17 novembro, 2008

Nietzsche 2... continuação



Ideal ascético...


A crença no desejo como falta é produto da imaginação. Mas o que é o desejo como falta? É o sentimento de que falta o objeto que proporciona prazer. O sujeito que não consegue livrar-se do ressentimento, recorda-se das idéias de afetos que proporcionaram momentos de alegria em algum momento do passado. Como a relação com o objeto não existe mais, resta ao ressentido relembrar as alegrias do passado no momento presente. Mas, se o objeto não existe mais, restando somente a idéia do seu afeto na memória, o ressentido imagina que o seu desejo não está preenchido. Assim, ao imaginar a posse do objeto novamente, ele crê que a falta que o atormenta deixará de existir. Enquanto isso não acontece, a dor da falta não é cessada. O homem sofre por aquilo que ele não tem. O desejo torna-se imperfeito, que deve ser preenchido.

Dessa forma, o homem é movido pela esperança de alcançar aquilo que está relacionado com o afeto alegre, e o medo de não consegui-lo. Somente o homem refém da imaginação oscila entre a esperança e o medo. Namorados, a vitória do time de futebol, dinheiro, elogios, reconhecimento, etc., tornam-se finalidades “em si”. Não tem jeito, enquanto o objetivo não é alcançado a dor da falta permanece. Porém, quando o objetivo é “alcançado”, o que se passa? O vazio se instala, o prazer vai embora rapidamente, o ressentido já logo se recorda de novas idéias de afetos alegres que irão substituir o então desejado objeto. A comemoração, o consumo, o sexo, enfim, tudo que foi tão desejado em outro momento é substituído por outro objetivo (ou objeto) que deve ser alcançado. O desejo, até então “preenchido” (imaginariamente, é claro), volta a estar incompleto. Tudo se transforma em coisas efêmeras.

Esse movimento é a vontade de ideal: tudo vira ideal, tudo é colocado num plano transcendente ao plano de imanência. No ideal tudo é belo, bom, perfeito, alegre. O homem perfeito, a mulher perfeita, o corpo perfeito, o emprego perfeito, a cidade perfeita, o político perfeito, a escola perfeita, enfim, tudo vira vontade de perfeição, pois, para o ressentido, a imanência é “imperfeita”. O ideal é a linha de chegada, onde todos os problemas estarão resolvidos.

Por viver submetido à imaginação, o ressentido cria imagens idealizadas da saúde, da felicidade, da força, do amor, da política, do que é ativo, etc. É comum o ressentido associar o indivíduo que dá saltos de alegria, que chega ao êxtase, que distribui sorrisos para o mundo todo, com a imagem de alguém alegre, feliz. Para Nietzsche, o amor ao destino já é o modo alegre de se viver ou, então, para Espinosa, a alegria é o contentamento íntimo, fruto de um modo de vida ético e criativo. A alegria está no próprio movimento destruidor e criativo da vida. O trágico é alegre, para o “bem” e para o “mal”, na dor e no prazer. É assim como os grandes acontecimentos que, ao contrário daquilo que imagina o vulgo, movem-se com passos de pomba, silenciosos (“Assim Falou Zaratustra”, Dos grandes acontecimentos).

A idéia de corpo saudável, para o ressentido, é a do corpo cujos órgãos funcionam muito bem e, além disso, é a de um corpo malhado, etc. Mas, para Nietzsche, um corpo saudável é aquele que não deixa o ressentimento dominá-lo, que se mantém no acontecimento e que, por isso, é um corpo que sabe dançar. Está livre da acusação e da culpa. Um corpo saudável é aquele que tem grande capacidade para modificar-se, sem perder a sua natureza. Isso é estar em acontecimento: destruir em si o que merece ser destruído. É um brinde à metamorfose!

Ora, somente o ressentido tem vontade de idealizar, de criar até um sistema filosófico para isso. Desejar a ficção, decepcionar-se com a realidade que constitui o objeto idealizado, é o movimento niilista que rege a cultura ocidental desde Sócrates, Platão e Aristóteles. Nietzsche já dizia que o cristianismo é um platonismo para as massas: o bem alcançado, a salvação eterna numa dimensão transcendental. No “Crepúsculo dos Ídolos”, Nietzsche diz sobre Sócrates:

“Dei a entender o que fez com que Sócrates exercesse fascínio: ele parecia ser um médico, um salvador. Faz-se ainda necessário indicar o erro que repousava em sua crença na ‘racionalidade a qualquer preço?’ (...) Sócrates foi um mal-entendido. Toda moral fundada no melhoramento, também a moral cristã, foi um mal-entendido...” (O problema de Sócrates, 11).

