17 novembro, 2008

A estética do prazer





O ciclo de conferências Fronteiras do Pensamento contou com as palestras do sociólogo francês Michel Maffesoli e do artista catalão Antoni Muntadas. Maffesoli, nascido em 1944, é um dos autores franceses contemporâneos mais traduzidos no Brasil, com 20 livros publicados por editoras brasileiras. Ele tem, ao longo da carreira intelectual, aberto novas perspectivas no estudo das relações sociais orgânicas, aquilo que se chama de “estar-junto‘, de” tribalismo juvenil “ou de “socialidade”, e das novas formas de comunicação. A comunicação é um laço social.

Michel Maffesoli tem mostrado que, ao contrario do imaginado, o principal da comunicação é o contato, o simples “colocar em relação” um mundo no qual tudo se toca, cruza, mistura, liga, confunde e faz fronteira. Mesmo os antagonismos podem ser complementares. Nesse universo de mestiçagem, o fanatismo apresenta-se como o último grito de desespero de um desejo de pureza que se tornou impossível e imoral. A comunicação é uma forma de vida social, de “impureza” fundamental, um modo de existir baseado no relacional. Tudo é permeável. Mais do que um conjunto de mensagens disseminados por meios diversos, massivos, a comunicação é um modo de vida compartilhado socialmente que dá o tom e a atmosfera da nossa época. Comunicar implica ir ao encontro do outro, sair de si, buscar a interface.
Por que Michel Maffesoli se tornou, sem o pretender, um autor importante para a Sociologia da Comunicação ensinada nos principais centros brasileiros de discussão sobre esse tema?Por ser o principal sociólogo da comunicação, talvez o único, a praticar realmente uma sociologia compreensiva da comunicação, ou seja, a mergulhar nos fenômenos complexos da comunicação (tudo aquilo que vai da mídia às formas de interação interpessoal) sem se submeter a uma lógica do “dever-ser”. Em síntese, Maffesoli percebe a comunicação como uma forma sensível da vida social contemporânea e tenta compreender, fora dos imperativos morais, como ela serve de “cimento social” numa época de crise das velhas certezas e de desabamento das antigas utopias políticas que, com a promessa do paraíso futuro terreno, serviam de “cola” social para os indivíduos socialmente desamparados.

Quase todos os termos caros a Maffesoli, espalhados pela sua rica e extensa obra, remetem à comunicação e à estética como compartilhamento de uma emoção: tribalismo, socialidade, religação, estar-junto, efervescência social, ideal comunitário, orgiástico, dionisíaco, conjunção social, comunhão, laço social, cultura do sentimento, nomadismo, imaginário (que para ele é sempre social), contraditorial (as terminações em “al” significam para ele interações orgânicas intensas e profundamente sentidas em comum), “jogo social, sinergia, harmonia conflitual, diversidade, equilíbrio de antagonismos, aparência, teatralidade, estilo, vitalismo, aura, ética do estético, socialidades eletivas, sinceridades sucessivas, redes, polioteísmo, pluralismo, cimento social, cola do mundo, empatia, preeminência de todo, nomadismo comunitário, fusão, atração, instante, presenteísmo, trágico, identificação (fluida, em oposição à rigidez da identidade), comunhão virtual, compreensão, hedonismo, relativismo, narcisismo, festa, potência, “carpe diem “, barroco, tato, razão sensível, hibridismo.

Comunicar é tocar, falar, fundir-se com o outro, pôr-se em relação, festejar, soltar-se, entregar-se a um vitalismo que estrutura o social, na contramão da produção e da razão castradora. Comunicar é viver na marcha de cada dia a pluralidade de pessoas de que cada um é constituído. Comunicar é passar de identificação em identificação, fora da noção de identidade imutável, na busca do prazer, da sinergia, da sintonia, da comunhão, da conjunção social, do estar-junto que permite viver intensamente o “fantástico do cotidiano”. Comunicar é escolher o prazer, e não o culto do sacrifício. Comunicar, na linguagem dos jovens de agora é “ficar”. Mas, esse “ficar” é oposto da permanência. É um ficar que passa. Enfim, comunicar é religar, associar, ligar, estabelecer laços sociais, vibrar junto, participar de uma atmosfera, tornar concreta uma “ambiência”, mergulhar em relações gregárias e sempre abertas a outros.

Tudo é comunicação na obra de Michel Maffesoli. Tanto que ele não precisa falar de comunicação, do termo em si, para chamar a atenção dos interessados na comunicação como fenômeno relacional. Maffesoli não está interessado em emissores, receptores, canais, efeitos, impactos, manipulação ou crítica de mídia. Comunicação, para ele, é aquilo que faz com a sociedade não se dissolva no vácuo da lucidez extrema e da depressão. Na pós-modernidade, essa “socialidade” assume o papel de protagonista no palco do vivido cotidiano. A cena pós-moderna constitui-se pela comunicação como desejo e prazer de um estar-junto válido em si mesmo, como um ritual não formalizado da vibração em comum.

Fonte: Juremir Machado da Silva, Maffesoli e Muntadas, a estética do prazer, Jornal Correio do Povo, 18/11/07.


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