nós temos, no mínimo,
duas personalidades: a objetiva, que todos ao
nosso redor conhece; e a subjetiva...
Em alguns momentos, esta se mostra tão misteriosa
que se perguntarmos - Quem somos?
Não saberemos dizer ao certo!!!
Agora de uma coisa eu tenho certeza:
devemos ser autênticos, as pessoas precisam nos aceitar
pelo que somos e não pelo que parecemos ser...
Aqui reside o eterno conflito da aparência x essência
E você... O que pensa disso?
Que desafio, hein?

Clarice Lispector




Respondi assim:

Pois, minha querida...

A resposta a essa questão proposta
por Clarice Lispector no seu post,
pode ser dada em uma coleção
com 10 volumes; ou mais... rsrsrsrs

Tamanha a complexidade da pergunta
e da resposta: o dilema existencial de todos
que olham para si próprios e para os outros
com olhar interrogativo.

Penso que as normas servem de orientação
e busca de uma certa civilidade e 'devem
ser seguidas' à risca, enquanto servem e
nos fazem sentir bem e aceitos, pertencendo...

No mais, acho que podem e devem ser
subvertidas e questionadas infinitamente...
para instituirmos diferença e singularidade.

Nem sempre dizer 'bom dia' e sorrir é
uma ação educada, cordial e simpática... rs

Sou plenamente a favor de todos os processos
que buscam a singularidade e que propiciem
escapar dos processos de subjetivação
dominantes.

Com isso estou dizendo que muitas das
normas que engessam e enquadram
'jeitos de ser' e reproduzem comportamentos
socialmente aceitos e muitas vezes hipócritas
merecem as minha discordância e engajamento
não militante.

Também quer dizer que, eventualmente,
dizer 'Bom Dia' pode ser uma maneira
querida de desejar algo... singular.

Discordo da noção de aparência e essência
que a nossa humanamente divina e
divinamente humana escritora cita.

A dita aparência está na essência
e a essência está na aparência...
imbricadas e misturadas de tal forma
que é muito difícil chegar-se a uma
separação nítida e conceitual de ambas.

Isso supondo-se que existam como realidades
puras e separadas, já que, no caso da essência,
por exemplo, está embutida uma noção de
imutabilidade e de identidade, ou seja, a essência
é SEMPRE igual a si própria.

Ainda sobre o que é objetivo e subjetivo, 
desde os ensinamentos de Deleuze,
Foucauld, Guattari e outros,
sabemos que não é possível separar 
esses "conceitos" de maneira
a dar a eles uma sustentabilidade
com caráter de verdade.
Ou seja, há "uma fora do dentro"
assim como há um
"dentro do fora".

O que é dito objetivo
vai se tornando cada vez menos
objetivo a partir do momento que dele
nos aproximamos atomicamente, ou seja,
quanto mais 'perto' chegamos, 
menos objetivo se mostra o objeto.
Assim, um bloco de aço
é cheio de espaços vazios.

O que é dito subjetivo também
sofre mutações a medida em que vamos 
nos aproximando e, nessa aproximação,
nos é mostrada sua paradoxal existência
objetiva e métrica e molecular.

Essa concepção usual de "objetivo" 
está ligada a idéia de solidêz 
e materialidade.
A concepção de "subjetivo" está
ligada a idéia de imaterialidade.

Essas distinções são meramente
didáticas e técnicas - importantes
nesse sentido - mas desprezíveis 
quando se fala de pessoas, afetos,
comportamentos, idéias, ações
e coisas dessa ordem que envolvem
a nossa humanidade e, creio eu, 
nossa divindade (aqui numa
referência inequívoca ao que
se costuma chamar de espiritual).

Quem já leu poesia e assistiu
àlguns filmes, sabe que
nessa linguagem da poesia e do cinema
esses conceitos caem por terra rapidinho.

Quem já amou, quem perdeu alguém que ama 
- pela vida ou pela morte- 
sabe quão objetivos são esses afetos
e os sentimentos a eles ligados..
quando supunha, em algum momento...
que eram subjetivos e inomináveis.

Enfim, uma pequena resposta
incompleta e simplificada
para uma grande questão, 
talvez não tão bem formulada... rs

Obrigado por enviar.
Beijo grande.


3 comentários:

Cida Gaiofatto disse...

Olá amigo Cesar...Clarice até que muito me diz, conferindo diferença e singularidade...a todo sentido...Ficou tão clara sua colocação...sobre as dificuldades de SERMOS objetiva e subjetivamente...Aparência e essência...quando o vivente começa a querer ensaiar sair do casulo...Obrigada por todos os estímulos e amizade carinhosa...Com todo meu carinho.Parabéns sempre por tudo o que faz e envia...Beijos.

CidaG.

Cerikky.. Cesar Ricardo Koefender disse...

Cida, minha amiga poetisa:

Penso que estamos sempre saindo e entrando no casulo - uma ótima analogia essa que você fez - simultaneamente em 'coisas' e 'coisas' diferentes.
Numas já voamos e noutras... ainda não.

Numas temos a sensação OBJETIVA de ter asas, mas... quando vamos voando para mais longe... descobrimos que ESSE novo vôo é... desconhecido. PRONTO!
Casulo, de novo.

E assim... vamos.

A idéia da singularidade rompe com essa noção de asas, casulo, vôo e os coloca, todos juntos - guardando suas especificidades - num plano de imanência.
Estamos-mais-do-que-somos todas essas coisas.

Eu adoro Clarice Lispector, mas, muito de vez em quando, 'converso' com o que dela discordo.

Beijo grande e volte sempre.
Aprecio suas vindas aqui.

Cida Gaiofatto disse...

...Tão bom te ouvir...
te abraço...

cidaG.