Um tal filosofia foi recebida de bom grado pelo rebanho ressentido. De Sócrates até hoje, muita gente “grande” não escapou do maldito ideal: até Schopenhauer teve a sua vontade de ideal... Mas, ao contrário de Kant, ele não teve uma vontade de lei, mas uma vontade de alcançar o nada. Houve um budismo em Schopenhauer que lhe fez querer aniquilar a Vontade, já que ela nunca se satisfaz, gerando cada vez mais sofrimento. O nada, então, vira um objetivo:

“Nós, nós vamos audaciosamente até o fim. Para aqueles a quem a Vontade ainda anima, aquilo que resta, após a supressão total da Vontade, é efetivamente o nada. Mas, ao contrário, para aqueles que se converteram e aboliram a Vontade, é o nosso mundo atual, este mundo tão real com todos os seus sóis e todas as suas vias lácteas, que é o nada” ( “O mundo como vontade e representação”, livro quarto).

É claro que Nietzsche detona com essa visão. Mas, apesar disso, ele via nessa vontade de nada algo muito mais interessante do que o platonismo ou o cristianismo. Apesar de haver ressentimento em Schopenhauer, não há acusação ao outro e nem sentimento de culpa: há apenas vontade de eliminar o que “causa” o sofrimento, ou seja, o próprio desejo. Por isso que o budismo é a religião da não-reação. Para Nietzsche, isso é muito interessante quando se entende essa não-reação como um niilismo passivo, que abre a possibilidade de ser ultrapassado por um niilismo ativo, onde o desejo é potência pura, e não algo que deve ser eliminado (até porque isso é um absurdo)... Para ele, o budismo, pelo menos, é mais honesto do que a toda a lama da culpabilidade cristã.

Finalizando esta parte: vivemos numa civilização sufocante, com os seus valores estabelecidos a partir de uma covardia diante da vida, que se imagina “protegida” por leis que “garantem” a ordem e a paz. O tipo ativo, cada vez mais raro, não é reconhecido pelos olhares dos “normais” desse sistema. A nossa realidade passa a ser reproduzida através de uma ordem estabelecida por um modo de vida reativo que, como foi visto, é um modo de vida refém da imaginação, submetido às marcas que se instalam na consciência, agindo desesperadamente em busca de um ideal de alegria e de felicidade. As instituições são criadas para fazer esse sistema reativo funcionar: basta olharmos os estragos que uma Revolução Francesa foi capaz de criar. Uma “revolução” dos escravos, do ressentimento, da “proteção” através da lei humana, em substituição às leis divinas. Nietzsche disse que o real sentido da morte de Deus ainda não foi percebido pelos homens: o lugar do juízo permanece o mesmo, pois Deus foi expulso e o homem tomou o seu lugar... O processo do niilismo está em andamento; na verdade, o próprio niilismo reativo (o homem que se colocou no lugar de Deus) já acelerou esse processo: a revolução industrial, a revolução francesa, a explosão do capital, a super-população do planeta, as armas nucleares, a destruição ambiental, as alterações climáticas, a miséria social, etc. O homem caminha, a passos largos, para a destruição dos próprios valores humanos, esses que são tão defendidos pelos homens de “bem” de hoje. No “Ecce Homo”, vimos que Nietzsche sentiu de maneira extremamente lúcida esse movimento:

“Conheço a minha sina. Um dia, meu nome será ligado à lembrança de algo tremendo – de uma crise como jamais houve sobre a Terra, da mais profunda colisão de consciências, de uma decisão conjurada contra tudo o que até então foi acreditado, santificado, requerido. Eu não sou um homem, sou dinamite. (...) Com tudo isso sou necessariamente também o homem da fatalidade. Pois quando a verdade sair em luta contra a mentira de milênios, teremos comoções, um espasmo de terremotos, um deslocamento de montes e vales com jamais foi sonhado. A noção de política estará então completamente dissolvida em uma guerra dos espíritos, todas as formações de poder da velha sociedade terão explodido pelos ares – todas se baseiam inteiramente na mentira: haverá guerras como ainda não houve sobre a Terra. Somente a partir de mim haverá grande política na Terra.” (Porque sou um destino, 1).

