Depressão, tristeza, mal-estar e sofrimento psíquico medicados e medicalizados. Outras abordagens possíveis!
A medicalização, já intituida e crescente, do sofrimento e da dor psíquica é uma prática cotidiana. A medicina, não somente através dos especialistas psiquiatras, mas também, através dos generalistas clínicos e outros especialistas, como endocrinologistas, gastroenterologistas, e pediatras (pasmem!)... têm tratado do e O sofrimento psíquico como um mal a ser combatido, quase que exclusivamente, com remédios. Poucos são os que indicam acompanhamento psicoterapêutico, (feito por psicólogos) ou que atuam como psicoterapeutas. Um grave problema de saúde pública.... e privada, já que grande parte dos remédios são caros e não estão disponíveis para a maioria dos, assim tornados, possíveis usuários.
As doenças da moda, depressão, ansiedade, angústia, fobias e outras mais, são vistas como "instituições fechadas", ou seja, a pessoa É deprimida, É fóbica... Algumas vezes TÊM síndrome do pânico.
No primeiro caso, vemos uma identidade "per se" sendo instituida; no segundo, vemos "um estado do ser" modificável. Diferentes maneiras de enquadrar o mal-estar gerado no mundo que habitamos.
É sabido que cada época histórica produz seus mal-estares e sofrimentos. Na idade média, só para citar um exemplo, não havia nome para, a assim, chamada loucura: "eles", mas mais frequentemente, "elas, as bruxas" eram simplesmente consideradas fora dos padrões ,e, portanto, condenadas (e condenados) "à morte. Ponto. Sem pretender fazer um histórico de como a loucura e o sofrimento psíquico foram institucionalizados e tratados ao longo do tempo (para isso temos o belo trabalho de Michel Foucault e outros teóricos e pensadores), quero dizer que, atualmente, até prova em contrário, a lei vigênte é a do não sofrimento: não é possível sofrer! Todo o mal-estar deve ser erradicado, extinto.. e a felicidade é uma meta absoluta absolutamente buscada. Ok. Todos queremos nos sentir bem e ser felizes, ou, ESTAR feliz em alguns momentos... Mas, daí a querer que o bem-estar seja uma condição pura e instituida, forjada pelo uso de remédios para combater a dor psíquica, como forma decorrente da negação do sofrimento... é algo muito diferente.
Finalmente surgiu, aqui no Brasil, uma voz distoante nessa prática médica. Baseado numa "nova corrente de intervenção positiva americana" (termo meu), o texto abaixo, uma entrevista do psiquiatra Hermano Tavares, retrata essa LUZ que apareceu no "fim do túnel" (na verdade acho que a tal luz está em algum outro ponto... entre o início e o fim do túnel): maneira diversificada e "nova" de lidar com as questões da saúde mental.
Apesar da iniciativa do médico citado ser altamente louvável e profundamente pertinente para a prática profissional em saúde mental, tem aspectos questionáveis. Uma questão paradigmática, fisosófica e "de concepção de mundo e de sujeito" que não podem, a meu ver, passar "em brancas núvens". Há algumas nuvens cinzas nesse céu. Quero, nesse sentido, dialogar com o texto do colega médico.
Em vermelho, as palavras dele e da reportagem ; em verde, as minhas. .................................
Entrevista: Hermano Tavares ''A psiquiatria está reduzida a dar o remédio''
Médico do Hospital das Clínicas (SP) diz que não basta eliminar a tristeza. É preciso ensinar as pessoas deprimidas a ter prazer
Por SUZANE FRUTUOSO
O psiquiatra Hermano Tavares nunca se deu por satisfeito com a crescente tendência de pacientes tratados apenas com medicamentos.
Ele acredita no poder que os remédios têm de equilibrar as funções cerebrais, mas considera que nenhum deles é capaz de tornar alguém feliz.
"Bem estar não é tratar a tristeza e ponto. É promover a felicidade", diz o especialista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Para elaborar essa tese, Tavares se apropriou da Psicologia Positiva, fundada nos Estados Unidos há dez anos. O movimento mostrou que todas as terapias se desenvolviam pautadas na doença e lançou a proposta de estudar o que faz as pessoas ficarem bem. O médico quer disseminar no Brasil a Psiquiatria Positiva. E tem grandes chances de obter sucesso nessa empreitada. A nova visão ganha cada vez mais eco num mundo no qual a depressão atinge 121 milhões de pessoas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
ISTOÉ - O sr. diz que eliminar o sofrimento não é suficiente, é necessário ensinar o paciente a encontrar prazer e bem-estar. Qual sua proposta?
