Fenomenal
Letícia Thompson
Se é verdade que a cada dia basta sua carga, por que então teimamos em carregar para o dia seguinte nossas mágoas e dores?
Há ainda os que carregam
Para a semana seguinte, o mês seguinte e anos afora...
Nos apegamos ao sofrimento, ao ressentimento,
Como nos apegamos a essas coisinhas que guardamos nas nossas gavetas, sabendo inúteis,
mas sem coragem para jogar fora.
Vivemos com o lixo da existência, quando tudo seria mais claro e límpido com o coração renovado.
As marcas e cicatrizes ficam para nos lembrar da vida, do que fomos, do que fizemos e do que devemos evitar.
Não inventaram ainda uma cirurgia plástica da alma, onde podem tirar todas as nossas vivências
e nos deixar como novos.
Ainda bem...
Não devemos nos esquecer do nosso passado, de onde viemos, do que fizemos, dos caminhos que percorremos.
Não podemos nos esquecer de nossas vitórias, nossas quedas e nossas lutas.
Menos ainda das pessoas que encontramos, essas que direcionaram nossas vidas, muitas vezes sem saber.
O que não podemos é carregar dia-a-dia, com teimosia, o ódio, o rancor, as mágoas, o sentimento de derrota e o ressentimento.
Acredite ou não, mas perdoar a quem nos feriu dói mais na pessoa do que o ódio que podemos sentir durante toda uma vida.
As mágoas envelhecidas transparecem
No nosso rosto e nos nossos atos e moldam nossa existência.
Precisamos, com muita coragem e ousadia, abrir a gaveta do nosso coração e dizer:
Eu não preciso mais disso, isso aqui não me traz nenhum benefício
E quando só ficarem a lembrança das alegrias, do bem que nos fizeram, das rosas secas, mas carregadas de amor, mais espaço haverá para novas experiências, novos encontros. Seremos mais leves, mais fáceis de ser carregados, mesmo por aqueles que já nos amam.
Não é a expressão do rosto que mostra o que vai no coração?
De coração aberto e limpo nos tornamos mais bonitos e atraentes e as coisas boas começam a acontecer.
Luz atrai, beleza atrai.
Tente a experiência!
Sua vida é única e você é único,
Sua vida merece que, a cada dia, você dê uma chance para que ela seja plena e feliz.
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Nossa sociedade competitiva prioriza o "ter razão" e, assim, vai retro-alimentando esses sentimentos.
Mas, se isso é necessário para entender, não é suficiente para dar conta dessa complexidade.
Há, ainda, a idéia muito pouco conhecida da "mais valia" emocional... o lucro nas relações, algo muito produzido pelo Capitalismo Mundial Integrado, através do qual, guardar coisinhas nas gavetas, e no coração, para uso posterior, se transforma numa forma de barganha e numa vã ilusão de ter o controle da situação.
Há, ainda - e isso é um complicador na situação - o tempo de cada um, que é diferente. Leva-se tempos diferentes para perdoar, esquecer... há ainda os que perdoam, de verdade, mas não esquecem!
O "não devemos nos esquecer" do texto de Letícia, é só mais uma regra, que universaliza o particular, iguala o diferente.
É sabido que muitas pessoas devem se lembrar das experiências do passado para realizar outras, usando as como referência para não fazer da mesma maneira e/ou para fazer diferente. Também é sabido que há muitas pessoas que necessitam se esquecer do passado e deixar de usá-lo como referencia para conseguir fazer algo diferente, sem ficar se reportando àquelas situações vividas "no antes".
Há ainda uma outra questão que me parece fundamental e que é pouco conhecida: o fato de que, o que é verdadeiro no plano espiritual, não necessariamente é verdadeiro e igual no plano psicológico.
Me explico: muitas necessidades espirituais se transformam em regras psicológicas difíceis de protagonizar. Há um certo positivismo paradigmático que direciona comportamentos, atitudes, sentimentos e comportamentos sem considerar a constituição psíquica dos sujeitos que são, por característica, por definição e por práticas, diferentes.
Assim, é inegável que perdoar traz bem estar, leveza e bem estar para o "perdoador". Por outro lado, pode trazer culpa e sensação de não merecer essa benção ao perdoado.
Também é inegável que não perdoar, em alguns casos, é uma defesa que o sujeito usa para evitar e se proteger de situações futuras de maltrato, desrespeito e agressões repetitivas.
