04 janeiro, 2009

RELEMBRAR FOUCAULT, Por Juremir Machado da Silva



Não sabem quem é Foucault? Claro que sabem.

Michel Foucault foi um dos mais influentes pensadores franceses do século XX. É o homem da sociedade de controle, de 'Vigiar e Punir' e da 'Microfísica do Poder'. Não tem prisão em que ele não seja citado por algum especialista. Alguns presos mais escolarizados tratam de lê-lo para ter o que conversar com assistentes sociais. Em 2009, não faltarão seminários tendo como 'gancho' os 25 anos da morte do autor de 'História da Sexualidade' e 'História da Loucura'. No Rio de Janeiro, uma das cidades mais descontroladas do planeta, os intelectuais adoram falar em Foucault para indicar que tudo está sendo vigiado, com instrumentos de poder por toda parte, especialmente câmeras. Só que o bandido, antes de cometer o ilícito, sorri para a câmera, ajeita o cabelo, arruma os seios ou mostra uma frase estampada na camiseta: 100% da gema.

A cultura brasileira desvia qualquer mecanismo de repressão da sua função original. O mais comum é transformar policial em guarda-costas, guarda-costas em personal qualquer coisa e personal qualquer coisa em amante. O dispositivo de repressão ou de controle funciona muito bem como gerador de prazer. Somos uma sociedade dita antropofágica. Queremos brilhar. Do Leblon ao Posto 9, em Ipanema, Foucault domina, só encontrando rival em Gilles Deleuze e Toni Negri, aquele mesmo que militou nas Brigadas Vermelhas e pegou uma cana braba depois do assassinato de Aldo Moro. Porto Alegre, porém, não fica atrás. Estamos cada vez mais intelectualizados e cultos. Foucault aparece até em cartas expedidas do Presídio Central. Essa é verdadeira medida do sucesso.

No lotação, outro dia, vi uma cena espetacular: diante daquele adesivo com a frase 'sorria, você está sendo filmado', a guria passou batom e lambeu os lábios. Ao perceber que eu tinha visto o seu gesto, de resto sem qualquer maldade, comentou sem a menor cerimônia: 'Eu sei que não tem câmera nenhuma'. Simulação contra simulação. Malandragem versus malandragem. Já tem 'cachorra' do funk tatuando na nádega esquerda (jamais na direita) uma frase de Nietzsche: 'A sabedoria é mulher e só gosta de guerreiros'.

A fila de destemidos apreciadores dessa filosofia marcial é cada vez maior. Depois dizem que a juventude não lê. Claro que lê. Especialmente os clássicos. O suporte é que mudou. Depois da pedra, do papiro, do pergaminho, do papel e do virtual, enfim, a leitura da nádega. E pode reproduzir à vontade. Podem não acreditar, mas é assim mesmo. Na praia, neste final de ano, vi uma carioca com um título de Jean Baudrillard no traseiro mais durinho do que um coco: 'A Transparência do Mal'. É realmente para jamais esquecer Foucault.

Um policial resolveu testar as pulseiras com chip para controle de presos em regime semiaberto. Presenteou o namorado com uma. Descobriu saunas que nem imaginava existirem. Espero que ninguém tome esse exemplo como uma tentativa de agressão à categoria. Parece que já tem joalheria querendo vender pulseiras de diamantes com chip.

Estamos, definitivamente, na sociedade de controle. Só falta informar isso aos ladrões de carro que operam em ruas como a Ramiro Barcelos. O pessoal age como se Foucault jamais tivesse escrito uma linha. Não se importa com a vigilância nem com a punição. Deve achar prazeroso. Pratica certamente uma forma de antropofagia.

Fonte: Correio do Povo PORTO ALEGRE,DOMINGO, 4 DE JANEIRO DE 2009
juremir@correiodopovo.com.br


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A sociedade de controle está nos mínimos atos do nosso cotidiano. Ela está, mas como dizer, parece nem sempre estar visível, ou, dito de outra forma, ter visibilidade.
Quero dizer que as pessoas não percebem estar sendo controladas. E, quero dizer, que quando percebem agem, ou mais freqüentemente, reagem como se não estivessem. Tudo isso se dá porque esse tal de controle está, por um lado visível demais e, por outro, completamente dissimulado.