Hermano Tavares - Desejo que a psiquiatria siga a proposta recente - e bárbara - da Psicologia Positiva. O movimento recebeu esse nome do pesquisador Martin Seligman. Ex-presidente da Associação Americana de Psicologia, ele começou a pesquisar nos anos 90 um método diferente do conhecido até então. Seligman mostrou que a psicologia se desenvolveu pautada na doença do paciente, apenas os momentos ruins eram estudados e trabalhados. E ninguém lembrou que era necessário destacar as horas boas, fazê-las presentes na vida das pessoas. Os esforços foram direcionados para apenas um dos lados da moeda, mas medicina não é só combate à doença. É também promoção da saúde e do bemestar. Há um longo caminho a percorrer até a felicidade e a um conceito mais amplo de saúde. Se existe a Psicologia Positiva, por que não criar a Psiquiatria Positiva? Há evidências de que isso é possível e desejável.
Receio que o termo Psicologia Positiva e Psiquiatria Positiva possam ser associados a práticas positivistas, cartesianas.
Desde a Filosofia da Diferença, de Gilles Deleuze, e da Esquizoanálise de Felix Guattari e do próprio Deleuze, com suas múltiplas associações, conexões e interatividades com a própria filosofia (marcadamente com Foucault, Nietzsche, Bergson - só para citar alguns), as artes, o cinema, a psicanálise, dentre tantos outros interlocutores, já se tem uma boa e longa caminhada nesse território da possibilidade de "tratar" e dialogar com "as horas boas"... aliás, esse é um dos fundamentos da prática dessa "vertente teórico-prática" da clínica psicológica, psiquiátrica, social... numa palavra Transdisciplinar.
ISTOÉ - Quais são as evidências?
Tavares - A dificuldade que as pessoas têm de entender que o contrário de tristeza não é felicidade. São sentimentos independentes. Inclusive, biologicamente falando, estão localizados em estruturas cerebrais diferenciadas. Às vezes, pela mesma razão, mas por motivos diferentes, você fica triste e alegre. Por exemplo, seu namorado ganhou uma bolsa para passar dois anos na Alemanha. Esse era o sonho da vida dele, você acompanhou todo o processo, fica feliz, orgulhosa - e triste, porque são dois anos separados. O mesmo evento suscitou dois sentimentos diferentes.
Acho bárbara essa possibilidade de exercitar o pensamento dialógico, onde duas correntes opostas, que podem ser complementares, ou não, de pensamento e percepção, coabitam: tristeza por um lado; alegria por outro.
Sentimentos, afetos e emoções não são "coisas" que se colocam em "caixinhas" separadas e se vive separadamente. Há uma complexidade nessa questão que remete a inseparabilidade e continuidade entre dentro e fora, saúde e doença, individual e social... humano e inumano, infantil e adulto, masculino e feminino, material e espiritual, público e privado... etc.
ISTOÉ - Diante dessa conclusão, o que deve mudar no tratamento psiquiátrico?
Tavares - Para começar, é necessário entender que bem-estar não é tratar a tristeza e ponto. É tratar a tristeza e promover a felicidade. Tratamentos psiquiátricos centrados em remédios são focados na redução das emoções negativas. Isso deve ser revisto. Temos tratamentos com antidepressivos (que são antidepressão), com ansiolíticos (que são antiansiedade) e com antipsicóticos (que são antipsicose). Mas combater a psicose não garante a racionalidade. O tratamento ideal é antidepressivo e pró-felicidade, ansiolítico e pró-serenidade e antipsicose e pró-racionalidade.
Concordo com a idéia de juntar e associar dialógicamente o "tratamento" da tristeza com a busca da felicidade. Promover quer dizer "dar impulso a" (à) felicidade. Tirar o foco (miope, nesse caso) das emoções e experiêncioas negativas é "questão de ordem" nas intervenções, práticas e exercícios profissionais na área da saúde. Não esquecendo que tristeza não é depressão.
ISTOÉ - Os remédios podem ser abandonados por pacientes de saúde mental?
Tavares - A questão não é abandonar os remédios que existem. Jamais. Se não cuidarmos dessa parte, entregaremos tratamentos pela metade. Mas tratar os sintomas de depressão de um paciente não é tratar apenas os afetos negativos.