Assim, praticas espirituais e práticas psicológicas nem sempre andam de mãos dadas; por vezes, se separam radicalmente e é preciso avaliar a ambas em seus contextos.
Sei de inúmeras pessoas que vão tomar passes semanalmente no centro espírita e de pessoas que buscam aconselhamento em grupos religiosos católicos ou evangélicos, para resolver situações conflitivas do casal, por exemplo, e dizem ter perdoado, por exemplo, mas estão confusas, inseguras e cheias de racionalizações porque no plano psicológico e emocional, de fato, ainda não perdoaram e não "elaboraram" as dificuldades e nem chegaram à decisão de que "aquela" é a melhor maneira e a melhor solução para o problema.
Vão fazer psicoterapia. Aí, novas possibilidades se descortinam para elas.
Também sei de situações de pessoas que estão há anos fazendo psicoterapia, e não conseguem perdoar situações muito antigas: vão iniciar uma prática espiritual, tomar passes, ir na missa, fazer meditação e... sucesso... alcançam seus objetivos.
Óbvio: nem só a psicologia e a psicoterapia ou a análise e nem só a prática espiritual, dão conta de promover, isoladamente, questões complexas como essa.
Questões relativas aos sentimentos humanos não são passíveis de serem resolvidas por pensamentos positivistas do tipo tenho que perdoar, preciso esquecer, vou relevar... o que acontece, geralmente, é que se transformam no seu oposto, ou seja, em mecanismos altamente elaborados e consistentes de negação psicológica, algo como "tapar o sol com a peneira"... modos sempre renovados e disfarçados, dissimulados mesmo, de "fazer de conta que nada está acontecendo etc.
Quando se está em depressão, aliás, essa é uma das "doenças da moda" ou num agudo estado de ansiedade e angústia, não se consegue ver a vida como renovada todos os dias e chances para ser feliz e fazer tudo diferente, mesmo que se queira e se esforce para isso. Pelo contrário, cada novo dia ou anoitecer pode ser visto, e freqüentemente é, como mais um terror: mais uma vez as dificuldades se atualizando numa penosa tortura, numa tentativa de se manter tal qual está, ou seja, trazendo dor e sofrimento psíquico... a esperança e a saida disso vai brotar, sair , aparecer, mas, quando?
A sensação de não "aguentar mais tudo isso" também vai se repetindo, assim como vai repedindo-se a esperança, para novamente dar lugar ao não aguentar mais... até... até acontecer Algo... algo que faça com que a ajuda seja efetivamente buscada.
Beleza atrai. Sim
Luz atrai. Sim
E é ótimo!
Mas, trevas também atraem e, em casos freqüentes, nem chegam, os sujeitos, a ver a luz.
Precisam de ajuda, da nossa ajuda. Necessitam de um bom profissional da Psicologia (ou psiquiatria associada, em alguns casos, sim, porque só essa última, de modo geral, também não dá conta: não basta tomar um remedinho e ser feliz depois... e rápido. Isso não existe, por mais que seja esperado!)
Necessitam, também, com freqüência de uma prática espiritual, esportiva, lazer, amigos. Necessitam de tudo.
Só os amigos não adianta.
Só tomar passe não adianta.
Só tomar florais e psicotrópicos não adianta.
Só correr-nadar-caminhar e praticar lazer ou se "enfiar na internet" não adiantam.
Muito mais é necessário.
Resumo essa complexa e difícil questão dizendo: ser e ter saúde mental dá trabalho, assim como estar bem espiritualmente, também.
Mais fácil, mas muito mais fácil é sair loqueando por aí, inconsequentemente...
(Cerriky -Cesar Ricardo Koefender)
Um comentário:
Meu texto contíguo ao de Letícia é uma provocação, não um desmerecimento.
Achei o texto dela muito bom e verdadeiro.
Senti, no entanto, necessidade de ampliar e contextualizar os conteúdos.
Por vezes as idéias e práticas espirituais são um início na tentativa de buscar bem estar para a alma e para o coração. Sim, válido e verdadeiro.
O que quero deixar claro é que, em inúmeros casos, isso só não basta e acaba se transformando em mais uma prática instituída, numa retórica... mais uma muleta para as pessoas não mudarem efetivamente seus vínculos, relações, práticas e atitudes.
Pensar positivamente não basta.
Nem sempre somos o que pensamos; pelo contrário, existe vida, muita vida, naquilo que nem sequer cogitamos.
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