A índia, um país de dimensões continentais, tal como o Brasil, é o assunto do momento.
Esse súbito interesse pela cultura, religiões, vida social, templos e belezas que suscitam a espiritualidade no imaginário coletivo, possivelmente, vem na carona da novela global "Caminho das Índias".
Na novela, para encanto dos desavisados e, também dos já encantados, a Índia é mostrada no que tem de mais sedutor e exuberante: suas cores e mistérios; suas riqueza, luxo e palácios; seus tecidos, marcadamente as sedas e o algodão... e incenso brotando nos turíbulos.
Cenários requintados para mostrar, num folhetim, uma cultura e práticas milenares... pelas lentes de uma equipe e elenco eminentemente brasileiros.
Ora, nessa estado das coisas, VOZES se levantam do anonimato outorgando-se o papel de críticos e detentores de um SABER sobre "a Índia... que a globo não mostra".
Os dois emails abaixo, que recebi mais de uma vez cada um deles, retrata a maneira como o assunto está sendo tratado, passado, repassado e encaminhado pela mídia, não só oficial, mas, também, pela oficiosa: a que se faz dentro do nosso próprio computador, através dos nossos emails. Sério isso.
Passar mensagens e encaminhá-las sem a mínima crítica do conteúdo "subliminar subjacente" é uma forma absurdamente comprometida com esse estado das coisas, quero dizer: com a reproduçlão do estado das coisas... o status quo vigente.
Bem sei que isso não se dá devido às intenções maudozas , mirabolantes e premeditadas dos encaminhantes de emails e mensagens... e é precisamente disso que me ocupo e que me preocupa no momento, ou seja, a processualidade que se dá na invisibilidade dos seus conteúdos e na invisibilidade do próprio processo... estado acrítico!
A confusão começa já mesmo no título e no corpo da mensagem.
----- Mensagem encaminhada de magaly.d56@gmail.com -----
Data: Tue, 3 Feb 2009 07:24:11 -0300
De: Magaly Dolsan
Endereço para Resposta (Reply-To): Magaly Dolsan
Assunto: Entendendo o Hinduismo - Os perigos das Religiões
Vejam que entender a Índia e entender o hinduísmo são coisas entrelaçadas mas amplamente distintas, já que a Índia não é SÓ o hinduísmo.
Acho que isso não foi intenção da autora (que aparece acima), mas foi produto do encaminhamento...
Ora, isso é só um detalhe!
Não, não é!
Porque, para entender a Índia, é necessário falar MUITO do hinduísmo, a religião predominante, mas é preciso falar da colonização inglesa (sem as qual não haveria trens - a Índia tem a maior rede ferroviária do mundo - e chai -chá com leite, só para citar dois exemplos), portuguesa, holandesa; seria, igualmente, necessário falar no islamismo, budismo, sikhismo, jainismo e cristianismo, bem como nas muitas outras religiões que pululam no sub-continente indiano.
Seria preciso falar no seu processo de independência, na não violência de Gandhi, por sinal, um ídolo ocidental muito mal-visto pelos hinduistas ortodoxos (aos quais a novela global se refere e "mostra").
Seria necessário falar nas culturas tribais, nas aspirações, nas tecnologias, na ocidentalização ... e mais outro tanto de coisas.
Qualquer tentativa de falar na Índia sem considerar a sua complexidade é reducionismo e desrespeito para com a grande diversidade que caracteriza seu povo, sua história e sua abertura, pois, diferente do que o email abaixo afirma, a Índia é muito aberta ao novo... talvez até demais... basta lembrar que o budismo foi incorporado pelo hinduísmo, já que Budha é considerado uma das últimas encarnações de Vishnu.
Antes mesmo que alguém comece a gritar que não dá para fazer todo esse "tratato" sobre a Índia e sua complexidade, quero dizer que a complexidade, no sentido que Edgar Morin dá a esse termo, assinala, não um assunto complicado e difícil, acessível somente aos letrados, mestres e doutores, mas assinala exatamente a dificuldade de compreensão, de entendimento... e a insuficiência , inoperatividade e inutilidade de resumos e simplificações.
O que é complexo deve ser tratado como complexo!
Ora, comento esses dois emails que recebi exatamente por considerar que eles são reducionistas... querem dar conta de entender o próprio hinduísmo sem considerar a complexidade da Índia.
O primeiro desses emails, com links interessantes e boa fonte de referência para iniciar pesquisas, trata dos dalits como sendo imutáveis dentro de um hinduísmo também imutável. Se por um lado isso tem fundamento, principalmente nas regiões fora do eixo das grandes cidades , marcadamente nas regiões do interior, que são a maior parte do país, por outro, é absolutamente inverídico, já que muitos dalits estão migrando para outras religiões, principalmente para o islamismo, justamente numa tentativa de fugir do sistema de castas e do hinduismo que é, de fato, altamente discriminador, na sua versão mais antiga, Brahmânica.
