19 novembro, 2008

Estação das Perdas






Há horas em nossas vidas
que somos tomados por uma enorme sensação
de inutilidade, de vazio...

Questionamos o porquê de nossa existência
e nada parece fazer sentido.

Concentramos nossa atenção
no lado mais cruel da vida,
aquele que é implacável
e a todos afeta indistintamente:
AS PERDAS DO SER HUMANO!

Ao nascer, perdemos o aconchego,
a segurança e a proteção do útero.

Estamos, a partir de então, por nossa conta.
Sozinhos.
Começamos a vida em perda e nela continuamos.

Paradoxalmente,
no momento em que perdemos algo,
outras possibilidades nos surgem.

Ao perdermos o aconchego do útero,
ganhamos os braços do mundo.

Ele nos acolhe: nos encanta e nos assusta,
nos eleva e nos destrói...
E continuamos a perder..
E seguimos a ganhar.

Perdemos primeiro a inocência da infância.
A confiança absoluta na mão que segura nossa mão,
a coragem de andar na bicicleta sem rodinhas
porque alguém ao nosso lado
nos assegura que não nos deixará cair...
E ao perdê-la, adquirimos a capacidade de questionar.

Por que? Perguntamos a todos e de tudo...
Abrimos portas para um novo mundo
e fechamos janelas,
irremediavelmente deixadas para trás...
Estamos crescendo.
Nascer, crescer, adolescer, amadurecer,
envelhecer, morrer, renascer(?)...
Vamos perdendo aos poucos alguns direitos
e conquistando outros.

Perdemos o direito de poder chorar bem alto,
aos gritos mesmo,
quando algo nos é tomado contra a vontade.

Perdemos o direito de dizer
absolutamente tudo que nos passa pela cabeça
sem medo de causar melindres.
Assim: se nossa tia às vezes nos parece gorda
tememos dizer-lhe isso.

Receamos dar risadas
da bermuda ridícula do vizinho
ou puxar as pelanquinhas do braço da avó
com a maior naturalidade do mundo
e, ainda, falar bem alto sobre o assunto.

Estamos crescidos e nos ensinam
que não devemos ser tão sinceros.
E aprendemos...
E vamos adolescendo...
Ganhamos peso, ganhamos seios,
ganhamos pêlos, ganhamos altura....
Ganhamos o mundo.

Neste ponto, vivemos em grande conflito.
O mundo todo nos parece inadequado
aos nossos sonhos... Ah! E os sonhos!!!

Ganhamos muitos sonhos
Sonhamos dormindo,
sonhamos acordados,
sonhamos o tempo todo.
Aí de repente, caímos na real!
Estamos amadurecendo...
Todos nos admiram.
Tornamo-nos equilibrados, contidos, ponderados.
Perdemos a espontaneidade.
Passamos a utilizar o raciocínio,
a razão acima de tudo.
Mas, não é justamente essa a condição
que nos coloca acima(?) dos outros animais?

A racionalidade,
a capacidade de organizar nossas ações
de modo lógico e racionalmente planejado?(???)
E continuamos amadurecendo...
Ganhamos um carro novo, um companheiro,
ganhamos um diploma.

E desgraçadamente perdemos o direito
de gargalhar, de andar descalço,
tomar banho de chuva, lamber os dedos
e soltar pum sem querer...

Mas, perdemos peso!!!

Já não pulamos mais
no pescoço de quem amamos
e tascamos aquele beijo estalado...
Mas, apertamos as mãos de todos,
ganhamos novos amigos,
ganhamos um bom salário,
ganhamos reconhecimento, honrarias,
títulos honorários
e a chave da cidade...

E assim, vamos ganhando tempo...
Enquanto envelhecemos.
De repente percebemos
que ganhamos algumas rugas,
algumas dores nas costas (ou nas pernas),
ganhamos celulite, estrias, ganhamos peso...
E perdemos cabelos.

Nos damos conta que perdemos também
o brilho no olhar,
esquecemos os nossos sonhos,
deixamos de sorrir...

Perdemos a esperança.
Estamos envelhecendo.
Não podemos deixar pra fazer algo
quando estivermos morrendo...

Afinal, quem nos garante
que haverá mesmo um renascer?
Exceto aquele que se faz em vida,
pelo perdão a si próprio,
pelo compreender que as perdas fazem parte.

Mas, que apesar delas, o sol continua brilhando
e felizmente chove de vez em quando.
Que a primavera sempre chega após o inverno,
que necessita do outono que o antecede...
Que a gente cresça e não envelheça simplesmente..

Que tenhamos dores nas costas
e alguém que as massageie...

Que tenhamos rugas e boas lembranças...

Que tenhamos juízo
mas mantenhamos o bom humor
e um pouco de ousadia...

Que sejamos racionais.
Mas, lutemos por nossos sonhos.
E, principalmente,
que não digamos apenas eu te amo.

Mas, ajamos de modo que
aqueles a quem amamos,
sintam-se amados
mais do que saibam-se amados.

Afinal, o que é o tempo?

Aila Magalhães



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