Jamais é uma palavra "muito gorda e maior" (Morin fala nas palavras grandes como aquelas dotadas de sentidos pré-definidos e sujeitas às interpretações imutáveis; na Esquizoanálise fala-se na" gorda saúde dominante" como sendo aquela que está em conformidade com os ditames da produção de subjetividade vigente e midiática, ou seja, em concordância com o status quo vigente). Na minha prática profissional, para minha própria surpresa, há pessoas que se beneficiaram profundamente com a retirada da medicação antidepressiva e "antiansiedade".
Claro que, como diz a regra, "cada caso é um caso" e não dá para fazer generalizações.
Claro está também, que avaliar, tratar e intervir nos chamados sintomas de depressão não passa exclusivamente por fixar os olhos nos afetos negativos, ou, nos sofrimentos. Importante se faz considerar os múltiplos sentidos de vida que estão sendo enunciados, exercitados e experimentados através dos ditos sintomas, sejam eles da ordem da depressão, dos medos, fobias, pânicos , ansiedades e mesmo dos transtornos obsessivos-compulsivos. Muitas situações há em que os sintomas que caracterizam o quadro clínico nosológico são tentativas aparentemente fracassadas de lidar com outro tipo de mal-estar e sofrimento psíquico. Já o dizia Pichon-Rivière, um dos "papas" da Psicologia Social, que o sofrimento e o adoecimento psíquico, que também é social, são resultantes de tentativas de adaptação passiva à realidade, onde o sintoma aparece como válvula de escape... é um enunciador de algo mais... gupal, coletivo, social, ou seja, o sintoma denuncia e enuncia mal-estares que não são só do "doente", mas, são, também, do seu grupo familiar, social, próximo ou distante.
ISTOÉ - O tratamento convencional da psiquiatria também não inclui encaminhar o paciente para a psicoterapia?
Tavares - Se o especialista encaminha o paciente para a psicoterapia já faz mais do que só tratar a depressão. Seria ótimo se fosse sempre assim, mas não é a regra. A psiquiatria está reduzida a dar o remédio. Graças aos convênios médicos e à pressa que as pessoas têm de resolver os problemas. Ninguém quer ter tempo para refletir sobre a vida e as mudanças que devem ser feitas. O médico fala: "Está deprimido? Toma aqui esse remédio e em quatro semanas você estará melhor da depressão". Ele ficará menos deprimido, mas não terá mais bem-estar.
Essa, me parece uma questão central: é necessário, na grande maioria das vezes, haver acompanhamento psicoterapeûtico, ou psicoterápico, como queiram, para as situações em que está presente o uso de medicação na busca e no alívio do sofrimento. Ora, encontrar-se semanalmente com o profissional da saúde, psicólogo ou psiquiatra, não é tarefa fácil e nem econômica. Há que se enfrentar os ainda existentes preconceitos, medos, esterótipos e, principalmente, é preciso párar, fazer pausas... para poder pensar. Ora, pensar dói muito para os não iniciados que desejam soluções prontas, mágicas, pré-definidas e imediatas.
Essa questão do não querer "refletir sobre a vida e as mudanças que devem ser feitas", tão bem colocada pelo colega psiquiatra, é um dos sintomas sociais do nosso tempo, que vai se agravando, aparentemente, a cada nova geração: no mundo do consumo "livre e imediato", onde os bens são adquiridos, trocados e descartados com a mesma velocidade, fica complicado fazer pausas e pensar "sobre as coisas da vida e a vida das coisas".
Desde Guattari e Deleuze, com a noção de produção de subjetividade, temos elementos para confirmar o fato de que não consumimos somente bens de consumo materiais, palpáveis e trideminsionais: consumimos principalmente, e cada vez mais, de uma maneira mais ou menso acrítica, formas de viver, sentir, amar, trepar (ou para quem queira "fazer amor"... transar), comer, pensar, se relacionar, estabelecer relações de vizinhança, relações para com o lazer, para com a espiritualidade, e assim por diante...
Somos simultaneamente consumidores e consumidos.
Melhor ainda seria dizer: somos consumidores consumidos e consumidos-consumidores.
A grande máquina de guerra, que é a mais valia da subjetividade, faz suas vítimas sorridentes e pseudo-adaptadas altamente frágeis aos processos de desconstrução que a pausa e o refletir sobre os acontecimentos e não acontecimentos da vida podem desencadear, tarefa fundamental e ética da psicoterapia.