Ainda falta dizer algo sobre a concepção da tragédia no jovem Nietzsche e no Nietzsche da "Genealogia" (respondendo, finalmente, a pergunta do Marcio; sim, há uma evolução na concepção da tragédia...), o desejo como potência, o esquecimento, a memória virtual e dicas sobre livros (de Nietzsche e de alguns comentadores) e filmes. Não sei se vou ter tempo para tudo isso, mas vou tentar. Até a próxima
Ser irresponsável, afirmar o acaso ou, então, ter responsabilidade pelos atos e acusar o acaso: eis a diferença entre a concepção da tragédia como uma alegria - quando o acaso é inocente - e a concepção da tragédia como um drama - quando o acaso é culpável. Convenhamos, afirmar plenamente o acaso não é tão simples. A vontade de acusar quase sempre fala mais alto. Quando se sofre uma “injustiça”, o que mais se vê é a necessidade de encontrar algum culpado. Mas o acaso não cansa de brincar com o homem: só que o homem ainda não aprendeu a brincar com o acaso...

No jovem Nietzsche do “Nascimento da Tragédia” ainda não havia surgido a idéia plenamente positiva do acaso, de afirmá-lo inteiramente. Diz Deleuze, no livro “Nietzsche e a Filosofia”:

“Em relação ao cristianismo, os gregos são crianças. A sua forma de depreciar a existência, o seu ‘niilismo’, não possui a perfeição cristã. Julgam a existência culpável, mas ainda não tinham inventado essa sutileza que consiste em julgá-la faltosa e responsável. Quando os gregos falam da existência como criminosa e “hybrica”, pensam que os deuses tornaram os homens loucos: a existência é culpável, mas são os deuses que tomam sobre eles a responsabilidade da falta. É essa a grande diferença entre a interpretação grega do crime e a interpretação cristã do pecado. É essa a razão pela qual Nietzsche, no “Nascimento da Tragédia”, acredita ainda no caráter criminoso da existência, na medida em que este crime não implica a responsabilidade do criminoso” (O trágico).

Para um grego, a culpa não era atribuída à outra pessoa e nem a si mesmo, restando aos deuses tornarem-se responsáveis pelas loucuras dos homens. Isto é completamente diferente da moral judaica-cristã: a da acusação ao outro e do sentimento de culpa. É claro que Nietzsche sentia nesse “niilismo” grego uma nobreza incomparavelmente mais bela do que a moral do ressentimento e da culpabilidade cristã. Mas, ainda aí, há um sentimento de responsabilidade atribuída à existência, uma necessidade de justificação. Mais tarde, a partir de “Humano, demasiado humano”, Nietzsche ultrapassa essa concepção da tragédia, rompe com Schopenhauer e Wagner, e cria a concepção da afirmação plena da tragédia, toda a sua positividade, livre de qualquer responsabilidade: Dionísio e o eterno retorno.

O real problema do homem pode ser resumido na seguinte pergunta: qual é o sentido da existência? O devir, o acaso, a multiplicidade são as perturbações humanas. Como destruir uma concepção negativa da existência para apreendê-la em toda a sua justiça? Vou usar o seguinte exemplo: o meu corpo é invadido por um certo tipo de vírus. A potência desse vírus provoca uma grave alteração nas relações dos órgãos que constituem o meu corpo, deixando-o cada vez mais frágil, levando-o à morte. Para um cristão, a minha morte poderá ser interpretada por um ângulo de uma “justiça divina”, de algum castigo imposto por um Deus, pelo fato de eu ter cometido alguma ação “injusta” em algum momento da minha vida ou pelo fato de eu ter sido ateu, etc., levando-me à morte. Mas Nietzsche não acreditou em artigos de fé para encontrar o sentido “verdadeiro” do que acontece na nossa existência. Ele preferiu pensar, ao invés de imaginar e moralizar as coisas. Tsunamis, furacões, vírus, etc., são forças que se afirmam, e que não sentem nenhuma culpa ao exterminar milhares de vidas humanas.

