12 setembro, 2009

Caminho das Índias III: considerações finais - revisited - e conclusivas





Caminho das Índias III: considerações finais - revisited -

Terminou.
E a Globo repetiu a velha fórmula e forma: final apressado, atropelamento dos personagens, da trama e qualidade argumentativa fraquíssima, fragilíssima.

Final previsível, novamente, com direito a casamentos, descobertas dos não ditos e revelações de todos os tipos... e, para a alegria geral da nação... digam e mostrem ao povo que a felicidade existe.

Mais um final feliz e apoteótico, quase patético. Claro que os desempenhos de Lima Durte, Tony Ramos e Juliana - ooohhh Juliana - estavam perfeitos. São excelentes atores.

Só para citar:
- Realmente o pobre do Bahuan continuou sendo dalit até o fim; perdeu espaço na novela, ficou fora dos acontecimentos principais e foi relegado ao ostracismo na trama. Logo ele que começou tão bem, o Garcia. Foi casar com a filha do milionário de nome inescrevível montado com ela sobre um elefante. Só rindo...

- o Total-histérico pai de Maya, aquele que comeu muitos peixes e se engasgou com várias espinhas, virou bebê, tudo para mostrar - mais um - dos vários aspectos da Índia de Glória Pires. Não que as crendices e rituais não existam por lá...

- A psicopata - detalhe: esse termo não é mais usado como diagnóstico nas classificações nosológicas da Psiquiatria faz mais de vinte anos... vinte anos! - saiu leve e solta, sorridente mesmo... e a ela foi destinado só um comentariozinho... a saber... que logo seria presa de novo... oh que emocionante. Depois de todo o glamour que a sempre linda Letícia S. desenvolveu entre caras, bocas e olhares, com direito àquela musiquinha de suspense... acabou no irajá...
Acho que ela merecia um final (mais) feliz, como a que teve outra psicopata que fugiu com o "amante" mais novo há tempos atrás, noutra novela. A Ivone bem que podia se encontrar com o Mike num remoto canto de... quem sabe Trinidad e Tobago... só para citar palavras em desuso... tomando champagne francês e brindando o fato de não ter de se esconder atrás de uma burka, ou melhor dizendo, embaixo de uma...

- A dalit eleita representante do distrito poderia ter um papel mais destacado. Ingenuidade? Não. Bem sei que a Globo não tem interesse em política. Nesse tipo de política...
Ela prefere algo mais... festivo, tipo... criança esperança.

- Zeca, o sempre monstro da novela, regenerou-se... e, segundo os comentários, sempre foi boa pessoa, com bons pensamentos e idéias, mas, vejam só: os pais é que não lhe deram limites. Bastou uma condenação e algumas atitudes de trabalho social e ele quase foi levado e levantado à categoria de anjo... Fala sério!

- Os dois patetas que não são mané, Ilana e César, o abominável, perderam a festa e os come-e-bebes. Que sacrilégio. Quase chorei por eles... No fundo, sempre foram mané, mas até agora ainda não descobriram isso...

- Adorei a cena da menina indo ao juiz para pedir o divórcio... e o encontro posterior dela com o dalit: promessa de amor eterno. Outro petisco bem explorado: aposta no romantismo e nos valores absolutos.
Mas que a cena foi bonitinha, foi...

- Gostei mesmo é da renuncia de Shankar e de sua adoção da atitude de homem retirante. Muito bem feita.

- Também gostei da cara de sem-vergonha do irmão da Maya, sempre flertando... desde o início. Tem coisas que não mudam no país que criou a noção de impermanência.

- As balzaquianas plastificadas e lindas, apesar das - muitas - rugas no pescoço, estavam lindas: a Sra. Cadore que dessa vez não teve tempo de gritar-seu-grito de guerra - devidamente inspirado na Porcina de Regina Duarte, alguém lembra dela? - Sheila-Sheila, Sheeeila, Sheeeeiiila; a traidora do marido e que foi chamada de vagabunda por ter-traido-o-marido-uma-só-vez-enquanto ele fazia isso às dezenas...

- De tudo fica a vitória, mais uma vez, dos mesmos e velhos valores direitistas e enfadonhos: familia tradição e propriedade. Até a dark-girl dos Cadore foi cotada para assumir a presidência do grupo!
Que espanto argumentativo. Isso sim é que é poder de convencimento!

Do que eu gostei?
De alguns ensinamentos que apareceram nas falas de Shankar e que retratam situações de autoconhecimento e espiritualidade... da Bethania, Betha, Betha Bethania, linda! ... e da Juliana- Maya!