ISTOÉ - O que é ser feliz?
Tavares - Temos que diferenciar alegria de felicidade. Alegria é um estado passageiro, felicidade é mais duradoura. É quando a pessoa é dominada a maior parte do tempo por afetos positivos e não negativos. E, no senso maior, o conceito de felicidade se aproxima do de bem-estar. Seria a noção mais ampliada do "ser feliz".
A filosofia há séculos tentar definir a felicidade, o amor e a vida psíquica dos sujeitos. Algo parecido acontece com os poetas. Que alegria e felicidade são diferentes, não me parece haver dúvida. Agora, quanto a qual é mais ou menos duradoura, parece haver controvérsias.
Para alguns, a alegria tem relação direta com objetivos alcançados, com conquistas inesperadas ou altamente desejadas, que demandaram ações determinadas, enquanto a felicidade teria relação direta com estados de espírito mais complexos e não tão facilmente identificados. Abstratos? Talvez.
Para outros a alegria seria desse mundo e a felicidade "do outro". Do "outro" nesse... mundo! Ou seja, a felicidade estaria vinculada a questões de ordem espiritual (não religiosa, embora possa, também, estar associada a essa).
Ainda há os que pensam que alegria e felicidade são diferentes modulações, em intensidade e duração de estados afetivos prazerosos.
ISTOÉ - Como alcançar esse bem-estar?
Tavares - Estou desenvolvendo um estudo com imagens que pode ajudar a entender o que é fundamental nessa busca. Na pesquisa, uso fotografias que causam diferentes emoções, como tristeza, nojo, raiva e felicidade. Quando examinei as imagens que causavam felicidade, eram, em geral, conteúdos que apelavam aos desejos. Uma comida gostosa, homens e mulheres bonitos. Objetos de consumo também. É a primeira observação: coisas que apelam para o desejo e que poderiam satisfazer essa vontade causam felicidade. ISTOÉ - O que mais pode nos trazer felicidade? Tavares - Outros resultados desse trabalho mostraram que imagens de paisagens, lugares bonitos, a comunhão com a natureza e sentimentos espiritualizados também trazem felicidade. O amor é importante. Fotos de pessoas abraçadas, com bichos de estimação, de crianças brincando geraram a sensação de bem-estar. É a prova de que somos seres sociais e que devemos compartilhar momentos. Algo simples, que todos podem fazer.
A felicidade também se transformou num objeto de consumo e somos consumidos nessa busca. As experiências obtidas com os estudos do colega psiquiatra mostram isso claramente.
"A tal da felicidade" - assim medida - é aquela em que temos uma casa, um animal de estimação, alguém para abraçar e ser abraçado, belezas humanas ou não para serem contempladas e assim por diante. Os sentimentos espiritualizados também estão na ordem do dia graças ao boom dos nascentes e midiáticos livros de difusão doutrinária das mil e uma religiões existentes no planeta.
Penso que a felicidade PODE estar em tudo isso que está sendo citado e, de fato, muitas vezes está; mas, ela TAMBÉM PODE ESTAR muito longe disso e em lugares nem cogitados por esses estudos.
Quero dizer que estamos longe de demarcar os territórios existenciais da felicidade.
Ela pode - e de fato também está - em territórios inusuais, incomuns e não midiáticos.
ISTOÉ - O sucesso não aparece como um fator de felicidade?
Tavares - Sim. Havia fotos de pessoas gozando do sucesso: uma imagem do Ronaldo marcando um gol na final da Copa de 2002, um atleta cruzando a linha de chegada, um alpinista no alto da montanha nevada. A idéia de vencer, alcançar um objetivo também é importante na formação do conceito de felicidade. ISTOÉ - O que provam essas reações? Tavares - Que não adianta ir atrás de um medicamento que simule essas experiências. É melhor que você as tenha, que consiga encaixar essas experiências dentro da sua realidade. Se não tem recursos para fazer uma viagem, escalar uma montanha , busque desafios no cotidiano.
Aqui entram os famosos mecanismos de defesa do ego, tão bem conhecidos dos psicólogos: identificação, deslocamento, projeção, idealização, fantasia, confabulação, dissociação e tantos outros.
Entram, também, os processos de assimilação e acomodação citados por Piaget e seus seguidores.