Vejamos, então, o mesmo exemplo que eu utilizei a partir de um ângulo da plena afirmação do acaso: no encontro com o meu corpo, o vírus - por ser ativo e por agir de acordo com a sua própria natureza - não vai deixar, por algum instante que seja, de agir por causa do estrago que ele irá causar ao meu corpo. Pelo contrário, a sua afirmação é plena, independente das conseqüências que isso irá causar para o meu corpo – ele não sente culpa. Para o meu corpo, trata-se de um mau encontro, pois a relação orgânica que lhe mantinha vivo foi destruída. Mas para a vida, trata-se de algo necessário. Para Nietzsche, em todo acaso há necessidade. De quê? De afirmação da potência. O tipo reativo – por não afirmar o acaso - precisa idealizar um mundo perfeito para fugir (imaginariamente, é claro) do acontecimento. Mas é no acontecimento que podemos afirmar a nossa singularidade e entendermos aquilo que pode o nosso corpo, quais os encontros que se compõe com a nossa natureza e quais os encontros que não se compõem conosco. E, ainda que haja uma decomposição que pode nos levar à morte, nada se perde. Na relação entre o vírus e o meu corpo, o vírus não é “melhor” do que o meu corpo e nem o meu corpo é “pior” (pelo fato dele ter “levado a pior”) do que o vírus: como em qualquer relação há necessidade de afirmação do que um corpo pode, o que é afirmado é, na verdade, o próprio ser no devir, o uno através da multiplicidade. Não existe perda, pelo simples fato de que o ego não existe... O que eu sou, o que você é, o que é humanidade para a natureza? A natureza não depende de mim, de você e do homem para continuar existindo, pois ela não se limita a um ego ou a uma espécie; mas, no entanto, o nosso valor está exatamente no seguinte aspecto: a natureza se expressa também em nós, goza também em nós, cria também através de nós, em suma, ela se auto-produz em mim, em você, na humanidade e em absolutamente tudo aquilo que existe. Não há como separar uma força de uma relação: tudo que existe, existe em relação. Portanto, para o desejo não falta nada, pois ele já é preenchido na relação.

O nascimento e a morte são modos infinitos e eternos da afirmação necessária da essência que constitui tudo que existe. Portanto, não há culpa, responsabilidade e justificativa; pelo contrário, há inocência e irresponsabilidade em todo acaso. Por isso que, para Nietzsche, o trágico é alegre: alegria na destruição e na criação.

“Eu sou Zaratustra, o ímpio: onde encontrarei os meus pares? E são meus pares todos aqueles que se dão a si mesmos a sua vontade e repelem de si toda a resignação. Eu sou Zaratustra, o ímpio. Cozinho na minha panela todo e qualquer acaso; e somente quando está bem cozido, dou-lhes as boas-vindas como meu alimento. E, na verdade, mais de um acaso veio a mim com modos imperiosos; mas, com modos ainda mais imperiosos, expressei-lhe a minha vontade – e já lá estava ele de joelhos, implorando. Implorando que lhe desse pousada e benévola acolhida e acrescentando, em tom bajulador: “Vê, Zaratustra, somente um amigo vem ter assim com um amigo!” (“Assim falou Zaratustra”: Da virtude amesquinhadora, 3).

O mundo, então, é vontade de potência. “Somente” isso.



Memória virtual ou ontológica: as forças ativas dominam as forças de conservação. Há o sentimento de cumprir uma tarefa: tomar parte da essência eterna que nos constitui. Quando teve o pensamento do eterno retorno, Nietzsche disse:

“Em meu horizonte surgiram pensamentos como jamais vi semelhantes (...) Tenho que viver alguns anos ainda! (...) As intensidades do meu sentir fazem-me rir e tremer (...) Em minhas andanças (...) chorava muito, não lágrimas sentimentais, mas lágrimas de júbilo; cantava e falava absurdos, pleno de uma nova visão que possuo adiante de todos os homens” (Carta a Peter Gast, 14/08/81).

Por mais que o homem esteja dominado pelo ressentimento, a Natureza Naturante continua nele, apesar das suas insistentes fugas para o mundo do ideal, abafando as forças de criação. O tipo ativo vive a vida como uma espécie de missão: não uma missão já pré-determinada por algo externo, mas uma missão que é inerente à singularidade da sua vida. A missão torna-se a coisa mais importante que pode existir. É como disse Nietzsche, no subtítulo do “Ecce Homo”: “Como alguém se torna o que é”.

“Tal é a resposta que o espírito livre dá a si mesmo no tocante ao enigma de sua liberação, e, ao generalizar seu caso, emite afinal um juízo sobre a sua vivência. ‘Tal como sucedeu a mim’, diz ele para si, ‘deve suceder a todo aquele no qual uma tarefa quer tomar corpo e vir ao mundo’. A secreta força e necessidade dessa tarefa estará agindo, como uma gravidez inconsciente, por trás e em cada uma das suas vicissitudes – muito antes de ele ter em vista e saber pelo nome essa tarefa. Nosso destino dispõe de nós, mesmo quando ainda não o conhecemos; é o futuro que dita as regras do nosso hoje” (Humano, Demasiado Humano”, Prólogo, 7).