11 para ela!
Exuberante, linda, perfeita, fascinante, encantadora, sensual, forte, determinada. Pronta para aceitar seu destino... e modifica-lo: um mix de resignação e luta constante. Ela ficou bem em todas as nuances da sua personagem: casada, de noiva, solteira, grávida, chorando, sorrindo, viúva, dançando, sentada, caminhando... de todos os jeitos. Linda e excelente desempenho!
Ave Juliana-Maya!
A Juliana o que é de Juliana!!!
Uma falha que ocorreu, parece-me que devido à pressa em encerrar a novela, foi ela ter aparecido sem sari nesse último capítulo na cena em que dança, pela última vez, pobres de nós, para o inssoso Raj.
Sim, na hora em que ele, mais uma vez, "desenrola" ela do sari... aparece uma prega de tecido com um corte longo, lá em cima na cintura dela... mal-e-mal prendendo uma parte noutra... eram saias sobrepostas! As indianas hinduístas não usam isso!
Equivale a estar de sapatos no templo... (veja post anterior nos links abaixo)

A novela que não mostrou a Índia "de verdade" e nem poderia fazê-lo, dada a imensa complexidade desse país e dessa cultura milenar, termina mostrando uma Índia cheia de cenários exuberantes, mas fazendo crer que Agra, Jaipur e Varanasi são, "tipo", bairros de uma mesma cidade.

Terminou tentando mostrar rituais, crendices e valores que de fato existem, mas que estão longe de serem assim tão ... estereotipados.

Terminou mostrando uma Índia sem pobreza, sem exploração do trabalho infantil, sem muçulmanos, budistas, parses, sikhs, cristãos...

Terminou sem mostrar que o país da "não violência" de Gandhiji é extremamente violento: matam meninas com frequencia e quase diariamente; batem em filhos e mulheres com igual freqüência; comem carne em abundância, embora não de gado, já que as vacas são mesmo sagradas e veneradas; cometem verdadeiras atrocidades com animais, ainda que macacos, pavãos (pavões?), elefantes e muitos outros "espécimes" andem soltos e ainda que jainístas usem panos na frente da boca e nariz para não engulirem, sem querer, insetos...

Terminou mostrando uma Índia que tem muita religião, no caso o hinduísmo, e está cheia de rituais. Mostrou que os indianos comerciantes, especificamente falando, adoram dinheiro (e todos das outras castas também). E é assim mesmo.

Eu adoro a Índia. Já fui para lá mais de uma vez e talvez volte. Mas a Índia definitivamente não é o que a Globo tentou mostrar.
Valeu mesmo assim.
Fiquei preso nessa assistência meses a fio, depois de anos sem assistir a programação da Globo.
Ainda bem que terminou.
Fim dessa prisão.

Links relacionados:

Psicologia e Vida Livres: CAMINHO DAS ÍNDIAS I: Comentários descartáveis mas não desprezíveis

Psicologia e Vida Livres: Caminho das Índias II: comentários finais e conclusivos

Psicologia e Vida Livres: Índia: conhecer o Hinduísmo não é sinônimo de conhecer a Índia!

Psicologia e Vida Livres: Conhecendo a Índia: olhares dialógicos, mas amorosos!

Psicologia e Vida Livres: Independência da Índia: 61 anos



Um comentário:

Cerikky.. Cesar Ricardo Koefender disse...

Claro que eu gostei da novela!
Vi quase todos os dias... (risos), mas não posso deixar de tecer alguns poucos comentários, já que há absurdos e abusos que ficam evidentes para mim, que já estive lá e leio e pesquiso sobre esse encantador e complexo país das simplicidades.

Emocionou-me aceitação incondicional de Opash Ananda de seu pai, quando prostrou-se em mudo respeito: que lindo esse gesto (quando feito de coração e com emoção, saido do rito e da prática obsessiva)... e como nós estamos distantes dessas demonstrações afetivas e respeitosas.

Muitas cenas emocionantes nesses dois últimos capítulos.

Os indianos, se assistissem, tenho certeza, ficariam encantados e muito, mas muito emocionados, já que são românticos e altamente emotivos.

Talvez, um atravessamento que os impossibilitasse de gostar desse final poderia ser mesmo o religioso: o final feliz com muitas aceitações de dogmas... poderia ser "apedrejado e açoitado".

Mas, quem quer descobrir as verdades e segredos familiares que figuram como não ditos em pactos atávicos e mudos e ficar com "todos os problemas resolvidos"?

Quem quer deixar de ser discriminado por preconceitos e sentir-se plenamente aceito?

Quem quer ter seus mortos de volta... sorridentes, saudáveis e felizes para continuar vivendo a vida?

...

Pois é... todos nós!