Há de fato muitas pessoas que chegam a se entristecer (não é "a se deprimir", embora possam usar leigamente esse termo para se fererir a sua experiêência) ao ver gols e notícias do casamento (já desfeito) do Ronaldo; notícias de alpinistas e êxito de tênistas e coisas do gênero. É, importante nesse caso, destacar que isso não se dá ao fato de não poderem alcançar tais extraordinários feitos, mas por considerá-los.. fúteis, pobres, comuns (porque hiperveiculados), midiáticos... vazios.
Sucesso é um conceito baseado em paradigmas competitivos e capitalísticos, pode-se assim dizer.
O que é sucesso?
Que tipos de sucesso existe?
Quem quer que tipo de sucesso?
É preciso haver sucesso? No que? Por que? Para quem?
Buscar desafios no cotidiano é fundamental, não porque não se é famoso ou porque não se fez o tal gol ou escalou o everest, ações essas pertencentes a menos de 0,1% da humanidade, mas porque desafiar-se e ser desafiado faz parte da vida, do crescimento, do desenvolvimento: é preciso romper a casca dura do ovo do sucesso dos outros para se nascer na busca da própria realização pessoal, amorosa, social, relacional... etc.
Há algo na vida que escapa às demarcações científicas de qualquer disciplina e há territórios pessoais, interpessoais e trans-qualquer-coisa que estão ainda na jornada inicial de descoberta. Muitos caminhos a serem percorridos.
Penso que isso é válido para o conhecimento e o "trilhamento", para a vivência... da alegria, da felicidade, do sucesso e de tantas outras coisas mais.
ISTOÉ - Como foi feita essa pesquisa?
Tavares - Com voluntários que eram alunos das faculdades de medicina, psicologia e engenharia da Universidade de São Paulo. Foram 156 alunos, 91 homens e 65 mulheres. É um banco de dados imenso que está sendo analisado. O curioso é que a pesquisa ficou conhecida como o estudo do chocolate. Para convencer as pessoas a participarem, tentamos a gratificação, R$ 20. Ninguém apareceu. Mudei para uma caixa de bombons e tive um retorno enorme. É a prova de que as pessoas querem o que lhes traga bem-estar.
Chocolate é, sem dúvida, uma grande fonte de bem estar para a maioria das pessoas... Ainda que se pudesse comprar uma caixa de bombons com vinte reais, é preferível ganhá-la. Por que será? Uma hipótese plausível, a meu ver, é a necessidade de ser agradado com algo que traga sensação de bem- estar.
Sensação de bem-estar não é sinônimo de bem-estar.
O mesmo acontece, por exemplo, quando somos muito bem atendidos numa loja, embora não sejamos agradados pelo vendedor. A tendência é não voltarmos.
Um vendedor sério, nessa acepção da palavra sério quer dizer "que não sorri e não é simpático, pois que não nos agracia com seu sorriso" é um vendedor que não nos traz bem estar. Faz parte dos processos de subjetivação atual sorrir o tempo todo, na presença- e nas ausências - das câmeras filmadoras.
Queremos prazer a todo custo e nos vendemos tão facilmente como... tão facilmente ... compramos algo!
Não me surpreende - de todo - o êxito da caixa de bombons usada como recurso atrativo aos candidatos a participar nas pesquisas.
Além de que... foi uma bela e inteligente estratégia.
ISTOÉ - Mas como convencer o paciente de que, vivendo coisas simples, ele encontrará a felicidade?
Tavares - Não tenho dificuldade para convencer ninguém. Quando pergunto se desejam ser felizes, eles dizem: "O que tenho que fazer?" É aí que entra a segunda metade da laranja e que deveria ser regra. A orientação e o apoio médico. O paciente chega cheio de sintomas? Claro que precisa de medicação. O remédio trouxe serenidade? É hora da segunda parte, a psicoterapia. A partir daí a pessoa revê seu estilo de vida para chegar ao bem-estar. E é o encaminhamento que os psiquiatras não fazem e a que as pessoas dizem não poder se submeter por falta de tempo.
Aqui está um ponto em que me afasto da visão do meu colega trabalhador em saúde mental.
No meu entender NÃO é necessário remédio ANTES da psicoterapia, e, em muitos casos, nem durante e nem depois da psicoterapia. Isso é o que tenho visto na minha prática profissional.