Aliás, é sobre o Bramanismo que o email transcrito abaixo está falando...
Essa mudança de religião traz outra complexidade em seu seio. Como pode alguém que, no hinduísmo reencarnacionista e com um karma ruim, porque nasceu como dalit... acreditar numa só vida e sair da tradição familiar de que precisa vencer seu Karma para renascer, na próxima vida, em melhores condições?
Como pode adorar e ser devoto de um homem divino que nasceu (e morreu!) por vontade do único Deus para salvar a humanidade dos seus pecados? Como pode adorar o fogo (parses de Mumbai) ou o guru-sahib, no caso do sihkismo? Como pode ter a pretensão de se iluminar e alcançar o estado búdico ainda nessa vida... sendo um intocável, uma harijan... um dalit?
Pois, ao contrário do que o texto do já citado email abaixo afirma... PODE.
PODE SIM!
E... isso está acontecendo com milhões de dalits ao longo dos últimos SÉCULOS.
Basta citar o querido guru Baba Nanak, guru fundador da religião Sihk, que, descontente com o sistema de castas e com a proliferação de deuses do Bramanismo, instituiu essa religião monoteísta, um híbrido de islamismo e hinduísmo não ortodoxo. Ele também preconizou a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres (o que não existe no Hinduísmo "fundamentalista"), a solidariedade (algo realmente impensável no seu tempo) e o amor ao Deus único.
Também daria para citar a recente conversão ao budismo tibetano, crescente na Índia desde, principalmente, o exílio do XIV Dalai Lama em Dharamsala.
Dizer que os dalits estão eternamente condenados a servidão e que não podem ascender na escalo social é igualmente inverídico. A Índia já teve um Presidente da República dalit, embora seja um país cujo sistema político é o parlamentarismo.
Os dalits também possuem representatividade no congresso e força política.
Muito, no entanto, talvez quase tudo, precisa ser feito para evitar as discriminações.
Claro que a situação de milhões, e as cifras são assim mesmo... grandes, de dalits estão em condições absurdas de miséria, pobresa e debilidade, como bem retrata o texto apresentado e os link abaixo.
ma, volto a dizer... não é só isso.
Além do mais... pegar carona no modismo da hora para detonar com uma religião é, ao meu ver, preconceituoso e discriminador. Então... podemos falar também no catolicismo, no judaísmo e no próprio islamismo.
Será que a Globo mostraria as meninas na África tendo seus hímens e clitóris mutilados? Os judeus matando islâmicos com bombas jogadas em prédios escolares pertencentes à ONU? Os muçulmanos atirando pedras e foguetes em bairros judaicos e também matando crianças?
Será que ela mostraria as mulheres no afeganistão, sob o regime taliban, vestindo burcas e as condenando ao serviço doméstico sem a possibilidade de excercerem as suas profissões e estudar?
Por que, então, mostraria a pobreza da Índia, com suas vacas sagradas comendo lixo, os corpos humanos ou não humanos boiando no sagrado Ganges... e outras misérias mais?
Ilusão.
Não passa de ilusão querer que um canal aberto de televisão como a globo faça isso.
Ponto.
A Índia que a globo não mostra não é a Índia que o texto e as imagens abaixo mostram e descrevem. Pelo menos não só...
A Índia é MUITO, mas MUITO ...mais do que isto!
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Dois, dentre muitos livros possíveis, para aprofundar o assunto:
O romance de Marc Boulet: Na pele de um intocável (Um tanto "tendencioso, já que é um olhar devras europeu para uma realidade muito indiana e hinduísta)
E o maravilhoso: Índia - Um Milhão de Motins Agora, de V.S. Naipaul.
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Pra conhecer a "Índia como ela realmente é" vá para lá, veja e leia, estude e assista filmes não tendenciosos. Se quer conhecer a Índia por novela ou por email... você não a conhecerá e terá dela só um pálida sombra... muito pálida e bem na sombra.
Para finalizar... quero dizer que uma outra Índia, que faz parte da mesma Índia complexa que estou falando, também não é mostrada pela Globo (salvo em minúsculos fragmentos... nas falas de Shankar, Lima Duarte...) a Índia que produziu tratados de conduta ética e moral... conhecimentos acerca do espírito humano... como poucos outros países chegaram a pensar em fazer.
Agora me expliquem: o que mesmo tem a Índia a ver com preconceito e racismo no Brasil?
Uma coisa anula ou diminui a outra?
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O segundo desses emails, abaixo, tem fotos e os comentários que as antecedem. Nota-se a tendência "podre" ..."dalitina" na própria descrição do que está por vir... confira.
Querer combater o que julga preconceito usando os mesmos artifícios ...
Cenas chocantes, mas sem maquiagens "globais"... -O que a Globo não mostrou na novela das 21:00h...
Imagine a Juliana Paes, a Vera Fischer ou o Toni Ramos passeando na sujeira do Rio Ganges,
pulando entre um cadáver "podrão" ou outro, ou se lavando nas suas escadarias.
