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Muito, mas muito longe da versão apresentada pela novelinha global "Caminho das Índias" - que, ainda assim, eu assisto sempre que posso - está a Índia verdadeira, com seus múltiplos encantos e com sua falta absoluta de encanto.
Certamente não se chega a esse país de dimensões continentais e com muitos mil anos de história desavisado, como foi o caso da alienada noiva do Raj na novela citada (ela entra e sai da Índia inafetada, parece nada sentir; nem sabia, depois de dois anos de relacionamento com seu namorado indiano, aspectos básicos das características do país dele e da sua cultura, só para citar um exemplo. Claro, nenhuma ilusão de que a novela iria abordar a forte afetação que este país causa a qualquer estrangeiro que lá ponha os pés!).
Digo desavisado porque quem vai para lá já está com algumas informações, geralmente romantizadas e mistificadas, primeiro passo para a mitificação: o mito da Índia exuberante, cheia de templos, luzes e cheiros de incenso, isso por um lado; e, por outro, a pobreza, sempre alardeada, e a miséria da magreza exposta nas imagens das sagradas vacas e dos sadhus errantes.
A índia é tudo isso e muito mais. Uma mistura absolutamente inverossímel de contrários que desafiam a lógica e nos dão a sensação de habitar UM ESPAÇO que se caracteriza pela ausência de tempo. Também há a sensação - incrível isso - de não haver espaço e tudo estar na decorrência do tempo, que aparece como sendo infinito.
Neste estupendo país de contrastes, a beleza e a feiúra andam de mãos dadas; riqueza e miséria estão abraçadas; espiritualidade e materialismo caminham juntos; aromas se misturam com fedores... e assim, infinitamente paradoxal, a Índia desafia conceitos engessantes e definições simplistas, preconcebidas e reducionistas.
Jomar Moraes nos diz assim:
Como suas deidades, que mudam de rosto e humor, a Índia encanta e surpreende com seu mundo de contrastes
É difícil amar a Índia", escreveu Jean-Claude Carrière, um dos grandes roteiristas do cinema contemporâneo, autor de um livro em que expõe sua paixão por esse país distante e enigmático. Quarenta dias depois de percorrer mais de 10 mil quilômetros do território indiano, visitar cidades e vilas, conhecer uma parte de seus templos milenares e de sua modernidade caótica, pousar em ashrams de diferentes gurus e interagir com o seu povo em situações que, não raro, desafiam a lógica, peço licença para acrescentar outro detalhe à constatação do cineasta francês. É também difícil, muito difícil, não se deixar seduzir pela Índia. E mais difícil ainda esquecê-la. Amando-a ou detestandoa - e as duas reações podem ocorrer simultaneamente -, voltamos de lá com um selo indelével aplicado à mente e ao coração, uma marca formatada por choques e êxtases que, de algum modo, nos faz refletir sobre o que jamais pensamos antes.
Mais que misteriosa e mística, a Índia é diversificada e contraditória. E essa predisposição para lidar com os opostos e acolher tudo, tudo transmutando em seu caldeirão de regras escritas e ocultas, é a primeira causa de espanto para quem chega trazendo na bagagem uma visão idealizada do país. Não é confortável ver o clichê de um lugar tranqüilo, asséptico e espiritual, onde as pessoas entoariam mantras o dia inteiro, dissolver-se na poeira, na fumaça e na sujeira das ruas, na algaravia constante das multidões - onipresente num país com mais de 1 bilhão de habitantes -, na miséria exposta de milhões de pessoas, na esperteza de certos mistificadores e, sobretudo, no trânsito infernal das cidades, onde pedestres, carros, riquixás (triciclos movidos a motor ou pedal) e vacas têm de improvisar acordos na ausência de semáforos. Para alguns, é a frustração de um projeto de vida. "Já vi pessoas que vieram para ficar três meses retornarem na primeira semana", disse-me o canadense Gilles Bacon, um professor de ioga de Montreal que, pela terceira vez, está passando um ano na Índia. "Algumas choram, decepcionadas."
Como os conquistadores arrogantes de outrora e os preconceituosos de todas as épocas, os que se agarram aos contornos imaginários de uma Índia etérea e pura acabam impossibilitados de perceber uma outra sutileza desse complexo subcontinente. Na Índia, o presente não descarta o passado e muitas eras compartilham o mesmo espaço, numa aquarela de hábitos, idéias, crenças, filosofias e também ciências, que se relacionam até quando se encontram em aparente rota de colisão.
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Lotus Temple Fé Bahá'í
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Já Jean-Claude Carrière, no seu lindo, desmistificante e fiel livro Índia - Um Olhar Amoroso, nos dias:
"É difícil amar a Índia. A Índia não é um país charmoso, a começar pela paisagem, logo esquecida por causa da presença humana que tanto se impõe em todos os lugares. Quem não gosta dos homens não deve ir à Índia. A multidão é aqui a principal paisagem. Ela é o ator de todos as coisas. Sem dúvida, é por isso que, na literatura indiana de todos os tempos, os personagens são frequentemente atraídos para o exílio e a solidão, a renúncia, a partida. Que o viajante estrangeiro não se engage nessa via de isolamento seria meu primeiro conselho. Que aceite a multidão, que se misture com ela, que nela se perca. Primeira condição do amor: o contato."
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Nesse desapaixonado-apaixonante olhar, o autor caminha, cruza e trilha diferentes territórios existenciais, geográficos, afetivos, religiosos, sociais, históricos... humanos e divinos: um livro básico para quem quer conhecer UM POUCO da Índia verdadeira... sem ir lá.
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Eu misturado, num momento em que abriu espaço... kkkk
Foto tirada da porta do hotel, em Delhi.
2 comentários:
Flor postou esse comentário no meu orkut, pois não estava conseguindo fazê-lo aqui. Então, transcrevo.
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Obrigado querida, volte sempre.
Grande beijo e abraço.
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Oi, Cerikky.
Adorável o post sobre a Índia no teu blog.
Como não estou conseguindo postar um comentário por lá,
trago aqui minhas impressõs: a Índia é realmente um país
que nos fascina, e criamos alguns mitos em nossa imaginação.
Tão contraditória e tão cheia de contrastes, por isso mesmo
nos inspira vontade de conhecê-la.
E o teu post nos faz viajar por entre as ruas e o povo indiano.
Amei o comentário por parte do Jean-Claude Carriere:
"aceite a multidão, se misture com ela, nela se perca.
Primeira condição do amor: o contato."
Beijos, e uma excelente semana prá ti!
Olá, esse blog é magico, inspirador. Qual a sua filosofia de vida, seus gurus?
abraços,
Vanessa
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