Alguns casos, evidentemente, necessitam de avaliação psiquiátrica e é usual da minha parte solicitá-la e encaminhar "o paciente" (uso essa palavra, na ausência de outra melhor, já que cliente parece coisa de loja, advogado... imobiliária, mas, acredito que paciente é quem tem paciência... e é exatamente isso que falta para a maioria dos ditos "pacientes" que não querem parar para refletir) para um profissional da minha confiança.
Aí está! Talvez "pessoa" seja um termo mais adequado.
Atendi muitas pessoas com diagnóstico severo, como transtorno bipolar, transtornos de personalidade, sintomas de angústia e fobia marcadamente fortes e que não fizeram, ou fizeram uso de medicação por curto espaço de tempo, bastando a psicoterapia (em alguns casos as pessoas faziam Ioga ou praticavam algum esporte com regularidade e/ou mantinham alguma prática religiosa e/ou espiritual concomitantemente) como recurso de 'tratamento'.
Psicoterapia pós serenidade não me parece algo muito necessário.
É exatamente por estar na sua falta (da serenidade) que a psicoterapia e a medicação (em alguns casos) se faz fundamental ou se faz indicável. Mas aí começam os problemas: qual psiquiatra que recebe alguém (que está sofrendo e cheio de "queixas") pelo convênio e que não o medicaliza ou que diz que a pessoa precisa e/ou tem indicação de psicoterapia? Muito poucos, evidentemente.
Esse é dos grandes méritos apontados pelo Médico Psiquiatra na sua entrevista. Quase nenhum psiquiatra encaminha ou faz atendimento psicoterápico.
Infelizmente, para todos: o próprio psiquiatra, o psicólogo que receberia o encaminhamento e, principalmente, o "paciente", ou usuário dos serviços em saúde mental, que, muitas vezes, acaba procurando outro profissional para lhe dar o remedinho milagroso: até mesmo um clinico geral.
Triste estado das coisas, este!
ISTOÉ - Depois de encaminhar para a psicoterapia, o sr. trabalha com seus pacientes a busca pela qualidade de vida. Como funciona?
Tavares - Trabalho com pessoas compulsivas, que têm problemas com jogos, compras, sexo, comida. Drogas e álcool também, mas numa escala menor. Veio daí a idéia de que a Psicologia Positiva pode ajudar dentro da psiquiatria. A experiência que tenho com os jogadores compulsivos mostra que, ao apoiar o paciente, medicá-lo corretamente e indicar falsas concepções sobre possibilidades de ganho no jogo, ele reduz as apostas. Mas não há promoção do bem-estar com o fim do jogo. É necessário fazer com que ele encontre fontes de prazer fora dele. ISTOÉ - E como ele encontra essas fontes de prazer? Tavares - No Instituto de Psiquiatria, o paciente passa por um grupo de acolhimento, no qual aponta suas dificuldades, e pela psicoterapia voltada exclusivamente para problemas relacionados ao jogo, para suprimir o apostar recorrente. Conseguimos que 60% deles parem de jogar. Os outros 30% reduzem drasticamente. A partir daí, o problema é reestruturar a vida. Para isso, criamos há dois anos o tratamento pós-terapêutico. São sessões em grupo, uma vez por semana, nas quais falam sobre suas melhoras e o que ainda querem resgatar. Depois, passamos dicas de lazer de graça ou quase de graça em São Paulo. Temos uma lista de parques, teatros, shows. Isso ajuda a melhorar a vida das pessoas.
A compulsão em qualquer uma de suas formas é sintoma social. Indiscutível. E contemporâneo...
A psicoterapia, penso, entra exatamente nesse ponto em que questiona, avalia e desconstrói essa parafernalha maquínica de construção do prazer de forma doentia e compulsiva, onde o acúmulo de desejo e prazer é recompensado rapidamente ou, então, é postergado indefinidamente de forma simbólica através da sensação de retenção e aglomeração de bens psíquicos e corporais.
Os "corpos dóceis" se viciam nas máquinas de jogos, na atividade sexual, na prática esportiva e... etc, etc e tal.
Até mesmo no uso de medicamentos, enquanto encontrarem alguém que os receitue.
O uso de medicamente é recomendado em casos mais severos e mais institucionalizados.
ISTOÉ - O resultado é positivo?
