19 novembro, 2008

Arte: Simon Schama e Richard Senna em POA




CORREIO DO POVO
PORTO ALEGRE, SEXTA-FEIRA, 7 DE NOVEMBRO DE 2008
Texto de Juremir Machado da silva
Imagens da Internet


(David Segurando a Cabeça de Golias', de Caravaggio)

O ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento 2008, promovido pela Copesul Braskem, com o apoio da PUCRS, da Ufrgs e da Unisinos, aproxima-se do seu final. Na próxima semana, haverá sessão em dose dupla, às 19h30min, no Salão de Atos da Ufrgs. Na segunda-feira, dia 10, será a vez do historiador britânico Simon Schama. Na quarta, 12, o escultor norte-americano Richard Serra e a curadora da 'Dia Art Foundation', de Nova Iorque, Lynne Cooke, dividirão o palco. Depois dessa rodada dupla com três palestrantes, restará o fechamento em grande estilo com Bob Wilson, no dia 24. Nenhum evento cultural deu tanto espaço aos pós-modernos como Fronteiras do Pensamento. A elite do minimalismo tem desfilado por aqui. Serra e Bob Wilson fazem parte desse paradigma artístico hoje dominante.

Em todo caso, sempre é bom começar pelo começo. Quem é Simon Schama? Londrino de nascimento (1945), professor de História da Arte na Universidade de Colúmbia (NY), conhecido por uma série para a BBC, um livro sobre o poder da arte e por uma biografia do pintor Rembrandt, Schama escreve para publicações como The Guardian e New Yorker. O seu livro mais famoso, no entanto, é 'Cidadãos – Uma Crônica da Revolução Francesa'. É um texto inesquecível. O capítulo 'Enterrado vivo? Mitos e Realidades na Bastilha' é daqueles que desperta a imaginação de qualquer um e reacende o gosto pelo estudo da história. Uma 'palhinha': 'A Bastilha tinha endereço. Identificava-se com o número 232 da rue Saint-Antoine, como se fosse apenas uma imensa hospedaria, cheia de ‘chambres garnies’ e hóspedes de diferentes condições ocupando quartos que variavam de acordo com seus meios e posição. O pátio externo (exceto durante o levante de julho) era aberto ao público, que podia visitá-lo e conversar com o porteiro (alojado numa guarita), passear pelas lojas que se apinhavam na entrada ou examinar o progresso da horta do governador'.
Mas, completa Schama, era também uma fortaleza. E aí a história muda de tom. Encontrar esse tom, essa curva da história, parece ser o objetivo do historiador. É que Schama faz, por exemplo, ao estudar 'os custos da modernidade' no processo de ruptura com o antigo regime. Em Porto Alegre, contudo, Schama falará de arte. Salvo se alguém conseguir desviá-lo para a sua velha paixão pela revolução das revoluções. Falemos de arte. O que disse Simon Schama sobre o poder da arte? Ele pegou oito grandes artistas e oito obras-primas, como 'David Segurando a Cabeça de Golias', de Caravaggio; 'Guernica', de Picasso; 'A Conspiração de Claudius Civilis', de Rembrandt; e 'Auto-retrato' de Van Gogh, e buscou identificar o processo, o momento da concepção.

Em outras palavras, recolocou a eterna questão: o que é a arte? O poder da arte é uma arte do poder, uma vitória sobre a banalidade e sobre a repetição. Ao mesmo tempo, porém, como bem mostrou Pierre Bourdieu, a arte se dá em condições históricas específicas que podem e devem ser estudadas por uma sociologia da cultura, o que significa grupos de pressão, jogos de poder, estratégias de legitimação, luta pelo reconhecimento, construção social do gosto, ocupação dos espaços, eliminação dos adversários, imposição de uma idéia de belo e outros fatores mais ou menos nobres.

O poder da arte é, ao mesmo tempo, o de arrancar do nada algo significativo e de vencer numa guerra pelo reconhecimento. O gosto nunca é neutro. Nem universal. O gosto é uma construção cotidiana que resulta de uma infinidade de confrontos e de lances estéticos e argumentativos. Talvez Simon Schama se lembre de uma frase de 'Cidadãos' para interpretar aquilo que escapa da teoria do belo, do bem e do verdadeiro: 'A única arte contra a qual Robespierre não tinha defesa feriu-o então: o riso'. Não tem guilhotina que corte a cabeça da ironia. Poderoso é quem faz rir. Claro que Robespierre não pôde se sair com um delicioso 'quem ri por último, ri melhor'.


(Guernica, de Picasso)

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Um artista deve criar a sua marca, inventar a sua assinatura, parir o seu estilo, fixar a sua impressão digital. É simples assim. Richard Serra encontrou o seu jeito de fazer arte depois que trabalhou na fábrica de aço. Influenciado por Brancusi e pelo expressionismo abstrato, desde criança acostumado com os cenários entre bizarros e imponentes da indústria naval, onde seu pai trabalhava, achou no metal a matéria para suas obras-primas. Virou minimalista. Ser minimalista significa tirar o máximo de efeito com o mínimo de intervenções. Nada tem a ver com o tamanho das obras. Serra gosta de objetos portentosos. Dá para entrar ou passear sob as suas esculturas.

Especialista do efeito, passa uma solução nas suas obras que dão um tom de ferrugem aos objetos. O espectador sente-se um tanto inseguro. Parece que vai ser soterrado. Pura ilusão. Como a arte. É arte. Mas gera polêmica. Ou é arte porque gera polêmica? Com pós-modernos, sempre há polêmica. É isso que faz deles seres tão interessantes, ao contrário dos modernistas, sempre tão tediosamente arrogantes, universalistas e patéticos.

A maior polêmica de Serra aconteceu por causa da sua obra 'Tilted Arc', que foi desmontada por pressão dos moradores do local onde estava instalada. Em 15 de março de 1989, após cinco anos de controvérsias, a Administração de Serviços Gerais destruiu a peça que ela mesma encomendara. Era um arco levemente inclinado de 36,6 metros de comprimento por três metros de altura cuja aparência variava de acordo com o tempo, com o clima, com as condições meteorológicas. Qual era o problema? A escultura estava no meio da Federal Plaza de Nova Iorque feito uma pedra no meio do caminho. Os transeuntes sentiam medo e eram obrigados a contorná-la para atravessar o local, o que os desviava do caminho reto ou do reto caminho. Bando de americanos!

A derrota no processo não o fez desistir das grandes idéias nem das 'pegadinhas' escultóricas com aspecto de enferrujado. Em 2008, ele teve à sua disposição, no projeto Monumenta, a imponente nave central do Grand Palais, em Paris, onde instalou a sua 'promenade' (passeio), cinco monólitos de 17 m de altura. A França adora gigantismos. Paris e Serra foram feitos um para o outro. Ele confessou ao Le Monde a sua emoção: 'É como voltar para casa. Eu comecei aqui, era muito pobre, ninguém me conhecia, tudo estava por fazer'. A imprensa francesa adorou. Nada como um americano que se rende aos encantos de Paris.

http://www.usc.edu/schools/annenberg/asc/projects/comm544/library/images/819bg.jpg
(Artist: Richard Serra Title: Tilted Arc Date: 1981)





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