Depois, na volta para casa, imagine eles espantando os urubus que estiverem comendo uma carcaça de vaca em decomposição, ou insistindo em pousar naquelas roupas lindas (que a Globo mostra)...
Preste bem atenção: não há sequer uma pessoa (nas figuras aqui mostradas) com aparência saudável; com aparência de gente que come RAZOAVELMENTE bem.
São moradores da miséria, ainda descendentes da exploração britânica. Como vê, a Índia também tem disso!
Comentários em verde... todos meus
O que está em vermelho... é dos originais
Cena comum de uma rua super-populosa e povoada de uma cidade na ásia. Não vejo nada de mais e nem sequer vejo famintos com aparência de que não comem... razoavelmente bem.
Estão sendo comparados com quem mesmo?
Estão sendo comparados com quem mesmo?
Uma mulher, possivelmente dalit ou de alguma das castas de empregados amontoando "bolinhos de excrementos" de vacas e bois para secar ao sol para, depois serem usados como combústivel para os fogões e para aquecer as casas e residências... muito ecológico...
Aqui no Brasil e no resto do mundo ocidental... derrubamos àrvores para fazer lenha...
Animais comendo restos de lixo. Aqui no Brasil não tem isso? Alguém nunca viu?
Local de cremação dos mortos. É um aspecto da religião... polui o rio. Aqui enterramos... polui a terra.
O cheiro é absurdamente horrendo, mas ...
O cheiro é absurdamente horrendo, mas ...
No mesmo sagrado rio em que os mortos são cremados... toma-se banho, faz-se a higiene ((defecação e ... xixi... rsrsrs)
Vaca morta boiando no rio... chocante sim... e...? que mais? Aqui matamos as vacas para comer.. e aplicamos choque elétrico nelas para caminharem mais rápido no matadouro. Lá, elas morrem de morte natural SEMPRE!
Mas, na Índia, carneiros e ovelhas são, eventualmente, mortops a pauladas e pedradas... um horror. São considerados inferiores... já no Budismo Tibetano... podem ser a reencarnação de algum amigo ou parente... assim como no jainísmo.
Mas, na Índia, carneiros e ovelhas são, eventualmente, mortops a pauladas e pedradas... um horror. São considerados inferiores... já no Budismo Tibetano... podem ser a reencarnação de algum amigo ou parente... assim como no jainísmo.
Um corpo humano boiando antes de cremação que, por algum motivo, não aconteceu.
Na Índia o sagrado e o profano habitam o mesmo espaço e até mesmo o mesmo território. Eles são complementares e indissociáveis.
Acima e abaixo, corpos para serem cremados: É como se vissemos um carro fúnebre passando... kkkkkkkkk
A Índia pode ser romanceada, tanto na sua riquesa quanto na sua pobreza. Ambas são irreais quando tomadas como absolutos.
Os dois emails e essas imagens mostram a segunda das opções acima. A novela global, mostra a primeira.
Eu, "debilmente", tento mostrar que existe uma terceira via... a da complexidade... que refuta reducionismos e simplificações estéreis.
A índia é linda, maravilhosa, chocante, riquíssima e paupérrima e horrenda.
É cor, sonho e realidade fundidos.
É assalto olfativo, visual, cultural... da subjetividade... invasão e sutileza...
É poder atômico e subserviniência.
É espiritualidade, religião e supertição em "demasia"... e com muitos contraste.
É vida... e morte, sem rodeios e dissimulações.
É arte: cinema, dança, filosofia, poesia... e mais... arte!
É "tudo de bom", apesar dos pesares.
É multi-tudo: devires voam por lá...
2 comentários:
Índia é tudo no todo.. e todo no tudo!
Um lugar onde encontramos paz,religião, respeito e tradição..onde encontramos música, livros, cinema e cultura..a Índia talvez seja o país no mundo mais diversificado,complexo e ao mesmo tempo tão simples e humanitário que existe.Entender a Índia é como amar sem explicação o outro,sem muita lição e controvérsias..apenas SENTIR!
Isso que você tão bem enuncia Menina, na minha opinião... é o encantamento dos desavisados.
Definitivamente não considero a minha amada Índia um país humanitário. Lá os direitos humanos são selvagemente desrespeitados: espancam pessoas, agridem verbalmente e são cruéis com alguns animais.
São muito dicriminadores...
Mas, como você bem disse... na Índia há condições propícias para se sentir a paz, entrar em sintonia com esse sentimento... dada a espiritualidade reinante...
Para nós ocidentais é espiritualidade... para os indianos... é religião. Há diferenças...
Como tudo que se refere a esse país interessantíssimo... nada dá para generalizar... e fica "tudo" meio relativo.
Agora, mas uma vez você enuncia bem: na Índiia, quando se está lá... se sente, SENTE muitas coisas ...
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