Tavares - Excelente. Não só essas pessoas se saem melhor do que aquelas que pararam na terapia como têm menos recaídas e mostram maior satisfação com a vida. ISTOÉ - Uma pessoa em tratamento pós-terapêutico pode largar o remédio? Tavares - Depende do diagnóstico, do histórico familiar e da evolução da doença. As chances de prescindir da medicação crescem se o paciente aumenta a própria qualidade de vida. Quem tem uma depressão a cada dez anos não precisa manter o remédio. Se foi um episódio isolado, também não. Se há familiares deprimidos, melhor manter a medicação. Ninguém é condenado ao status de depressivo. Deve-se dizer ao paciente que ele está deprimido, que será tratado e, depois, a necessidade de continuar a medicação será verificada. Mas devemos antecipar que suprimir o remédio no futuro depende em parte do esforço dele em reformular a própria vida.
Como já citei acima, considero que o remédio é passível de uso e passível de não uso, de acordo com cada caso.
Claro que nossa opinião, minha e do meu colega, são diferentes por questão paradigmáticas e formativas, de formação.
Eu sou psicólogo e não medico; ele é médico e - quase só - medica.
Outros fatorem conjugam-se nessa diferenciação e diferença, mas não é possível abordá-los aqui e nem é minha intenção.
Seja como for, o trabalho desenvolvido nessa iniciativa do Hospital de Clínicas de São Paulo é altamente competente, a meu ver, porque aposta em mais de uma intervenção profissional e isso é o mais importante. Médicos psiquiatras que indicam psicoterapia, grupos de acolhimento, uso de medicação e etc.
ISTOÉ - O sr. acha que o uso de medicamentos como antidepressivos se tornou indiscriminado?
Tavares - Na verdade, o que há é um melhor diagnóstico. Muita gente sofria e não sabia que tinha tratamento. Talvez exista algum abuso no uso desses remédios, mas acredito que seja menor do que o alardeado. Alguns dizem que apenas psiquiatras deveriam prescrever essas drogas, mas isso não é realista. ISTOÉ - O sr. vai contra a idéia pregada pela maior parte dos psiquiatras. Tavares - Eu sei. Mas os dados mostram que 25% da população têm ou terão um quadro depressivo ao longo da vida. Não haverá psiquiatras suficientes no mundo. As outras especialidades médicas devem ser iniciadas minimamente na arte de diagnosticar e tratar uma depressão. ISTOÉ - O sr. não é contra tirar das mãos dos psiquiatras a decisão de diagnosticar e tratar doenças mentais? Tavares - De jeito nenhum. Médicos não psiquiatras prescreverão remédios, em determinadas situações, quando não for necessário. Mas ainda é um preço menor diante das pessoas que ficarão sem tratamento se a prescrição for restrita ao especialista. Apesar de entender o discurso de que é preciso cuidado na administração de antidepressivos, tenho receio de que seja uma tentativa de reserva de mercado de alguns profissionais.
Reserva de mercado, com certeza!
Dos médicos.
Desde sempre.
E assim continuará, ao que tudo indica.
E nem poderia ser diferente.
Aos médicos compete medicar. mas, penso, modestamente, não só!
A questão da qual me ocupo é:
E os outros profissionais habilitados a fazer diagnósticos?
Psicólogos, por exemplo.
Atualmente anda em discussão nos conselhos de Psicologia a temática de quem pode/deve/precisa ter formação psicoterapêutica e de que modo abtê-la, se com ou sem fiscalização dessa prática profissional pelo próprio Conselho Federal e/ou pelos Conselhos Regionais de Psicologia.
Psicologia é uma coisa.
Psiquiatria é outra.
E Psicoterapia é uma terceira.
Elas podem estar interligadas e estão ( e é desejável que estajam mais e melhor), mas são práticas baseadas em teorias, concepção e paradigmas diferentes.
ISTOÉ - Mas médicos de outras especialidades precisam de um conhecimento sobre saúde mental que não recebem na faculdade.
Tavares - Sim, sem dúvida alguma. Mas eu, como psiquiatra, preciso entender as variações de humor na mulher durante o ciclo hormonal. Seria legal ir à Sociedade Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia fazer um curso sobre essas questões. E igualmente interessante que os ginecologistas aprendessem conosco, psiquiatras, sobre as doenças do humor mais comuns. Se toda paciente que tiver alterações de humor próximo ao período menstrual chegar ao psiquiatra, não daremos conta da demanda.
