19 novembro, 2008

Para esquecer a modernidade




CORREIO DO POVO
PORTO ALEGRE, SÁBADO, 25 DE OUTUBRO DE 2008

Para esquecer a modernidade


Os modernos achavam-se muito críticos. E foram. Até certo ponto. Até certo momento. O apogeu da modernidade foi o seu verdadeiro começo, o Iluminismo. Depois, os modernos acreditaram na fábula que inventaram e perderam o rumo, transformando racionalidade em racionalização e confundido desejos com demonstrações. Apostaram num sujeito dotado de uma consciência capaz de tudo compreender e de não ser atrapalhada por outro tipo de força, por exemplo, a do inconsciente, esse continente secreto, mas nem tanto, que nos marca a ferro e fogo. O homem moderno era um ingênuo com bom espírito crítico que pretendia dominar a natureza apoiado na ciência e na tecnologia. Não lhe passava pela cabeça que dessa dominação pudesse resultar a destruição da natureza. Otimista, o homem moderno acreditava no progresso infinito, na emancipação total da humanidade, no fim de todas as superstições e na supremacia de uma cultura única baseada na ciência, na inteligência e na razão. A questão do multiculturalismo não fazia sentido para a modernidade visto que, cedo ou tarde, o processo racionalizador cumpriria a sua trajetória e tudo culminaria na paz perpétua da sociedade enfim desembaraçada dos seus conflitos e das suas diferenças. Quando essa ilusão se desfez, levando por água abaixo alguns universais muito particulares, sobrou o mundo imperfeito com suas contradições e imperfeições necessitando de astúcias e regras para 'equilibrar antagonismos'. O pós-modernismo não defende um paradoxal relativismo absoluto. Apenas questiona a prova da universalidade de certas normas e valores cujos frutos caem sempre nos mesmos quintais. Não é por algo trazer vantagens para as sociedades que esse algo se torna imediatamente universal e provado. A mais tradicional questão nesse sentido diz respeito a existência de Deus. Sem Deus, tudo se desorganiza e os homens perdem o controle. Mas isso prova a existência de Deus? Não. Prova a inexistência? Também não. Voltam as questões do velho Kant: que podemos saber? Que podemos fazer? Que devemos esperar? Surgem outras: como respeitar a diversidade?
Caro leitor, por favor, não durma. É sério. E interessante. A filosofia da vida fala da vida. Não se contenta com a lógica nem com sistemas abstratos. Recusa uma moral do sacrifício e defende que tudo aquilo que não traz prejuízos a terceiros deve permanecer na esfera privada da existência. A modernidade queria impor a sua lei a todos. A pós-modernidade, relativista e multiculturalista, quer que cada um tenha a sua lei sob um guarda-chuva mínimo de regras para o 'parque humano'. A modernidade buscava a unidade ou, na melhor das hipóteses, a unidade na diversidade. A pós-modernidade abriga a diversidade sem pretender reduzi-la à verdade do uno ou às supostas vantagens da padronização. Depois disso tudo, convenhamos, nada melhor do que um final de semana de futebol para colocar as idéias no lugar.





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