Qual o uso que um tipo ativo faz das marcas? Ele sabe que a marca, dependendo do uso, não é um problema. Vimos o que acontece quando a marca se fixa na consciência: ela bloqueia os novos fluxos que um corpo continua recebendo. Exemplo: eu posso ouvir uma música que faz com que eu me recorde de uma marca, ela se fixa na superfície, “cobrindo” os fluxos sonoros que continuam a chegar aos meus ouvidos. Ao invés de saborear esses novos fluxos, o afeto da marca domina a minha consciência, ressentido-o.

Imaginem um escritor: tudo aquilo que ele leu é processado pelas forças de recepção (ou de conservação) do seu inconsciente. Ele continua recebendo novos fluxos, enquanto as marcas estão alojadas na profundidade. Porém, quando ele vai escrever, as idéias dos autores que fizeram uma composição com a sua singularidade retornam à superfície através do ato criativo: aquilo que não se compôs, não é mais considerado, porque é na criação que a força ativa que fala mais alto. Aquilo que não serve para a criação é necessariamente esquecido (leituras de jornais, etc.); mas as marcas que retornam, retornam submetidas pelo ato criativo, e não para serem ressentidas (e contempladas) por um corpo separado da sua capacidade de criar. Os autores, então, “falam” através do escritor. E melhor ainda: “falam” por uma força singular, porque a composição que houve também foi singular. Não se trata de copiar o que o outro disse, trata-se de uma composição de forças. Por isso que ninguém cria do “nada”.

O mesmo acontece com um pintor, um músico, etc. Tudo na natureza é composição de forças. Por saber disso, o tipo ativo dá boas-vindas a todo acaso, porque em todo acaso há algo que serve para a criação. Por estar em devir, ele sabe que as potências que lhe atingem podem lhe provocar dor. Quando isso acontece, ele não reage acusando o “culpado”; ele processa, “cozinha o acaso”, e retira daí a energia necessária para crescer, tornando-se mais forte. É o que diz Nietzsche:

“Da Escola de Guerra da Vida – o que não me mata torna-me mais forte” (“Crepúsculo dos Ídolos”, Sentenças e Setas, 8).

Resumo do que foi dito nas mensagens:

Ressentimento: as marcas alegres e tristes se fixam na consciência, bloqueando os novos fluxos, gerando dor. A acusação ao outro como meio de eliminar a “causa” das dores.

Má consciência: apesar da acusação ao outro, o sofrimento não é eliminado. A culpa, então, passa a ser do próprio sofredor.

Ideal ascético: a esperança do fim das dores através do ideal. O mundo perfeito, belo e verdadeiro. Antes, a salvação pelo mundo divino; agora, a salvação pelo “progresso”, pelo capitalismo, pela racionalidade, pela lei, pela democracia. Mesmo vivendo alienado da realidade, o homem moderno continua produzindo... realidade! - uma realidade que está colocando em sério risco a sua própria sobrevivência. Por isso que, para Nietzsche, é necessária uma transvaloração de todos os valores. Mas, para isso ocorrer, é necessária uma nova postura de vida, uma coragem para viver e para afirmar o acaso. É o modo de vida que gera valor. Em suma, é preciso que o homem não seja ressentido... Que seja um super-homem, além dessa forma “humana, demasiada humana”.

O trágico: alegria na destruição e na criação. A negação não existe na natureza: até a morte é pura afirmação de um outro corpo (é importante fazer uma distinção neste ponto: a morte produzida pelo homem é a morte provocada pelo seu modo de vida impotente, refém da imaginação, que busca prazeres a todo custo, nem que, para isso, tenha que matar outra pessoa. É totalmente diferente de quem afirma a diferença. A tão badalada questão sobre a proibição do comércio de armas passa longe do que gera qualquer criminalidade: aumento de potência, esforço pela sobrevivência, idéias inadequadas. A criminalidade é produzida pelo modo de vida de uma sociedade que, de tão alienada, inverte toda relação de causa e efeito).

A memória virtual ou ontológica: tornar-se o que se é; um dia não é igual a outro; manter-se em devir ativo; afirmar a diferença; tomar parte da essência eterna que constitui tudo que existe; usar as marcas para o ato criativo.
(Texto recebido na internet... de uma fonte confiável, mas sem indicação do autor)

Nenhum comentário: