19 novembro, 2008

A quarta tarefa para amar, por Bel Cesar





Este é o último de uma série de quatro textos, que visa inspirar o leitor a praticar as quatro tarefas necessárias para aprender a superar a natureza ilusória do amor romântico e mesmo assim levar a vida com paixão. Volte ao primeiro texto e releia o Mito de Psiquê.

A quarta e última tarefa exige que Psiquê vá ao reino dos mortos e peça a Perséfone que lhe dê um pote de seu ungüento de beleza.

Desesperada, desta vez Psiquê sobe no alto de uma torre com a intenção de suicidar-se, pois pensava que só assim poderia entrar no mundo dos mortos. No entanto, será a própria torre que lhe dará as instruções para entrar no reino dos Mortos. Assim como Lama Gangchen costuma nos dizer: “O mesmo obstáculo que faz você cair, serve depois de apoio para você se levantar”.

A Torre informa Psiquê não apenas onde está a entrada para o reino dos mortos, mas também como deve agir. Além de levar duas moedas na sua boca - uma entregará para o barqueiro na ida e outra na volta - e levar um pedaço de pão em cada mão, que irá oferecer ao cão guardião de três cabeças na entrada e na saída, não poderá ajudar um homem coxo que lhe pedirá ajuda para apanhar a lenha no chão - caída de seu jumento - nem ajudar a salvar um homem que está se afogando. Terá também de recusar a ajuda de um morto para entrar na embarcação, as solicitações das três Tecelãs do Destino e por fim, ao conseguir o ungüento, deve retornar imediatamente; mas sob hipótese alguma abrir o pote!

Esta última e mais complexa tarefa sobre o amor nos ensina a cultivar a sabedoria que tem a ver com a habilidade de dar e receber: não podemos deixar que nem mesmo a nossa generosidade nos desvie de nossas prioridades. Paradoxalmente, esta quarta tarefa nos mostra que amar consiste também em saber não dispersar nossas energias: ser capaz de dizer “não” a quem quer nossa ajuda quando estivermos concentrados em nossos propósitos de vida. Não podemos deixar que nem mesmo a nossa generosidade nos desvie da possibilidade de nos realizarmos. Nosso crescimento interno não pode ficar paralisado. Para tanto, precisamos ter clareza quanto aos propósitos de nossa vida.

Quando nossas prioridades não são claras, nos “emprestamos” aqui e lá e ao final do dia não teremos cumprido nossas tarefas. Lama Michel Rinpoche disse certa vez em seus ensinamentos: “Generosidade sem benefícios em nada pode ajudar”.

Algumas vezes pensamos estar agindo movido pela generosidade, mas na realidade estamos invadindo o campo alheio. Em meu trabalho mais recente, “O Livro das Emoções”, dedico atenção especial a este delicado equilíbrio entre as minhas, as suas e as nossas necessidades quando escrevo: “Em geral, temos o hábito de olhar apenas para nossas necessidades, mesmo quando pensamos ser generosos. Esta é a razão por que é tão difícil ajudar os outros: temos dificuldade de percebê-los nas suas necessidades. Desta maneira, acabamos por criar vínculos desequilibrados e neuróticos, baseados na co-dependência".

Melody Beattie escreve, em seu livro Co-dependência nunca mais: “Co-dependente é a pessoa que tem deixado o comportamento de outra pessoa afetá-la, e é obcecada por controlar o comportamento dessa outra pessoa”.

Quando dizemos sim, mas na realidade queremos dizer não, quando fazemos coisas que não queremos realmente fazer, ou fazemos o que cabia aos outros fazerem, estamos sendo co-dependentes e não pacientes, nem mesmo generosos! Uma atitude co-dependente pode parecer positiva, mas, na realidade, está gerando baixa auto-estima e falta de confiança, pois está baseada no controle das atitudes do próximo.

A maioria dos co-dependentes não percebe que concentram mais energia nas atitudes e necessidades do outro do que nas próprias. Em outras palavras, se ao nos dedicarmos aos outros estivermos nos abandonando, mais à frente teremos de nos confrontar com as conseqüências de nossa atitude ignorante.

Para concluir, vamos então conhecer o final da história: a última instrução dada pela torre para Psiquê é que, ao conseguir o ungüento, ela deveria retornar imediatamente e sob hipótese alguma poderia abrir o pote! Não será uma surpresa narrar que sua curiosidade a traiu: abriu o pote e ao nada encontrar desmaiou, caindo no sono profundo, próprio do reino da morte.

No entanto, Eros, que já havia superado seu sofrimento, toma ciência do acidente ocorrido com Psiquê e voa até ela, fecha o pote extinguindo seus poderes e a acorda com uma picada de suas flechas. Psiquê, finalmente, entrega o pote para Afrodite que a perdoa ao reconhecer seu esforço e capacidade para ultrapassar todas as tarefas. Por fim, Zeus transforma Psiquê em deusa e avisa a todos os deuses que aprova o casamento dela com Eros. Assim, finalmente, tudo se resolveu: Eros e Psiquê, ou seja, o Amor e a Alma, permaneceram juntos por toda a eternidade. Do casal nasce uma filha chamada Prazer.

Ao final, o mito nos ensina que para amar é preciso saber perdoar e ter compaixão: tarefas própria daqueles que escolhem o amor como sua meta de vida.



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