Alguns exemplos:
1. Você recebe telefonemas de lojas e cartões de crédito dos quais nunca ouviu falar. Querem oferecer seus produtos. Sabem em que banco você tem conta, a rua em que você mora e, descobriram seu número de telefone fixo! Se você bobear, vai ter de dar explicações para esses "íntimos-estranhos-marqueteiros" acerca do porquê não quer adquirir ou comprar o tal produto.
2. Quando você sai de casa, é cumprimentado por "seguranças" (privados) de ruas do bairro contratados por vizinhos periféricos que você nunca viu e, algumas vezes, o chamam pelo nome! Depois disso, se você for um pouco simpático... pasam a querer marcar hora na sua casa, ou mesmo alí na esquina, perto da sua casa, onde AINDA NÃO TEM um segurança... para mostrar a você como você precisa contratar um deles para lhe ajudar quando chega com as sacolas do supermercado, para abrir a porta do prédio... para estacionar o carro com tranqüilidade, já que, eventualmente chega tarde.. e por ai vai... longe!
Noutros casos, quando um amigo seu ou familiar chega para lhe fazer uma visita, os tais seguranças chegam chamando-os pelo nome e dando "informações a seu respeito, algo como, ele saiu hoje pela manhã, mas voltou e e agora está em casa. Como sabem os nomes da pessoa? Ora, muito simples: estão em constante atitude de observação e escutam quando você os recebe e cumprimenta e abraça.
3. Naqueles horrendos serviços de auto-atendimento por telefone, que agora são proibidos por lei, controlavam até a sua maneira de expor o seu pensamento. No disque 1 para, dois para e.. duzentos para... você era testado aos limites da sua insuportabilidade e, cena rara, quando conseguia FALAR com um dos atendentes, verdadeiros robôs humanos programados para repetir incessantemente as mesmas informações, você não poderia ousar afastar-se um único milímetro das perguntas, pois, se fizesse alguma, um pouco mais atrevida ou questionadora... o circo pegava fogo, com uma verdadeira avalanche de senhor, isso, senhor aquilo.
Noa ato de querer cancelar um produto como cartão de crédito ou operadora de telefone... a tal coisa podia se estender por... MAIS DE UMA HORA!!! Porque eles sabiam que você era cliente a tanto tempo, que tinha feito tal e tal consulta... e assim por diante. Ora, você não pode simplesmente desistir de uma operadora, precisa, eles pensavam, explicar e sofrer bastante para consegui-lo. Ainda bem que a portabilidade chegou! Aleluia.
4. Você está conversando com alguém ao telefone e combinando algo que envolve uma terceira pessoa e, nesse momento, estando perto do seu computador, você recebe um email dessa terceira pessoa (o qual avisa a entrada de novas mensagens), indicando a hora em que ela lhe enviou, ou seja, agora, as 10h26minutos, portanto, ela está em casa e podemos ligar para ela antes que...
O mesmo acontece, por exemplo no orkut. Você ve quando a pessoa está on line e define, em função disso, de acordo com seu estado de ânimo, se vai responder aquele scrap ou não...
Essa loucura coletiva agenciada pela tecnologia chega ao ponto de por em dúvida a idoneidade e confiança que as pessoas tem uma na outra, basta que a mensagem de texto para o celular tenha "atrasado" e chegado algumas horas depois de enviada, como as vezes acontece... para levantar suspeitas.
5. Aqui em POA os ônibus funcionam ao avesso. Você entra pela frente, passa pela roleta e é visto "por todo mundo". Medida de segurança. Segurança?
Entra acionando o lado esquerdo do seu corpo... tentativas de estimular o hemisfério direito do cérebro.... kkkkkk
6. Se você é casado e tem filhos, o massacre do quando, como, por que e a que horas sai e quando volta... com quem e quanto tempo ficaram juntos... varia ao infinito...
Mas, nem é preciso ser casado, basta não estar com aquele humor maravilhoso, logo começam as perguntas...
(Claro que é necessário acompanhar os movimentos e deslocamentos dos filhos pequenos e adolescentes, e, cada vez mais). Mas, uma coisa é controlar no sentido de acompanhar, acolher, participar; outra bem diferente é buscar informações para regrar, definir, tolher, submeter e castigar as pessoas, filhos, conjugues, ou não, a interrogatórios que buscam "SÓ SABER" o que está acontecendo...e, com isso, controlar seus mínimos estados de alteração de ânimo.


Os exemplos podem ser muitos e intermináveis, talvez os aqui colocados podem não ser os melhores, mas quero dizer, que a sociedade de controle acontece, se materializa em pequenas ações do cotidiano: hiper-visibilidade, por um lado e completa invisibilidade por outro.

A violência acontece a olhos nús e bem na frente do nossa cara... "ninguém" quer se envolver.
Duas crianças, uma chorando, trancadas dentro de um carro totalmente fechado, num dia quente e sem ar ligado, no estacionamento de um shopping, enquanto o pai fazia compras.
Onde estavam os seguranças, os outros compradores e clientes do local que, pasmem, estavam circulando e passando, às centenas, perto do tal carro com as crianças... e nada fizeram?
Estavam ali... e cegos, surdos, mudos e emburrecidos, todos eles.
O tal pai veio depois de acionado pelo autofalante do estabelecimento... e chegou xingando os filhos por chorar e terem feito com que interrompessem suas compras. Durou 10 segundos.
Fizemos "um barraco, eu e uma colega.
Resultado: Depois de ameaçar chamarmos o Conselho Tutelar... "a polícia e os bombeiros, o papa, o Bush e o Bin Laden" (essa parte é piada), ele, o dito pai, "baixou a bola", tirou as crianças do carro, abraçou-as e pegando uma em cada mão, (após perguntar se queria continuar as compras com ele), voltou para dentro do shopping.
Detalhe: umas quinze pessoas, em centenas, pararam para OLHAR E VER o que estava acontecendo. Duas falaram.
Uma disse:
- Que absurdo deixar as crianças num carro fechado.
Outra disse:
- Coitado do cara, não pode nem fazer compras direito com esse fedelhos. Por que não os deixou em casa para não ficarem enchendo...?

Visibilidade mesclada com invisibilidade.

É por essas e outra que querem tatuar frases de grandes filósofos na bunda e em outros lugares mais. Na sociedade de controle... TUDO PODE e ninguém vê!
Ou, simultaneamente, todos vêem e...

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