18 novembro, 2008

Sobre a forma e a fôrma do perfil





Recentemente fui surpreendido por dois comentários, ambos de amigos orkutianos e pessoalmente desconhecidos: 1. “Isso não combina com seu perfil”! (acerca de um comentário pouco poético que fiz sobre uma poesia), e, 2. A ”fôrma orkutica que tenta nos desenhar... justapondo palavras, imagens, sons, construímos aqui a idéia de um ser que possa nos representar. Mas é pouco para o que somos, é pouco, insuficiente para refletir nossos seres... É uma fôrma digital que nos transforma em mitos - uma linguagem construída. É algo que precisa ser cultivado com cuidado...”

Estímulo para os neurônios. Vamos pensar juntos?
O que é um perfil?

Na prática, é a redução do todo (e da complexidade) à uma parte identificável e reconhecível por todos que utilizam o senso comum: lógica da representação.

As representações, por sua vez... são imagens, idéias, conceitos e afetos que TRADUZEM imagens, idéias, conceitos e afetos, mas não SÃO os tais!

O perfil do orkut , e todos os outros perfis são estáveis, intensos no recorte que fazem da realidade e verdadeiros na sua intensidade simplificante. Nada de mal nisso. Ok.

O problema começa quando se confunde o dito perfil e suas representações com as idéias que o geraram e lhe dão sustentação real-virtual.

Questões como o perfil da empresa, o perfil do candidato para o tal emprego, o perfil do cliente (para os consumos de todos os tipos) são variações de uma mesma questão: são regidos pelo engessamento da subjetividade, pela redução da diferença a uma suposta semelhança e pelo fato de dar critérios de real para o que é imaginário e representado.

Claro, os perfis servem para nortear decisões, buscar estratégias de conhecimento e orientar escolhas. Até aí... tudo bem.

Mas, e quando essas representações, que geram o perfil, escamoteiam, escondem e não permitem dar visibilidade para outras características que também são inerentes, componentes e imanentes ao sujeito? Sendo que, estas últimas, muitas vezes são mais características e fiéis ao que se pretende mostrar ao observador que analisa o perfil, seja ele qual for?

Aqui uma primeira conclusão: o perfil serve para mostrar fragmentos de algo ou alguém visando atender aos olhos que observam, ou seja, são feitos para o olhar do outro!

Vamos para outra lógica, uma lógica da dês-semelhança.

O que é homem? O que é masculino?
O que ser educado?
O que é ser competente e... coerente?

Ora, existe milhares (ou até milhões) de jeitos de ser homem, masculino, competente e coerente... e essas variações não cabem num perfil. Alguém poderá dizer... mas não é possível colocar TUDO num perfil. Claro que não... evidente!

Uma segunda conclusão: o que é importante não é O QUE se coloca no perfil... mas COMO se coloca e COMO se o lê! São os olhos que lêem... que dão existência e sabor ao escrito!

Perguntas orkutianas como quem sou eu, paixões, orientação sexual, livros música... etc, etc, etc... são meras referências representacionais de um universo de realidades nem sempre coerentes e fiéis a si mesmas!

Sá para citar um exemplo: heterossexual, gay, bissexual e curioso! O que é isso? Rsrsrsrs

Curioso?
Gay?
Hetero?

Sabemos que todos somos bissexuais genética, psicológica e espiritualmente.

Me explico: genéticamente... dois gens, um do pai e um da mãe... bi-gametas... um de cada sexo... XY (Homem) XX (mulher); psicologicamente: identificações por semelhança e desemelhança com ambos os pais... afetiva, sexual, comportamental, etc; espiritualmente: se admitimos a reencarnação, já fomos no atual estágio da nossa evolução, ambos os sexos... se não admitimos... bem, daí complica, porque o paradigma do catolicismo reinante não admite diálogos nesse sentido (ora, se uma mulher-que-não-casou-com-o-marido... e se-separou-e-não-se-confessou-dos-seu-pecados não pode comungar e tomar a santa ceia... o que pensar do resto?) Sim, espiritualidade é diferente de religiosidade no senso comum... e essa é uma longa discussão que não cabe “nesse perfil”. Rsrsrs

Detalhe: só não somos bissexuais socialmente... porque ainda o imaginário dita as normas e as conveniências para a grande maioria dos bilhões de habitantes dessa planetinha: e, mesmo assim, ter desejos e práticas bissexuais faz com que o sujeito deixe de ser homem ou mulher? Da mesma forma... ter desejos e práticas heterossexuais faz com que o sujeito deixe de ser bissexual no sentido que dei acima? Lonnnnnnnngo e complexo esse assunto. Você colocou TODAS as música, TODOS os gêneros musicais de que gosta no seu perfil? Filmes? Paixões?

Voltemos ao perfil!

Num extremo, estão os que quase nada colocam... e, no outro, estão os que mudam toda hora seu perfil, como eu!

Ora... no que concerne a mim... considero que meu perfil orkutiano é maleável, flexível, mutável... mas, mesmo assim, diz pouco de mim... de quem eu sou... de como estou e DE QUEM estou!

Um outro perigo anda à espreita nessa selva: a facilidade com que o perfil anunciado e definido tem para criar... mitos!

MITOS!

Um terceira, mas não última, conclusão: os leitores do perfil colocam, sobre esse imaginário representacional que já está lá no próprio perfil, o SEU PRÓPRIO IMAGINÁRIO!
Considerar que cada um de nós É o que está no perfil é uma ficção... e uma ilusão que não se reconhece como ilusão. É a ilusão da desilusão.


Cada um é responsável pelo seu perfil e cada um é co-partícipe na manutenção (ou não) do perfil do outro. Não tem escapatória. Fim!

De volta ao começo: só dar à consciência essa percepção permite dar conta desse estado das coisas!!!

Todos temos facilidade de criar mitos. Mitos para nós próprios e para os outos. O mais importante, me parece, é...

Uma quarta conclusão: fazer o mito ser reconhecido como mito!!!


Para desmontar uma identidade perfilática e perfilítica sugiro a leitura de Fernando Pessoa, Félix Guattari, Gilles Deleuze, Clarice Lispector e sugiro, principalmente isso: a leitura de si próprio nas suas diferenças!!!

Vivas à vida!
Viva a vida!





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