22 novembro, 2008

O mais espetacular dos eventos intelectuais

FRONTEIRAS DO PENSAMENTO | JUREMIR MACHADO DA SILVA

Fim de festa. Acabou-se o que era doce. E muitas vezes foi doce, agridoce ou simplesmente azedinho. O ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento, promovido pela Copesul Braskem, com apoio da PUCRS, da Ufrgs e da Unisinos, dá o último suspiro nesta segunda-feira, 24 de novembro, a partir das 19h30, no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com uma palestra do pra lá de fashion e pós-moderno Bob Wilson. Fronteiras do Pensamento foi um sucesso, certamente o maior evento intelectual de fôlego organizado no Brasil. A mídia bairrista e provinciana do Rio de Janeiro e de São Paulo teve de abrir as pernas vez ou outra e dar espaços, embora, obviamente, não tenha dado o destaque merecido pelo conjunto da obra. Em outros tempos, quando um certo Adauto Novaes organizou boas palestras, mas que não chegavam nem aos pés do que foi o Fronteiras do Pensamento, os paulistas trataram de dar-lhe um prêmio nacional. A Companhia das Letras publicou os anais.
Como é medíocre e mesquinho este Brasil da mídia! Cariocas e paulistas vivem dizendo que os gaúchos são bairristas. Claros que somos. Mas eles não ficam atrás. Carioca acha que só os outros têm sotaque. O bairrismo paulista se expressa na crença de que São Paulo é realmente cosmopolita. É o único caso mundial de cosmopolitismo com sotaque caipira e impacto meramente regional, salvo alguns respingos na periferia do capitalismo. Algo como se Nova Iorque fosse universal com sotaque texano. A mídia carioca só não é a mais rastaquera do Brasil graças à existência da paulista. É páreo duro. O complexo de inferioridade dos paulistas é tamanho que a Folha de São Paulo se obriga a inventar volta e meia, com quatro ou cinco páginas, grandes filósofos da USP, entre os quais Paulo Arantes e Bento Prado Jr., que jamais tiveram uma idéia original ou uma obra capaz de merecer quinze minutos de atenção. É o simulacro como mecanismo de legitimação sem futuro. Não perderei tempo com quem considera os bons professores Marilena Chauí e José Arthur Gianotti grandes filósofos.
Em 2008, o ciclo Fronteiras do Pensamento aconteceu em Porto Alegre, São Paulo e Salvador. Na capital gaúcha, como na baiana, aos 87 anos de idade, Edgar Morin arrasou. Falou de amor, de sabedoria, do destino do planeta e do que se pode ou deve esperar do conhecimento e da ciência. No começo do ano, porém, Porto Alegre viveu um momento especial quando o dramaturgo espanhol Fernando Arrabal, reconhecido mundialmente pelo vanguardismo, deu uma surra maravilhosa num enganador meio brasileiro meio americano chamado Gerald Thomas. Foi um acontecimento histórico. Thomas, o rei dos afetados, encontrou um adversário que não se impressionou com as suas simulações e piruetas. Apanhou feito um cão e, tentando se safar, ainda soltou umas bobagens anti-semitas como argumentos. Atolou-se até o pescoço e foi embora cuspindo impropérios que caíram solenemente no vazio. Uma fronteira desabou.
Muitas outras fronteiras foram exploradas. Ao longo do ciclo falou-se de multiculturalismo, intolerância, comunicação entre culturas, arte, arquitetura e cultura em geral, de Daniel Libeskind a Simon Schama, passando por Richard Serra, José Padilha, Beto Brant, Milton Hatoum (uma aula sobre como não fazer uma palestra), Sérgio Ramirez, Renato Mezan (ótimo contra a insônia), Beatriz Sarlo, Affonso Romano de Sant’Anna (nomes assim só podem ser fruto da numerologia, embora o poeta seja excelente), Contardo Calligaris, Jurandir Freire Costa, eternamente preocupados com a crise da função paterna, Ayaan Hirsi Ali (a mulher contra o fanatismo de parte do islã), Wim Wenders, o ponto alto da arte, David Linch, a auto-ajuda que entrou pela janela, Philip Glass, Pedro Juan Gutierréz, o cubano que não publica no seu país por ser realista demais, Fabrício Carpinejar, 'o gaúcho do fronteiras', Sylvère Lotringer, o homem que introduziu de Michel Foucault a Jean Baudrillard nos Estados Unidos, e Tariq Modood. Teve de tudo e para todos os gostos. Se não voltar, como parece que não voltará, visto que a crise econômica mundial continua provocando estragos, o Fronteiras do Pensamento deixará saudades. Foi maravilhoso enquanto durou. Trouxe idéias, grandes nomes e debates para este belo canto da terra. No apagar das luzes, antes do champanha com gosto de nostalgia, nunca é demais tirar o chapéu, numa reverência clássica, para o homem que concebeu e bancou a idéia, um idealista no sentido mais nobre do termo, Luis Fernando Cirne Lima.

fonte: CORREIO DO POVO
PORTO ALEGRE, SÁBADO, 22 DE NOVEMBRO DE 2008

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