28 junho, 2010

"Minha Esquerda", por Juremir Machado da Silva... sobre o novo livro de Edgar Morin


"Minha esquerda'' 


Edgar Morin completará 89 anos de idade neste mês de julho. Estive com ele, em Paris, há cinco dias. Senti que ficou mais frágil em pouco meses. A voz agora é quase um fio. As ideias, porém, continuam muito claras. Morin é um dos maiores intelectuais do mundo atual. Ele acaba de publicar um belo livro intitulado "Minha esquerda". A epígrafe já diz tudo: "Eu sou um direitista de esquerda. Direitista porque valorizo muito as liberdades, mas, ao mesmo tempo, sou muito esquerdista, pois tenho a convicção de que nossa sociedade precisa de transformações profundas e radicais. Tornei-me um conservador revolucionário. Precisamos revolucionar tudo, mas conservando os tesouros da nossa cultura". É isso.


Esquerda e direita continuam existindo e orientando as políticas de cada lugar. Morin começa recusando o artigo definido de "a" esquerda, pois ele "oculta as diferenças, as oposições e os conflitos". Em contrapartida, com seu estilo complexo, destaca nas esquerdas unidade, concorrência e antagonismos. A unidade das esquerdas está na eterna aspiração a um mundo melhor, à emancipação dos oprimidos, explorados, humilhados e ofendidos, e no desejo de universalização dos direitos humanos. Os antagonismos aparecem na existência de correntes diversas, que competem entre elas, em função de posturas, leituras e métodos de ação diferentes. Morin não encobre um só erro ou crime do esquerdismo. Tampouco justifica ou apaga um só erro ou crime das direitas.


Ser de esquerda hoje para esse jovem de quase 90 anos de idade não significa ser comunista nem defensor dos regimes stalinistas que dominaram o Leste europeu ao longo do século XX. Ser de esquerda, em 2010, significa, antes de tudo, opor-se à ideia de que a história chegou ao fim e de que o egoísmo deve prevalecer com a redução do Estado ao mínimo insuportável. Tecnologia, ciência e globalização trouxeram, segundo Morin, modernidade, progresso e desenvolvimento, mas trouxeram também novas exclusões, retrocessos e destruições. Compreender essa ambivalência é o papel dos intelectuais e dos políticos. Quem acha que o capitalismo venceu e ponto final, simplifica. Quem defende a utopia do Estado total, também simplifica. Ser de esquerda implica levar em consideração essas contradições para construir uma "utopia possível".


Inspirado, o jovem Morin provoca: "Retornemos às fontes de esquerda, que são, ao mesmo tempo, revolta e aspiração. Revolta contra tudo o que degrada o homem pelo homem, revolta contra o que submete o homem, desprezo e humilhações. Aspiração não ao melhor dos mundos, mas a um mundo melhor. Essa aspiração, que nunca parou de nascer e renascer ao longo da história humana, continuará a renascer. Mas necessitará de um pensamento político regenerado para fazer renascer a vontade e a esperança". Ninguém se contentará com a lei do mais forte. Os homens precisam de competição, mas vivem melhor quando conseguem associar concorrência e cooperação. Lições de um sábio.


JUREMIR MACHADO DA SILVA > correio@correiodopovo.com.br 


Fonte: Jornal Correio do Povo edição de 28 de junho de 2010

Um comentário:

Kátia disse...

Morin lembrou-me um sonho... Deu vontade ir no embalo das provocações dele: "Retornemos às fontes de esquerda... para fazer renascer a vontade e a esperança".

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