Excelente, ainda que não inédita, idéia. Colocá-la em prática efetivamente exige, a meu ver, mudança de currículum nas entidades formadoras, semelhante ao que aconteceu com as faculdades de Psicologia, quando passamos a estudar mais e melhor neuroanatomia e fisiologia, sistema endócrino e etc.
Outra alternativa mais viável, bem mais viável, seria os médicos adotarem ATITUDES TRANSDISCIPLINARES.
Não apenas os médicos, mas os psicólogos, os educadores, os filósofos... todos.
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Talvez não seja tão viável assim. Muitas barreiras ainda precisam cair para isso acontecer. Barreiras paradigmáticas, filosóficas, de formação, de Egos profissionais... de todos esses profissionais.
Apesar disso, iniciativas como a do doutor que concede essa entrevista, é um passo importante.
E sério, confiável.
ISTOÉ - O sr. diz que não existem psiquiatras suficientes para a demanda de problemas mentais no mundo. A que leva isso? Tavares - Um estudo conduzido pela USP na Grande São Paulo mostrou que 48% da população teve um diagnóstico psiquiátrico ao longo da vida. É o habitual em qualquer grande centro urbano. Inclui tabagismo, alcoolismo, depressão e ansiedade. Depois, vem compulsão por jogo, transtornos alimentares, esquizofrenia, entre outros. Todas essas pessoas vão merecer tratamento psiquiátrico. E não daremos conta.
Receber um diagnóstico psiquiátrico, ou mesmo se identificar com vários deles durante a formação em Psicologia, são fatos incontestáveis. Imagino que o mesmo ocorra na medicina, psiquiátrica e não psiquiátrica.
A vida social e em sociedade não existe sem os seus chamados "loucos de plantão"... ou, noutros termos, seus seus bodes-expiatórios. Precisamos, ainda, dos chamados doentes mentais ou portadores de transtorno psíquico para termos refências para saber, imaginar, idealizar o que é.. saudável e normal.
Os movimentos da antipsiquiatria e da desinstitucionalização da loucura tentam, mas só tentam, ainda que continuem e tenham conseguido algum êxito... dar conta disso.
Nesse mundo de hiper referências, onde temos referências para quase tudo - e em excesso - fica bastante difícil saber o que é normal, saudável, social, público, privado, bonito, feio, prazeroso e desprazeroso, constrangedor, agradável... ad infinitum...
Precisamos estudar mais e melhor, em todos os âmbitos e conversar, conversar muito, discutir, mostrar nossas diferenças e buscar, cada vem mais, também, nossas semelhanças.
Um pouco disso foi o que o meu colega fez aqui, ao conceder essa entrevista.
E eu também.
Muito obrigado a ele, à revista IstoÉ , a intenet e... quem está lendo essa entrevista... comentada.
Duas citações, a propósito do tema:
1.
Vejo o inconsciente como algo que se derramaria um pouco em toda a parte ao nosso redor, tanto nos gestos, nos objetos cotidianos, na tevê, no clima do tempo e mesmo, e talvez principalmente, nos grandes problemas do momento. Logo, um inconsciente trabalhando tanto no interior dos indivíduos, na sua maneira de perceber o mundo, de viver seus corpos, seu território, seu sexo, quanto no interior do casal, da família, da escola, do bairro, das usinas, dos estádios, das universidades [...] Um inconsciente cuja trama não seria senão o próprio possível, o possível à flor da pele, à flor do socius, à flor do cosmos... [Felix Guattari]
2.
Livrem-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, as castrações, a falta, a lacuna) que por tanto tempo o pensamento ocidental considerou sagradas, enquanto forma de poder e modo de acesso à realidade. Prefiram o que é positivo e múltiplo, a diferença à uniformidade, os fluxos às unidades, os agenciamentos móveis aos sistemas. Considerem que o que é produtivo não é sedentário, mas nômade. (Foucault, Uma introdução à vida não fascista, pref. à ed. norte-americana de O Anti-Édipo.)
Livrem-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, as castrações, a falta, a lacuna) que por tanto tempo o pensamento ocidental considerou sagradas, enquanto forma de poder e modo de acesso à realidade. Prefiram o que é positivo e múltiplo, a diferença à uniformidade, os fluxos às unidades, os agenciamentos móveis aos sistemas. Considerem que o que é produtivo não é sedentário, mas nômade. (Foucault, Uma introdução à vida não fascista, pref. à ed. norte-americana de O Anti-Édipo.)
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